MEMÓRIA

Zagueiro que parou Pelé vive um drama

Eraldo, ex-jogador do Guarani nos anos 60, mora em uma casinha alugada com um salário mínimo e meio

Rogério Verzignasse
23/03/2015 às 22:10.
Atualizado em 23/04/2022 às 19:07

Eraldo espera a reportagem sentado na calçada. A casa alugada, de cinco cômodos, fica no Jardim Florence, bairro simples da periferia campineira. O homem caminha devagar. Tem os joelhos inchados por causa da artrose. Ele divide o lar com a esposa Raquel. Pouca gente, ali pela vizinhança, sabe do seu passado. Mas os velhos amigos da cidade o conhecem bem. O senhor, de 82 anos de idade, foi um dos maiores zagueiros da história do Guarani. Ele esteve em campo naquela noite épica — 18 de novembro de 1964, uma quarta-feira — em que o Bugre meteu 5 a 1 no poderoso Santos de Pelé. E Eraldo, naquela noite vestido com camisa 5, não deixou o "Rei" pegar na bola.   Ali pelas gavetas de casa, o ex-zagueiro guarda com o maior orgulho as fotografias de época, em preto e branco, onde ele aparece na formação inesquecível. E o homem vai apontando jogador por jogador, como se a partida tivesse sido disputada na véspera, identificando cada um.   O Guarani jogou com Sidnei; Oswaldo Cunha, Ditinho, Eraldo e Diogo; Ilton e Américo Murolo; Joãozinho, Nelsinho, Babá e Carlinhos. Do outo lado, o Peixe levava a campo um time que — para muita gente — foi o maior de todos os tempos: Gilmar; Ismael, Modesto e Geraldino; Zito e Lima: Peixinho, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Ah, sim. O campeonato era um turno corrido e o alvinegro praiano disputava o título rodada a rodada com os rivais diretos: Palmeiras, Corinthians e Portuguesa. Faltava menos de um mês para a rodada final. E os times grandes não davam moleza. Ninguém podia imaginar que o Santos ia levar aquela piaba no Brinco.   O atacante bugrino Carlinhos abriu o marcador aos 5'. Um minuto depois, o zagueiro bugrino Ditinho marcou contra, e o Santos empatou. Mal a bola saiu e Joãozinho colocou o Bugre outra vez na frente. Antes de terminar a primeira etapa, Babá marcou o terceiro para o Guarani. No segundo tempo, o Santos tomou o quarto gol logo aos 10', anotado por Américo Murolo. O Peixe, desnorteado, ainda viu Nelsinho marcar o quinto, a cinco minutos do fim. Festa para as 25.258 pessoas que pagaram ingresso no Brinco.   Até o Eraldo, hoje com 82 anos de idade, não sabe dizer o que aconteceu. "O Guarani era um time de respeito, tinha uma rapaziada rápida na frente. Mas o Santos era um time fora de série. Sei lá. A gente tava inspirado", diz. Na opinião dele, o Bugre era forte porque investia muito na base. E os clubes, naquele tempo, buscavam craques na várzea.   Aliás, a várzea fez parte da sua própria história. Eraldo Correia de Araújo nasceu em Pilar (AL). Era filho de um pescador e uma tecelã. Jogou nos times de base do CSA, mas se mudou para São Paulo à procura de trabalho quando tinha pouco mais de 20 anos. Jogando na várzea, ele foi descoberto por um olheiro que o levou para o América de São José do Rio Preto. De lá, passou pelo Taquaritinga e foi descoberto pelo Guarani. Se mudou para Campinas em 1962 e nunca mais saiu daqui. Eraldo vestiu a camisa do Bugre até 1967. Pendurou as chuteiras quando tinha 34 anos. Aí, no entanto, sua história mudou radicalmente. Ele não tinha ofício algum, nem dinheiro guardado. AUXÍLIO PONTEPRETANO   Eraldo jogou em uma época em que o salário do jogador de futebol era modesto. Ele se aventurou a trabalhar como corretor de imóveis. Se casou, foi pai de uma menina, enviuvou, se casou de novo, foi pai de um menino. Mas o tempo passou. As rugas apareceram, a doença chegou, e hoje ele vive com uma renda de um salário mínimo e meio. O dinheiro mal banca o aluguel, que passa dos R$ 800,00 mensais. Para comer e comprar os remédios, Eraldo depende da ajuda de amigos — torcedores, dirigentes, ex-jogadores. Mas, volta e meia, não sobra uma moeda. Epilético, neste mês faltou até o dinheiro para o Gardenal, que controla convulsões.   Ainda assim, Eraldo parece feliz. Faz questão de dizer os nomes de quem, de vez em quando, passa ali pela casinha modesta e o abraça. E, apesar de fazer parte de um time inesquecível do Guarani, ele se diz grato, de verdade, a diretores da Ponte Preta que o ajudaram muito. Lembra que, no passado, despejado, ele, a mulher e o filho pequeno passaram a noite no Largo do Rosário. O seu anjo da guarda foi um cartola pontepretano, que o tirou da rua, o ajudou a locar outro imóvel. "Foi emocionante. Ganhei reconhecimento do time rival", fala.   Entre os bugrinos engajados numa campanha que o "levantou" há três anos, ele cita craques como Zenon, torcidas organizadas, empresários e até um juiz de direito. Mas lamenta não ter contato com mais ninguém daquele time inesquecível de 64. Muita gente morreu. Outros, vivos, desapareceram no mundo. Na diretoria atual do Bugre, não há contato algum. "Acho que o time tinha de ter mais carinho com quem vestiu a camisa..."   NOTAS DO BUGRE   TIME   O técnico Marcelo Veiga comandou, nesta segunda-feira (23), um treinamento tático e indicou a equipe que deve começar o jogo de quarta-feira (25) contra o Atlético Sorocaba. A boa notícia foi a volta ao time titular do atacante Nunes, recuperado de uma pancada no tornozelo esquerdo. Quem também retorna é o meia Fernandinho, na vaga de Thiago Cristian. Nos lugares de Watson, Coppetti e Fumagalli, suspensos, o treinador optou por Raoni na lateral-direita, Thiago Carpini como volante e Vítor Hugo compondo o trio de meias.   INGRESSOS   O Guarani inicia na manhã desta terça-feira (24) a venda de ingressos para a partida. Serão 9 mil entradas, mas dessa vez sem promoção. Os valores são de R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Os ingressos serão comercializados nas bilheterias do Estádio Brinco de Ouro.   JULGAMENTO   O Guarani escapou de ter mais desfalques nesta segunda. Isso porque o julgamento dos três jogadores envolvidos na confusão após o jogo contra o Comercial foi adiado novamente pelo Tribunal de Justiça Desportiva. A alegação foi que o Comercial não apresentou sua defesa. Assim, o zagueiro Rafael Caldeira, o meia Thiago Cristian e o atacante Luiz Ricardo estão à disposição de Marcelo Veiga e poderão aparecer como opção no banco de reservas.

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