MANUEL CARLOS

Um transporte de araque

Manuel Carlos Cardoso
03/02/2021 às 14:13.
Atualizado em 22/03/2022 às 08:08
Manuel  carlos cardoso - IG (AAN)

Manuel carlos cardoso - IG (AAN)

O dever da imprensa livre e independente é colocar o dedo na ferida por mais purulenta que seja. E atendendo a esse reclamo da sociedade de Campinas resolvi escrever sobre o transporte público de nossa cidade.

Denominá-lo de transporte de araque tem uma razão. Essa expressão tem sua origem em uma bebida destilada árabe, de teor alcoólico elevado, chamada Harak. Logo, um transporte de araque é aquele tão sem credibilidade como os embriagados pela bebida.

Sou do tempo dos nostálgicos bondes elétricos. Desde o início de sua implantação na cidade, foi integrado ao imaginário popular, onde aparece relacionado à modernidade, à liberdade de locomoção e de fruição da paisagem urbana e à sociedade.

Os bondes foram erradicados em 1.968 e nos deixaram muita saudade. Como não lembrar de tipos urbanos de Campinas que marcaram época e eram assíduos passageiros de nossos bondes. Como Gilda, a rainha do cinema, sempre maquiada, com faixas que a consagravam como rainha. Outra figura bastante popular e frequentadora dos bondes era João Lopes Camargo, o lendário Mané fala Ó, que só ficava tranquilo quando mulheres, a quem solicitava, falassem um Ó.

Boas lembranças do transporte público de Campinas não mais existem e o que vemos hoje é um sistema caro, ruim ou melhor, de péssima qualidade, que impõe a seus usuários sacrifícios diários.

Na semana passada, uma reportagem da EPTV nos mostrou as condições de alguns pontos de ônibus da cidade, com mato alto e lixo tomando conta.

É nesses locais fétidos que os trabalhadores aguardam longo tempo de espera para embarcarem em sua única condução.

Quando embarcam pagam uma das passagens mais caras do Brasil de R$ 4,95 reais, para uma viagem em pé, se espremendo entre tantos outros passageiros.Em época de pandemia, o que enfrentam é um verdadeiro inferno.

Tal situação parece não ter fim em Campinas e um dos responsáveis diretos por ela tem nome e sobrenome. É o empresário de ônibus Belarmino da Ascenção Marta Júnior, que há muitos anos domina o transporte público de Campinas por meio de uma "associação" denominada Transurc.

Na prática, a Prefeitura de Campinas terceirizou a responsabilidade de fazer a gestão e a fiscalização do sistema de transporte público da Emdec para essa "associação" que, verdadeiramente, não faz uma coisa nem outra.

O atual contrato com as empresas de ônibus que operam o sistema foi assinado em 2005 e o Tribunal de Contas julgou a licitação ilegal. No entendimento dos conselheiros, houve restrição à concorrência por meio da capacidade técnica no julgamento da licitação pelos técnicos da prefeitura, utilizada como critério de desempate.

O pleno do TCE julgou irregular a licitação em 2015, considerando os contratos e demais termos da concessão implicar restrição à competitividade e direcionamento do certame.

A nova licitação deveria ter sido iniciada em março de 2016, mas até hoje não aconteceu.

Em 2019, o TJ determinou o início de nova licitação em até 12 meses, o que também não aconteceu.

A judicialização das questões relativas ao transporte público de Campinas transformou o tema em uma interminável novela cujo único beneficiário é o vilão da trama.

Esse não é um problema que diz respeito apenas aos usuários do sistema, mas sim a todos os cidadãos desta cidade, pois atinge diretamente a sociedade como um todo.

O comércio, a indústria, as famílias todas dependem desse serviço, que vem sendo prestado de uma forma cara e de má qualidade.

Porque não lembrar que pagamos um subsídio de R$ 72 milhões anuais para manutenção desse sistema, recebendo muito pouco em troca.

Não sei, mas gostaria de saber qual será a conduta da nova administração municipal com relação ao problema. Vai se fazer de morta como a gestão anterior?

Espero que não e que coloque um fim nessa bandalheira toda promovendo com urgência uma nova licitação.

Sugiro que elabore os editais dialogando com nossos zelosos Promotores de Justiça e construam juntos um certame distante da corrupção e justo para as empresas licitantes. Sugiro também que a Emdec pare de funcionar como uma indústria da multa e retome suas atividades essenciais.

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