CONSCIÊNCIA NEGRA

'Vamos até o fim nas conquistas'

Coordenadora de núcleo da Unicamp fala do que ainda falta ao negro conquistar, como direitos e tratamento igualitário, salários equiparados e maior presença nas universidades e nos espaços de poder

Karina Fusco
17/11/2013 às 05:05.
Atualizado em 26/04/2022 às 14:21

Na próxima quarta-feira, os que não vão trabalhar muito provavelmente tirarão o dia para descansar e passear. Porém, para grande parte da população – 51% dos que moram no País, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, o Dia da Consciência Negra, feriado municipal em Campinas desde 2002, é mais uma ocasião para reivindicar o direito à igualdade.  Para a coordenadora de Formação Política do Núcleo de Consciência Negra da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Carolina Santos Pinho, a principal conquista foi desmistificar o 13 de maio como dia da abolição dos negros. Na opinião dela, é mais coerente com a história do negro no Brasil haver uma data em que se recorde a resistência. “Que seja uma celebração para lembrar da luta de tantos que morreram em busca da libertação, como Zumbi dos Palmares e Maria Felipa. Mais do que isso, que seja um dia de congregar forças para lutar por mais avanços”, ressalta.Carolina conversou com a Metrópole sobre as lutas e os desafios que os negros têm pela frente e abordou, ainda, questões polêmicas como cotas nas universidades e projetos que pedem maior participação deles na televisão e na política.  Foto: Edu Fortes/AAN " O negro na história do Brasil foi política, cultural e economicamente usurpado. Oportunidades lhes foram arrancadas. Se foram adotadas pelo Estado brasileiro políticas públicas que marginalizaram os negros (?), nada mais justo do que corrigir essa expropriação por meio de iniciativas que reparem o prejuízo" Metrópole – Como é o movimento em defesa do negro em Campinas e região?Carolina Santos Pinho – Campinas, última cidade a abolir a escravidão no Brasil, tem um histórico de repressão e racismo bastante enraizado, mas, ao mesmo tempo, construiu uma história de resistência, luta e preservação da memória e cultura do povo negro. Podemos citar como exemplos a Fazenda Roseira, o Jongo Dito Ribeiro, o Urucungos, a Casa de Cultura Tainã, o Instituto Ibaô e o Movimento de Cursinhos Populares. Ainda tem o Núcleo de Consciência Negra da Unicamp, criado a partir de proposta da comissão organizadora do evento Quem tem Cor Age, realizado em 2012. Os objetivos são dar maior visibilidade às pautas do movimento, discutir questões raciais e articular ações conjuntas com grupos regionais e iniciativas nacionais, entre elas a Marcha Reaja ou Será Morto (a) – promovida em agosto, ela teve como principal bandeira o fim do genocídio do negro.  Quais são as realidades local e regional?A realidade do negro na região não é muito diferente da verificada no restante do País, e a desigualdade histórica se mostra da forma mais perversa. Negros e pardos ocupam os piores postos de trabalho e recebem de meio a um salário mínimo, metade do que ganha o branco com a mesma escolaridade. Eles também têm menos acesso aos estudos, embora vivam numa cidade que abriga uma das 300 melhores universidades do mundo, a Unicamp. O Censo 2010 mostrou que mais de 10% da população negra e parda não sabia ler nem escrever, total cerca de cinco vezes maior do que o encontrado entre os brancos. Como se vê, a dificuldade de acesso a bens de mínima necessidade, como moradia, saúde e alimentação, é óbvia.  Quais são os desafios e os projetos que necessitam avançar por aqui?Temos muitas questões, e entre as mais importantes estão a desmilitarização da Polícia Militar com foco na abordagem de negros, o aumento do acesso à escolarização e à formação profissional, o projeto de cotas de 35% para negros nas universidades públicas paulistas e o ensino de história da África nas escolas, como determina a lei 10.639. Todos precisam conhecer a história do continente que contribuiu de maneira tão importante para a formação do povo brasileiro.  Uma pesquisa recente mostrou que 70% das vítimas de homicídio no Brasil são negras. Na sua opinião, ser negro é estar num grupo que possui o risco de ter a vida precocemente interrompida?Todas as pesquisas detectam um alto índice de mortalidade de negros em situações de violência, o que aponta para uma política de extermínio. É um dado triste, mas real. Ser negro no Brasil é ter mais chances de ser abordado pela polícia e sabemos como terminam muitas dessas abordagens. Tivemos casos recentes, como o do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, no Rio de Janeiro, e de Douglas Rodrigues, em São Paulo, que foram assassinados. Essas ocorrências colocam a urgência de se desmilitarizar a polícia como medida de sobrevivência para o negro, especialmente o que vive na periferia.  E sobre as cotas em universidades públicas, quais são os avanços necessários?Para se pensar sobre a política de cotas, temos que olhar para o quadro geral atual. Se o número de negros no Brasil é de 51%, como explicar que uma universidade como a Unicamp tenha 77% de alunos brancos? Ou seja, apenas 23% são negros, pardos, indígenas ou orientais. O negro na história do Brasil foi política, cultural e economicamente usurpado. Oportunidades lhes foram arrancadas. Se foram adotadas pelo Estado brasileiro políticas públicas que marginalizaram os negros – como, por exemplo, o fato de eles não poderem frequentar a escola depois da abolição –, nada mais justo do que corrigir essa expropriação por meio de iniciativas que reparem o prejuízo. As cotas não irão resolver o problema, pois a formação profissional não pode ser um privilégio; deve ser um direito. Para o povo negro, é urgente que possa ocupar os bancos das universidades e reconstruir sua história.  Temos visto debates sobre propostas de cotas para negros na televisão e até no Legislativo. Você é a favor?A discussão sobre cotas tem dois grandes benefícios. O primeiro diz respeito ao desmascaramento do racismo no Brasil, dando visibilidade à pauta racial. Falar da presença de negros em espaços de poder, como a mídia, a política e a universidade, causa desconforto nos racistas, que reagem violentamente. O outro está relacionado à desconstrução da imagem marginalizada do negro. Estamos sempre nos lugares de menos prestígio na televisão. Não estamos satisfeitos com o espaço que historicamente nos tem sido reservado, e os racistas precisam entender que vamos até o fim nas conquistas.  Haverá programação na quarta-feira para marcar a data em Campinas?Haverá várias atividades, entre elas a Marcha Zumbi dos Palmares, que sairá às 10h da Antiga Estação Cultura. Também estão confirmados o Sou África em Todos os Sentidos, na Fazenda Roseira, e ações do Mês da Consciência Negra, na Unicamp, ambos durando o mês todo.

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