Vamos para mais uma rodada de “assuntos gerais”, que, como já se sabe, vêm de mensagens de leitores, de textos jornalísticos, de pronunciamentos de pessoas públicas etc.Comecemos pelo plural de “guarda-sol”, assunto da mensagem de um leitor. Não são poucas as pessoas que dizem que, se não existe mais de um sol, não faz sentido colocar “sol” no plural.Não é bem assim que a coisa funciona. Quando se faz o plural de “guarda-sol” ou de qualquer palavra composta, o que importa é a formação desse vocábulo. “Guarda-sol” é nome de alguma coisa, portanto é substantivo (e, no caso, substantivo composto). E quais são os elementos formadores desse composto? O primeiro é “guarda”, que, no caso, é verbo. Sim, verbo, já que o papel do guarda-sol é guardar (proteger) alguém dos raios solares. O segundo elemento é “sol”, substantivo. Nos compostos formados por verbo e substantivo, só se flexiona o segundo elemento: “a porta-bandeira/as porta-bandeiras”; “o beija-flor/os beija-flores”; “o arranca-rabo/os arranca-rabos”; “o mata-borrão/os mata-borrões”. O plural de “guarda-sol”, portanto, é “guarda-sóis”: “O vento forte derrubou quase todos os guarda-sóis que estavam armados na praia”.Não se deve confundir o “guarda” de “guarda-sol”, “guarda-comida” ou “guarda-roupa” com o de “guarda-noturno” ou “guarda-civil”. Agora, “guarda” é substantivo. Como “noturno” e “civil” são adjetivos, o plural de “guarda-noturno” é “guardas-noturnos”, e o de “guarda-civil” é “guardas-civis”.Vamos para o segundo caso de hoje, que diz respeito à palavra “hebraico”. Uma leitora afirma que viu, num livro, o vocábulo “hebraico” escrito com acento agudo no “a”. “É assim mesmo?”, pergunta ela. Não e não. Imagino que tenha ocorrido um erro de digitação. De qualquer maneira, vamos lá: em “hebraico” temos o ditongo “ai” na segunda sílaba (“brai”). Pela regra anterior à reforma ortográfica, acentuava-se a base dos ditongos “ei”, “eu” e “oi”, quando abertos e tônicos, como se vê em “geléia”, “idéia”, “anéis”, “chapéu”, “véu”, “céu”, “estóico”, “mói” e “herói”. Essa regra se fundamentava na necessidade de distinguir o timbre aberto do fechado, que se vê em “aveia”, “cadeia”, “judeu”, “hebreu”, “arroio” e “boi”, por exemplo.A reforma ortográfica alterou essa regra. Na base dos ditongos citados no parágrafo anterior, o acento agora só ocorre nas palavras oxítonas, portanto, pela regra “nova”, palavras como “geleia”, “ideia” e “estoico” se escrevem sem acento agudo. Nos outros exemplos vistos (“anéis”, “chapéu”, “véu”, “céu”, “mói” e “herói”), o acento agudo continua, porque os vocábulos são oxítonos ou monossílabos tônicos.Como se vê, “hebraico” não se encaixa em nenhuma das versões da regra de acentuação dos ditongos abertos. Essa palavra não tinha e não tem acento, o que ocorre também com as palavras em que há o ditongo “au”. Vejamos alguns exemplos desses dois casos: “mingau”, “capiau”, “degrau”, “nau”, “pau”, “hebraico”, “baila”, “laico”, “aipo”, “aramaico”. Para encerrar esse caso, convém lembrar que, até o fim de 2015, ninguém é ou será obrigado a respeitar a reforma ortográfica (que entrou em vigor em 2009), ou seja, até lá as grafias “ideia” e “idéia”, por exemplo, são legítimas.Passemos ao próximo caso. Um leitor diz que na empresa em que trabalha se adota a forma “Fulana é gerente administrativo”. “Isso é correto?”, pergunta o leitor.O substantivo “gerente” é uniforme, ou seja, tem forma única para o masculino e para o feminino, mas o artigo que o precede varia: “o gerente” (homem), “a gerente” (mulher). O caso de “gerente”, por sinal, está longe de ser raro (“dirigente”, “presidente”, “estudante” etc., etc., etc.). É bom lembrar que “gerente” significa “aquele ou aquela que gere” (“gere” é do verbo “gerir”, que significa “dirigir”, “gerenciar”, “administrar”). Os adjetivos que caracterizam o substantivo “gerente” também devem variar, de acordo com o artigo, ou seja, de acordo com o sexo da pessoa que exerce a função: “o gerente administrativo”, “a gerente administrativa”; “o gerente financeiro”, “a gerente financeira”.Antes que alguém pergunte sobre “presidente” e “presidenta”, afirmo, mais uma vez, que esse é um dos poucos casos de palavras terminadas em “-nte” em que é possível (possível, não obrigatório) o emprego da forma feminina, terminada em “-nta” (“a presidenta”, como prefere a presidente ou presidenta Dilma Roussef). Digo, mais uma vez, que não foi ela quem “inventou” o termo, que tem registro em nossos dicionários há pelos menos um século.O registro nos dicionários, obviamente, é resultado do uso, ou seja, há registro porque há uso. O mínimo que se pode dizer sobre as ridículas historinhas que se contam por aí (“Se ela não foi estudanta, por que é presidenta?” e outras bobagens sem nenhuma fundamentação linguística) é que o lugar delas é o sumário esquecimento. Bem, “esquecimento” não era bem a palavra que eu queria usar, mas... Algumas dessas toscas historinhas que correm pela internet são criminosamente atribuídas a supostos professores de universidades públicas. Eu mesmo já fui citado como autor de uma dessas bobagens. Xô, bobagem!