Já falamos por aqui da paixão que os italianos têm pelas massas, não apenas em comê-las, mas, também, em fazê-las. Durante séculos – e até poucas décadas passadas – elas foram propriedades familiares; cada família ou vilarejo, obedecendo aos princípios básicos da receita, tinham seu modo de prepará-las, secá-las e dar a elas não só o formato que mais apreciassem, mas também o nome que mais lhes agradassem.
No século XII, algumas famílias da província de Genova mantinham pequenos, mas não insignificantes, comércios de massa com cidades do entorno e até com outros países da Europa. Rapidamente a pasta conquistaria os castelos, os palácios e as cortes. Toda a elite italiana, nobres e religiosos, se rendiam às placas de massas, às lasanhas ou aos vermicelli, esses ancestrais do nosso espaguete, os formatos mais populares na época. Mas, lá nos séculos XVI e XVII, preparar a massa e dar a ela formatos era um trabalho totalmente manual, cansativo, lento e seu consumo ficaria ainda por séculos restrito às famílias mais abastadas.
Tinha mais: boa parte do trigo era destinada a um produto mais nobre, sagrado e necessário: o pão nosso de cada dia. A partir do século XVII, a produção ganharia um pequeno impulso, mas a pasta era ainda inacessível à grande maioria da população: os macarrões só eram convocados às mesas dos medianos em datas especiais como a Páscoa e o Natal; dos mais humildes e camponeses, nunca.
O boom mesmo só ocorreria na Itália em meados do século XIX e no inicio do século XX com a chegada da industrialização e a mecanização das lavouras, quando os macarrões invadiriam o mundo como um dos alimentos com menor índice de rejeição em todas as classes sociais. Até então as pastas eram preparadas no muque, no braço, e seu formato era definido manualmente pelas matriarcas e senhoritas, utilizando poucos instrumentos como pedaços de ferro, madeira ou facas. Durante esse trajeto, muitas geringonças foram inventadas para facilitar a sua confecção.
Em meados do século XV, alguém criou uma ferramenta chamada arbitriu: era um instrumento semelhante ao nosso espremedor de batatas, um tipo de prensa com furinhos ou rasgos em uma peça de metal na parte inferior onde a massa era obrigada a sair após a pressão exercida por um cilindro central. Possibilitou a confecção de fios longos, que caiam em uma vasilha e posteriormente eram levados a secar. Mais tarde apareceram os cilindros, de madeira ou metal, que facilitava afinar a massa em grandes lâminas para, então, manualmente, receberem os formatos desejados.
O próximo capítulo contaria com a presença dos engenhos (tipo os de cana de açúcar do Brasil colônia) movidos à força (água, animal ou homem) e uma singela descoberta: agregava se água quente à farinha, o que facilitaria a mistura. O maior problema na confecção dos macarrões até então era a secagem, feita ao ar livre. Nos períodos chuvosos, só dor de cabeça. A dificuldade foi superada em 1919 com o enxugamento artificial por meio de fornos a vapor e ar quente. Até hoje, por toda a Itália, em pequenas fábricas e negócios familiares, com equipamentos mecânicos que lembram peças de museu, patriarcas, matriarcas e descendentes cultuam com teimosia, carinho e orgulho essa tradição, dando sobrevida à antiga forma de fazer macarrão. E nós, que amamos de paixão uma boa massa, agradecemos.
Obras de arte
Não é exagero, mas as massas artesanais italianas, cuja produção obedece a um ritual rígido e secular de fabricação, são verdadeiras obras de arte. Independentemente de seu formato – longa, curta ou gigante – com desenhos tradicionais ou inusitados, todas são elaboradas com ingredientes escolhidos a dedo como farinha de trigo de grão duro, água mineral e, quando o caso, vegetais recém-colhidos. Por serem algumas delas formatadas a mão, a produção é restrita e, portanto, os preços são muito diferenciados; ganham, assim, o status de grife, pois levam a assinatura e a honra de um sobrenome. São encontradas em butiques ou armazéns elegantes; caem bem como um presente para um amigo gourmet ou apreciadores de um bom prato e dão um show na mesa, deixam qualquer convidado de boca aberta. Nessa receita, estou usando massas da Fabbrica dalla Pasta Gragnano, uma cidadela da província de Nápoli. Vamos lá!
MARGHERITA AL SUGO DI POMODORINI
(para 2 pessoas)
INGREDIENTES
2 massas artesanais em formato de margaridas ou estrelas
500 g de tomatinhos vermelhinhos e doces
1 lata de tomate pelado
2 dentes de alho, pequenos e picadinhos
100 ml de caldo de frango
60 ml de azeite extra virgem
1 pitada de orégano
Sal e pimenta-do-reino a gosto
3 l de água fervendo e 2 colheres (sopa) rasas de sal grosso
COMO FAZER
Lavo bem os tomatinhos e pico alguns deles ao meio e reservo. Bato no liquidificador o caldo de frango, o restante dos tomatinhos com os tomates pelados (incluindo o suco), passo por uma peneira fina e reservo. Em uma panela de fundo grosso aqueço o azeite e murcho os dentes de alho, sem deixar queimar; junto então o suco dos tomates, salgo, apimento e permito reduzir em fogo baixo por 15 a 30 minutos. Acrescento então os tomatinhos cortados ao meio, mexo, confiro o sal, dou sobre o molho uma chuvinha de orégano, reduzo o fogo e permito que fique por lá mais 10 minutos, até se render um pouco espesso.
Enquanto isso preparo a massa. Acrescento o sal grosso na água, quando ela voltar a ferver colo as massas, uma de cada vez; espero cozinhar, al dente, de 8 a 12 minutos, obedecendo as instruções do fabricante indicadas na embalagem. Retiro delicadamente cada massa e reservo aquecida. Sobre um prato fundo distribuo o molho de tomate com alguns tomatinhos, acomodo a massa por cima, decoro e sirvo imediatamente. Queijo parmesão ralado fininho cai muito bem.
As estrelas ou margaridas, formatos usados nessa receita, podem ter suas partes preenchidas por diversos tipos de recheios. Os mais comuns são à base de queijos e verduras, como ricota, mascarpone, creme de leite, molho bechamel, espinafre, escarola e afins. Então vamos lá: cozinhe a massa e acomode-a em um prato que possa ir ao forno. Prepare o recheio de sua preferência, que, nesse caso, deverá obter a consistência de um creme firme. Utilize uma manga de confeiteiro para preencher os espaços da massa; coloque o molho no entorno da massa, distribua um tico de queijo parmesão ou peccorino por cima e leve ao forno pré-aquecido (160º) por 12 minutos. Fique ali, de olho no forno, atento para a massa não ressecar.