Vilas: cheias de charme, elas favorecem a convivência afetiva, com um sossego que retoma o estilo de vida de antigamente
Perto de avenidas de grande fluxo em Campinas existem verdadeiros oásis para morar. E não se tratam de condomínios luxuosos, tampouco de prédios cercados por variadas opções de lazer. São as vilas, que surgiram como moradia para as famílias de trabalhadores das empresas que se instalavam nas proximidades e, hoje, refletem o significado de viver bem, como se os moradores habitassem pacatas cidadezinhas, ainda que estejam em plena metrópole.
Infelizmente, muitas delas não resistiram a ação do tempo e encontram-se descaracterizadas ou deterioradas. Porém, as que conseguiram se manter em bom estado são verdadeiros territórios de felicidade, com crianças sentindo o sabor da liberdade correndo na rua, um vizinho pedindo açúcar emprestado ao outro para completar a receita do bolo e depois levando um pedaço dele pronto, e até cuidando da casa do outro em períodos de ausência ou viagem. Ou seja, um estilo de vida mais simples, mas, repleto de significados, que faz com que a falta de ampla garagem e o fato de as casas serem geminadas dos dois lados sejam detalhes que podem ser deixados de lado.
Se morar em casas de vilas era comum no município em boa parte do século passado, com o tempo, essas peculiares moradias foram dando lugar a prédios e imóveis comerciais. Além disso, o crescimento e a modernização da cidade fizeram com que os hábitos dos moradores mudassem, levando muitos a se trancarem em suas residências.
Para a secretária de Urbanismo de Campinas, Silvia Faria, além de aproveitar terrenos que são pequenos para condomínios, as vilas estimulam a convivência e favorecem a criação de relação de proximidade entre as pessoas. “A tendência desses espaços que já vemos em outras cidades é mesclar casas para moradias com unidades para trabalho de profissionais liberais, como ateliês de arte e escritórios de design, por exemplo”, afirma.
Resistentes ao tempo
Essas vilas começaram a surgir no final do século 19 nas proximidades de indústrias e da malha ferroviária de Campinas. Por isso, a Vila Industrial era um dos redutos mais comuns dessas construções. “Empreendedores construíam as casas para alugar e ter renda, e quem as ocupava eram os funcionários das empresas que pagavam aluguel para morar perto do trabalho”, afirma o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) João Verde.
As principais vilas dessa região são Manoel Dias e Manoel Freire, batizadas com os nomes dos portugueses que construíram as casas. “Infelizmente, estão bastante deterioradas”, lamenta Verde. Entre as que estão em bom estado e mantêm as características originais, o urbanista da PUC destaca a Vila Estanislau, que integra o bairro Cambuí e não é fechada com portões, e a Vila Genny, também na Vila Industrial. “Os moradores são, na maioria dos casos, os proprietários e isso fez diferença na conservação dos imóveis”, afirma.
Para ele, a Lei Municipal de Vilas, de 2004, que permite a construção de vilas em terrenos de no máximo 3 mil metros em algumas áreas da cidade, é uma possibilidade para resgatar esse jeito simples de morar de antigamente, com melhor qualidade de vida e integração entre os cidadãos. “Com novos projetos poderemos ver mais cenas de vizinhos com as cadeiras nas calçadas batendo papo, enquanto as crianças correm e brincam livremente. Isso, infelizmente, se perdeu”, diz.
A secretária de Urbanismo lamenta haver poucos projetos de novas vilas em Campinas. “Em relação aos condomínios, o interesse em construir vilas ainda é bem inferior”, diz.
Ao lado da Avenida João Jorge fica a Vila Genny, uma das mais conservadas da cidade; portão eletrônico separa esse mundo à parte da vida corrida do lado de fora
A advogada Neide de Oliveira mora na Vila Genny há 40 anos: “Se precisar, um vizinho ajuda o outro, mas cada um cuida de sua vida e de sua casa. Vivemos harmonicamente”
Guliver Guarise, aposentado e morador da Vila Genny: “Cheguei aqui como inquilino, para morar perto do trabalho. Depois, consegui comprar meu cantinho e daqui só saio quando morrer”
Pequena Genny
Bem ao lado da movimentada Avenida João Jorge, com acesso pela Rua Sales de Oliveira, fica a charmosa Vila Genny, considerada uma das mais conservadas da cidade. Um portão eletrônico sob um arco de ferro com o nome do local é o responsável por separar aquele mundo à parte, onde famílias vivem tranquilamente e em que há ainda um escritório de advocacia e uma imobiliária, da vida corrida do lado de fora.
Para a advogada Neide de Oliveira, que mora na vila há 40 anos e nela também mantém seu escritório, o local é privilegiado por estar praticamente no Centro, mas fora do barulho. “Outro ponto positivo é que, se precisar, um vizinho ajuda o outro, mas cada um cuida de sua vida e de sua casa. Vivemos harmonicamente”, conta. Esse recanto, no entanto, nem sempre foi território de sossego. Segundo ela, antes de o portão ser colocado, por volta de 1978, os moradores eram incomodados por consumidores de drogas. “Vez por outra acordávamos e nos deparávamos com gente dormindo em frente às nossas casas”, lembra.
Na frente das casas, vasos de flores, plantas e enfeites mostram o cuidado que os moradores têm com suas propriedades. Ao final da rua fechada, árvores deixam o local mais cativante. “Já fizemos muitas festas juninas e comemorações de jogos do Brasil nas Copas”, recorda o aposentado Guliver Guarise, que está há 50 anos nesse refúgio urbano. “Cheguei aqui como inquilino, para morar perto do trabalho, na região de onde atualmente é o Teatro Castro Mendes. Depois, consegui comprar meu cantinho e daqui só saio quando morrer”, diz ele, atestando que nenhum dos moradores pensa em vender ou sair dali. “Nós somos parte da história dessa vila batizada com o nome da filha do construtor, que foi fazendo as casas em etapas”, completa.
Rose Valverde, dona de uma loja na Toca da Vila: “Constantemente, entram pessoas que moram no Cambuí e se surpreendem ao conhecer o lugar”
A empresária Lalita Emmanoelli Ortuso (à frente): “Eu trabalhava fechada em um shopping. Aqui é muito diferente, me sinto mais livre em um ambiente que remete ao passado, com ar bucólico”
Toca da Vila
Embora em menores proporções, as casas de vila também são usadas comercialmente. Um exemplo é a Toca da Vila, na Rua Santos Dumont, no Cambuí, que reúne ateliês de costura e de artesanato, loja de importados, brechó, restaurante e escritório de design de interiores.
Rose Valverde é a veterana entre os que trabalham ali. Ela abriu sua loja de importados em 2000 e dali não pensa em sair. “Eu morava em um prédio próximo e estava procurando um espaço comercial. Passando pela rua, vi a placa de aluga-se e me encantei”, conta. A filha Rafaella, de 14 anos, cresceu ali e aprova a escolha da mãe. “Constantemente, entram pessoas que moram no Cambuí e se surpreendem ao conhecer o lugar. Cheguei a ouvir que aqui é a Daslu de Campinas (a loja de São Paulo também começou em uma vilinha)”, afirma Rose. Quando ela instalou seu negócio, ainda existiam residências, mas, pouco a pouco, os sete imóveis ganharam vocação comercial.
Giselle Bastos já teve seu escritório de design de interiores na vila, mudou-se dali, mas voltou assim que pode. “É um cantinho inspirador, que se soma a toda a estrutura do bairro”, considera. Ao longo dos anos, diversas melhorias foram realizadas no lugarejo, como troca de piso da área comum, colocação de portão, retirada dos muros que separavam as casas e a implantação de paisagismo, deixando mais especial o refúgio que ganha ares de quintal com a amoreira, os pés de primavera e o jardim, com floreiras, mesas e bancos ao ar livre. “Eu trabalhava fechada em um shopping. Aqui é muito diferente, me sinto mais livre em um ambiente que remete ao passado, com ar bucólico”, comenta Lalita Emmanoelli Ortuso. Como ela, muiros consumidores que frequentam o charmoso corredor dificilmente trocariam o lugarejo pelo mais completo centro de compras.
Ali, como nas vilas residenciais, os vizinhos convivem como se fossem família, curtindo um ritmo de vida mais lento. E vão provando que viver em um universo menos imediatista e mais real pode ser mais interessante do que no fantástico mundo moderno que smartphones, telas touch screen e outros maquinários nos possibilitam.