Profissionais de Saúde de Campinas percorrem 3 mil quilômetros para oferecer atendimento médico
Jovem em aldeia do Parque Xingu, área delimitada em Mato Grosso, onde comunidades de 16 etnias convivem (Fábio Gallacci/ AAN)
Eles não são heróis ou têm superpoderes para multiplicar o tempo. São pessoas comuns, com suas rotinas familiares e agendas pesadas de trabalho acumprir no dia a dia. Mesmo assim, uma vez por ano, o grupo se reúne para rasgar o Brasil com um objetivo em mente: fazer o bem para povos irmãos de um mesmo país. Pelo nono ano consecutivo, profissionais ligados à área da Saúde de Campinas e região participaram de forma voluntária do Projeto Missão Xingu, uma iniciativa criada pelos médicos José Alberto Barbosa Lima e Marcos Miguel Morandi em 2005. A ação, que desde a sua origem não tem qualquer envolvimento político ou religioso, faz parte da atuação filantrópica e de empreendedorismo social do Hospital Vera Cruz, por meio da Fundação Roberto Rocha Brito. Todos os anos são visitadas populações de diversas etnias do Parque Indígena do Xingu e do município vizinho, a carente São José do Xingu (MT) — com 5,3 mil habitantes. A viagem ocorreu há duas semanas. Seja na cidade ou na aldeia, as duas comunidades não esperam apenas consultas, exames e possibilidades de tratamento.O melhor remédio ali é a atenção dada, o olhar, o ouvir. A reportagem do Correiopercorreu quase 3 mil quilômetros ao lado de 15 voluntários. Até o seu destino, o grupo passou por estradas apertadas de asfalto, dividindo espaço com carretas carregadas de soja, enfrentou esburacadas vias de terra — onde foram necessárias 6 horas e 40 minutos para rodar apenas 200km—e sobrevoou a imensidão verde da reserva indígena a bordo de um antigo Cessna Centurion. O que se viu foi uma lição de cidadania. Os detalhes da viagem estarão em uma série de reportagens que começa a ser publicada hoje. No total, a equipe fez exatos 1.346 atendimentos e 1.201 exames na cidade e na aldeia em um período de três dias.Participaram da atividade profissionais ligados à clínica médica, ginecologia, obstetrícia, oftalmologia, pediatria, odontologia, fisioterapia e enfermagem. Em São José do Xingu, o atendimento ocorreu em uma escola municipal, onde assalas de aula viraram consultórios. Com um aparelho de ultrassom portátil, o médico Barbosa Lima, por exemplo, realizou um total de 60 consultas na aldeia e na cidade. Algumas mulheres em estágio avançado da gravidez passaram pelo procedimento pela primeira vez. Entre elas, a índia Mayara Kaiabi, de 14 anos. Com a barriga de 5 meses e o rosto tatuado com os motivos de sua etnia, ela confirmou o seu desejo: terá um menino.A dona de casa Aparecida Souza agradece a presença dos campineiros. “Eles jásalvaram muitas vidas aqui. Descobriram doenças a tempo de curar as pessoas”, lembra. O agente de saúde Ariosvaldo Moura concorda: “O projeto veio para somar. A gente sente as pessoas mais sadias e esclarecidas”, diz. Semeando o futuro No ciclo de vida kamaiurá, o índio nasce e recebe do pai um dos nomes de seu falecido avô paterno; da mãe, recebe o nome do avô materno. Na meninice fura a orelha e recebe outro par de nomes, também de seus avós, que o acompanhará por toda vida. Na adolescência entra em reclusão para de lá sair homem. Casa-se e trabalha para alimentar a sua família. Derruba mata, planta, pesca, caça, cria objetos, dança, canta e luta. Morre deixando para seus futuros netos seus nomes. Kaiabi - defensor cultural Os kaiabi resistiram com vigor à invasão de suas terras por empresas seringalistas desde o final do século 19. A partir dos anos 1950, eles se dividiram em trêsgrupos. A maior parte foi para o Xingu, onde se destaca pela prática de uma agricultura forte e diversificada, uma arte caracterizada por complexos padrões gráficos de inspiraçãomitológica e uma participação ativa no movimento em defesa dos interesses das etnias do parque.Voluntariado Mais do que um ato de solidariedade, o trabalho dos profissionais da MissãoXingu também gera uma importante economia para as comunidades atendidas.Apenas na área da obstetrícia, por exemplo, as 30 ecografias realizadas noPolo Pavuru, no Parque Indígena do Xingu, possibilitaram R$ 150 mil ematendimentos que não precisaram ser pagos pelo poder público.Para se ter uma ideia, o custo para se levar uma índia grávida para um exame forada aldeia chega a R$ 5 mil.Pela localização das comunidades, o transporte é feito de avião. Apenas umahora de voo custa cerca de R$ 1,5 mil. Na cidade de São José do Xingu, o mesmo atendimento fez o serviço público poupar R$ 100 mil.No caso da oftalmologia, apenas a doação de óculos superou os R$ 12 mil. Maisde 200 deles foram entregues sem qualquer custo. No atendimento odontológico na cidade, em dois dias, 52 pessoas saíram com umsorriso mais bonito. Cada paciente recebeu, em média, 12 intervenções. O gasto seria de R$ 3 mil por pessoa. No total, foram R$ 156 mil em procedimentos que saíram de graça. O dentista Luiz Alberto Aguirre trouxe um consultório portátil. Parte dele desenvolvido por uma empresa parceira. “Com isso, você diminui o tempo de remoção de cáries e aumenta a quantidade deatendimentos”, explica o dentista.