Coluna publicada na edição de 16/6/19 do Correio Popular
Marta estreou na Copa do Mundo com uma chuteira preta, sem patrocínio e com um símbolo de igualdade de gênero. Foi um protesto contra o fato de nenhuma marca esportiva ter oferecido um contrato com o valor que ela acha que merece. A imprensa deu grande repercussão à atitude, considerando justa a exigência de uma oferta semelhante às que essas mesmas empresas fazem para grandes estrelas do futebol mundial. A imprensa também destacou que, ao converter um pênalti na derrota por 3 a 2 para as australianas, Marta se igualou a Klose. Ambos são os maiores artilheiros das Copas, com 16 gols cada. Da mesma forma, na partida anterior contra a Jamaica, celebramos o fato de que Cristiane quebrou um recorde de Cristiano Ronaldo ao se transformar na jogadora mais velha a fazer um hat trick em Mundiais. Para quem iguala os feitos de Marta e Cristiane aos de Klose e CR7, talvez faça sentido achar que o patrocínio da chuteira da nossa estrela tenha que ser semelhante ao de Neymar ou Messi. A luta para que as duas modalidades sejam “iguais” é perdida. E não porque moramos em um mundo machista, onde homens ganham muito e mulheres não ganham nada. O que rege o valor desses contratos é o mercado. E ele paga de acordo com o potencial de retorno de cada atleta, seja ele homem ou mulher. Muitas pessoas que acham que Marta está certa nunca ouviram falar de Western New York Flash, Tyreso, Rosengård e Orlando Pride, os quatro últimos times que ela defendeu. E poucos sabem que Cristiane é do São Paulo. Afinal, os mesmos veículos que compararam o incomparável só dão espaço ao futebol feminino em Olimpíadas e Mundiais. E ainda assim acham que Nike e Adidas devem pagar milhões de dólares a atletas que só têm grande visibilidade de dois em dois anos. Marta ganha menos que os melhores jogadores do mundo por motivos óbvios. Mas ganha mais — muito mais — do que milhares de jogadores profissionais. Isso não acontece porque ela joga melhor do que eles. Isso acontece porque Marta é uma das melhores do mundo e é valorizada por isso, dentro do mercado do qual faz parte, o futebol feminino. Não é gastando energia em uma luta perdida e adotando uma postura politicamente correta que vamos melhorar a modalidade. A imprensa não deve esperar que o mundo dê ao feminino o mesmo tratamento do masculino se ela é a primeira a tratá-los de forma tão distinta. Apoiar Marta na Copa e ignorar o futebol feminino até a Olimpíada é uma hipocrisia, típica de qualquer discurso politicamente correto. Ao invés de exigir igualdade, deveríamos lutar pelo desenvolvimento do futebol feminino. A renovação é péssima e sem a geração de Marta logo teremos uma seleção bem mais fraca do que essa, que perdeu dez de seus últimos 11 jogos. Mas isso é assunto para outra coluna, ainda durante a Copa do Mundo da França.