Um Pouco de Caos (A Little Chaos, Reino Unido, 2015), de Alan Rickman, tem alguns encantos. A bela música de Peter Gregson que embala momentos chaves e...
Um Pouco de Caos (João Nunes)
Um Pouco de Caos (A Little Chaos, Reino Unido, 2015), de Alan Rickman, tem alguns encantos. A bela música de Peter Gregson que embala momentos chaves e oferece pausas adequadas, a fotografia de Ellen Kuras que, com cores ricas e fortes emolduram bem um filme de época (estamos em Paris em meados do século 17) e, principalmente a atuação de Kate Winslet que, refeita da maldição do Oscar, volta em grande estilo depois de ter embarcado em vários projetos duvidosos.
Há ainda o trabalho do belga Matthias Schoenaerts (o mesmo que se encaixou muito bem no belga-francês Ferrugem e Osso, de Jacques Audiard, 2012) cuja personalidade marcante (perspicaz, sedutor e elegante) consegue chamar a atenção do espectador para si. Como são protagonistas, ele e Kate Winslet garantem o bom nível das interpretações – que se somam aos outros sempre competentes atores britânicos. Mas ficamos por aqui.
Alguém pode entender que tais qualidades seriam suficientes para considerá-lo um bom filme. Digamos que sim; porém, temos a nítida impressão de que já o vimos antes; talvez porque o roteiro abuse do tom telenovelesco.
Por exemplo, a mulher do famoso arquiteto André Le Notre (Mathias), interpretada por Helen McCrory, o surpreende e o espia através da janela (imagem lugar comum em novelas) e se encarrega de investir contra a paisagista Sabine de Barra (Kate), mas deixará uma pista óbvia para o marido encontrar.
São pequenos, mas insistentes clichês que nos fazem afastar da trama porque, afinal, tudo parece previsível demais. Da escolha de Sabine para ajudar o arquiteto a projetar os jardins do Palácio de Versalhes, na França, ao nada surpreendente romance entre eles, além do desfecho.
E, mesmo tendo feito nome como ator e com pouca experiência na direção, Alan Rickman encara logo três funções: diretor, ator e co-roteirista (com Jeremy Brock). Isto talvez explique porque falta algo ao filme. Algo como um olhar de fora, por exemplo, que atue como crítico capaz de encontrar os defeitos que o diretor foi incapaz de ver.
Como a lentidão narrativa. E a notamos não porque nossos olhos se acostumaram com aceleração de imagens dos filmes atuais, mas porque ela se arrasta mesmo – ainda que isso possa se associada à linguagem, uma época em que o tempo parecia menos corrido. Ocorre que não funciona.
E o diretor/ator faz um rei Luís 14 entediado e de fala lenta, como se desacelerasse de propósito a narrativa. Resultado: tal abordagem do ator para o personagem afeta o filme. Somados os equívocos, os aspectos positivos se sucumbem.
Um tanto de caos é o que levará a plebéia Sabine de Barra à elegante e frívola corte francesa. Convencerá o arquiteto André que o projeto dela se coloca num patamar superior ao dele, seduzirá o rei com sua simplicidade e dará algum sentido a diversos personagens.
Pois talvez falte à linguagem do filme justamente uma quantidade razoável de caos em meio a tanto refinamento hipócrita tão típico das aristocracias. Ou seja, assim como a corte, o longa de Alan Rickman precisaria de uma boa chacoalhada.
* Publicado no Correio Popular em 2/7/2015