tradição

Yes, nós temos Saci!

Faz 100 anos que um dos nossos autores mais importantes, Monteiro Lobato, lançou O Saci-Pererê: resultado de um inquérito

Katia Camargo
01/11/2018 às 14:47.
Atualizado em 05/04/2022 às 22:41

Para aproveitar a proximidade do Halloween, 31 de outubro, nada melhor do que reviver personagens do folclore brasileiro. Quem nunca ouviu falar em Lobisomem, Saci-Pererê, Boitatá, Curupira, Iara, Loira do Banheiro e tantos outros seres aterrorizantes, ou nem tanto, do nosso folclore? Na lista figuram ainda outros nem tão conhecidos assim, como Cumacanga, Romãzinho, Teiniagá e outros. Esses personagens estão reunidos na obra Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro: e Suas Histórias Maravilhosas (FTD Educação e Edições Sesc SP), da jornalista, escritora e pesquisadora Januária Alves, lançado no ano passado. “Como escritora, percebi que muitos personagens do folclore brasileiro estavam sendo esquecidos. Minha preocupação em fazer o livro foi de não deixar morrer o registro desses personagens que dizem muito do Brasil e suas regiões, além de ser acessível a qualquer idade”, conta a escritora, que tem viajado por todo o Brasil para divulgar seu trabalho. “Trata-se de um patrimônio imaterial e isso ninguém nos rouba”, diz. Embora a festa de Halloween venha de tradições muito antigas, do povo celta, há quase dois mil anos, a celebração se consolidou nos Estados Unidos. “Com a globalização, coisas adotadas pelos Estados Unidos ou Europa acabam sendo adotadas em todo o mundo”, diz a autora. O Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro concorre em duas categorias ao prêmio Jabuti: a categoria ilustração, feita por Cezar Berje, e na categoria impressão. Lobisomem americano ou o Capelobo? Saiba quais são as figuras do nosso folclore que nos assombram, assim como as terríveis personagens do Halloween americano. Todas as personagens são destacadas no livro de Januária Alves. Se no Halloween o destaque são para as bruxas, por aqui elas pode sem substituídas pela Cuca ou Pisadeira. E as terríveis Múmias figuram no Brasil como Bradador ou Corpo Seco. O gato Preto tem seu parceiro brasileiro chamado de Alma de Gato. E quem não se assusta com o Vampiro sairia correndo se encontrasse um Janaí, um macaco-vampiro.  HALOWEEN  FOLCLORE BRASILEIRO  Lobisomem  Capelobo  Esqueleto   Isquelê  Espantalho  Mão do Cabelo  Coruja  Matinta Pereira  Fantasma  Cavalo-fantasma ou Não se pode  Monstros  Bicho-papão ou Labatut  Zumbi  Gunucô  Abóbora  Cabeça de cuia ou Cumaganga Figura querida no Brasil Januária Cristina Alves Dia 31 de outubro comemoramos o Dia Nacional do Saci. A data é oficial (lei federal nº 2.762, de 2003) e tem como objetivo resgatar figuras do folclore brasileiro, em contraposição ao Dia das Bruxas, ou Halloween, de tradição cultural celta e, hoje, predominantemente norte-americana. Cá para nós, o Saci sempre foi uma figura muito querida no Brasil e talvez não precisasse de um dia só pra ele. Mas os personagens do folclore popular andam meio desbotados por aí. É preciso resgatá-los e é com alegria que vejo alguns movimentos em prol da revitalização e da disseminação do folclore brasileiro, que vão desde pesquisas nas principais universidades do país, até o resgate de danças, cantigas e outras manifestações culturais por instituições públicas e privadas do Brasil. Este ano teremos um motivo a mais para celebrar o dia do Saci. Faz 100 anos que um dos nossos autores mais importantes, Monteiro Lobato, lançou O Saci-Pererê: resultado de um inquérito. Publicado em janeiro de 1918, é fruto de uma pesquisa realizada pelo autor, que resolveu investigar o personagem mais famoso do folclore brasileiro para, como diz Márcia Camargos na introdução da nova edição da obra (2008), “revitalizar a cultura popular e trazer para o centro dos debates a questão desenraizamento que afetava boa parte da intelectualidade daquela época”. A partir de três questões que exploravam a relação pessoal do entrevistado com o Saci, as crendices que existiam na sua região sobre ele, e as histórias e casos que se contavam na época, Lobato usou uma metodologia inédita, e até os dias de hoje as conclusões e revelações desse inquérito permanecem como um dos retratos mais fiéis da alma brasileira. O Brasil e o mundo viviam tempos sombrios após o final da Primeira Guerra Mundial. Lobato afirma, no prefácio do livro, que o Saci “veio com suas diabruras aliviar-nos do pesadelo. (...) Bendito sejas! Estás perdoado de muitas travessuras por haveres interrompido, por um momento, em nossa imaginação, a hedionda sessão permanente de horror, aberta pelo sinistro 2 de agosto de 1914, de execrabilíssima memória”. O livro foi reconhecido como um marco de resistência, despertando a consciência adormecida dos brasileiros naquele tempo, revelando a autêntica alma brasileira por meio de seu folclore. O Saci, em depoimento absolutamente original descrito no livro, define-se como filho de uma cabocla, com duas pernas, com os calcanhares voltados pra frente. E explica que isso é algo muito bom porque “a humanidade ternamente desviada comigo do bom caminho tem ensejo de mudar de direção seguindo os traços das minhas plantas (do pé)”. Ou seja, pelas pegadas do Saci é possível acertarmos o caminho, revermos a direção e nos encontrarmos. Que bela lição de resistência nosso personagem mais querido tem a nos ensinar nesses tempos tão bicudos: só descobrindo e compreendendo quem somos podemos fazer escolhas acertadas. Yes, nós temos o Saci! E ele sim é a nossa cara. Está na hora de olharmos para isso e seguirmos suas pegadas. Januária Cristina Alves é jornalista, escritora e pesquisadora da cultura popular brasileira, autora de Abecedário de personagens do Folclore Brasileiro, coedição das Edições Sesc com a FTD Educação e finalista do Prêmio Jabuti deste ano.

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