JOAQUIM MOTTA

Velhos pecados, espíritos desgatados

Joaquim Motta
22/05/2015 às 10:34.
Atualizado em 23/04/2022 às 13:13

Se pensarmos nas transformações que a sociedade e os homens sofreram desde o tempo de Cristo, podemos nos espantar - as mudanças são mesmo exuberantes, fantásticas. Bastariam alguns tópicos bem simples para assinalar profundamente as diferenças. Um mensageiro montado em um animal demorava dias, semanas, para chegar e entregar o recado; a escova de dentes apareceu 5 séculos depois; a pintura a óleo, no séc. 7. Hoje, a cirurgia pode ser não invasiva, cruzamos oceanos em poucas horas, comunicamo-nos com um amigo asiático clara e nitidamente, acessamos imagem e som em segundos. Evoluímos muito, sem dúvida. A tecnologia cada dia nos enleva com novidades deslumbrantes. Mas essa evolução é muito restrita, não atinge o âmago das nossas almas, não há progresso espiritual. Inclusive, muitas vezes o desenvolvimento tecnológico nos prega peças, derruba-nos em armadilhas. Z. Bauman aponta para a esparrela em que os telefones celulares atuais nos colocam: aproximam pessoas distantes e nos afastam das que estão bem ali, à nossa presença física... Quem tem cuidado dos nossos espíritos? Os fundadores das grandes religiões monoteístas e os ideólogos fizeram sua parte. Cristãos, islâmicos, judeus e budistas (hinduístas) são a maioria ideológica e religiosa do mundo. Cristo foi um grande instrutor anímico, assim como Buda, Moisés e Maomé. Seguiram-se excelentes sacerdotes, imames, pastores, rabinos, exemplos magníficos de dedicação e esforços para beneficiar seus seguidores. Mas o resultado sobre a alma, algo que implicasse ampliação significativa da capacidade de amar e do hábito da verdade é pífio. Será que poderíamos tentar uma iniciativa inovadora que favorecesse o sucesso espiritual dos fieis? Na nossa circunstância de brasileiros, lidamos em grande maioria com cristãos, especialmente católicos. A história e a cultura do Brasil são profundamente afetadas pelos valores do catolicismo. Os espíritos dos sacerdotes que se habilitam ao trabalho espiritual, na tradição católica, devem ser resguardados em corpos castos. Preservar a castidade e o corpo vestido parece garantir a condição anímica do pastor e seu cuidado para com as ovelhas. Um dos grandes doutores da Igreja, Santo Agostinho, um milênio e meio atrás, sugeria dois tipos de amor: cupiditas e caritas. O primeiro equivale aos interesses mundanos, os desejos do corpo; o segundo corresponde à graça divina, o espírito livre de anseios. A Igreja vem até hoje evitando o corpo para evoluir no espírito. Penso que esse é o grande equívoco católico, o maior entrave ao nosso desenvolvimento espiritual. A Medicina tem progredido muito desde que metabolizou definitivamente os conceitos psicossomáticos, reafirmando as conexões complexas e inseparáveis da carne e da alma. Os seres humanos somos essencialmente uma dinâmica entre corpo e espírito. Não podemos progredir espiritualmente negando as demandas corporais. Este foi o objetivo de escrever este meu mais recente livro e primeiro romance: ‘O Quinto Braço da Cruz’, em que mostro um padre melhor sucedido em seu exercício sacerdotal à medida que exerce a sua sexualidade com parceiras adultas. Não só na Igreja, mas em todas as áreas de atuação, de modo geral, os seres humanos precisamos viver melhor com o corpo e a sexualidade. A liberação atual do sexo não favorece o amor nem o prazer. Temos banalizado a intimidade erótica, muito explícita e impessoal, promovendo satisfação mecânica e localizada. Expomos os genitais, atuamos como atores de pornografia e esquecemos detalhes corporais e imaginativos que poderiam ser muito mais erógenos e anímicos, ampliando o prazer e o bem-estar. Bloquear o caráter pecaminoso da carne e do sexo abriria o foco da Igreja para os verdadeiros e graves pecados, os crimes terríveis que assolam o mundo. O amor e a verdade seriam abundantemente privilegiados se conseguirmos reconhecer o corpo como o melhor aliado do espírito. Precisamos caprichar nesse intento antes que a nossa vida na Terra se avilte irremediavelmente. Os profissionais do espírito têm que se reciclar. Torço para que Francisco, este papa com características renovadoras, abra essa discussão. E mantenhamo-nos atentos ao alerta de F. Dostoiévski: ‘inferno é o sofrimento de não poder mais amar’!

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