Urbanismo

Um novo modo de viver

Arquiteto campineiro integra grupo internacional que debate e elabora diretrizes de ocupação do espaço urbano pós-pandemia

Adriana Menezes
23/08/2020 às 09:06.
Atualizado em 28/03/2022 às 18:00
Grupo internacional debate e elabora diretrizes de ocupação do espaço urbano pós-pandemia (iStock)

Grupo internacional debate e elabora diretrizes de ocupação do espaço urbano pós-pandemia (iStock)

A relação do ser humano com tudo que o cerca (e consigo mesmo) não será mais a mesma depois da pandemia de Covid-19. Economia, política e meio ambiente foram afetados e inevitavelmente revistos. Novos hábitos, um novo olhar sobre o planeta e sobre a ciência, novas formas de trabalho e de afeto se impõem de tal maneira que a humanidade se vê obrigada a reformular o modo de viver em sociedade: Como tocar no outro? A que distância ficar? Onde e como encontrar as pessoas? Como morar? Onde ir? A ocupação do espaço urbano, portanto, também muda nesta nova ordem das coisas. Diante deste cenário, arquitetos do mundo inteiro discutem hoje como se dará esta disposição e como devemos nos preparar, visto que o distanciamento e as restrições às aglomerações transformam os espaços. O arquiteto, urbanista e ambientalista campineiro André Luís Queiroz Blanco compõe grupos no Brasil, Espanha e Portugal que debatem e elaboram as novas configurações do espaço urbano pós-pandemia. No Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Estado de São Paulo (CAUSP), ele integra a Comissão Temporária sobre Ações Emergenciais (CTAE), que foi criada em abril, além de ser coordenador da Comissão Especial de Desenvolvimento Profissional (CDP/CAUSP). Blanco é também diretor na área de pesquisa e desenvolvimento profissional do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo (SASP), e há décadas está focado nas questões de sustentabilidade e de habitação social. Como professor universitário, ele atua hoje na Unip de Limeira e na Universidade Politécnica da Catalunha (UPC), em Barcelona (Espanha). Mora atualmente em Piracicaba, mas está retornando a Campinas, onde já atuou no Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura, em 1988, quando participou do levantamento das matas remanescentes da cidade e também da primeira passeata ecológica.“Sou um Bioarquiteto, cidadão planetário que andou pelo mundo buscando caminhos para uma vida mais saudável e sustentável”, diz ele, que também já morou em Araras, participou da implantação dos cursos de Arquitetura da Unimep em Piracicaba e em Santa Bárbara D’Oeste, e é membro da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) onde participa da Comissão de Estudo Especial de Cidades e Comunidades Sustentáveis. O arquiteto e urbanista é ainda diretor da sociedade civil Instituto de Cooperação e Desenvolvimento Ambiente Total, que nasceu como movimento ambientalista no meio de uma efervescente convergência estudantil entre Unicamp e PUC-Campinas na década de 1980, e veio a se constituir oficialmente em 1997. André Blanco conversou com a Metrópole sobre o uso e ocupação dos espaços que ocorrem, e ocorrerão, em todo o mundo pós-pandemia.Qual o debate que existe hoje entre os profissionais da arquitetura e urbanismo a respeito da ocupação dos espaços?Com a pandemia, temos discutido muito a questão da resiliência urbana, das novas configurações no território urbano, do adensamento, qualidade de vida, espaço público, mobilidade, cidades inteligentes, enfim, novas soluções para a sociedade. Na Politécnica, em Barcelona, já havia esse debate. O que há de novo nesta discussão?Já discutíamos tudo isso há algum tempo no curso em Barcelona. Há aulas sobre o papel do arquiteto em zonas devastadas, pós-tsunami ou terremotos, por exemplo. Agora temos um outro modelo de devastação, uma devastação biológica, é uma questão de desastre natural por causa das relações equivocadas com a natureza, com animais silvestres, com a falta de saneamento, de higiene, coisas do tipo. Não é uma morte anunciada, mas já era previsto que haveria uma grande epidemia. Não aprendemos com os processos de outras epidemias. Ebola tinha fator agressivo maior, mas a contaminação era menor; o H1N1 também. Se pararmos pra pensar, não estamos mudando nosso sistema de habitação, saneamento, distribuição, que está cada vez mais precário. É uma discussão importante sobre o modelo de desenvolvimento. Na Holanda, por exemplo, adotaram um modelo que está sendo discutido em vários lugares que é o decrescimento, que consiste em não crescer mais, para investir em qualidade social e no fim da desigualdade. Parecido com a Islândia, com infraestrutura igual para todo mundo. Portugal tem discutido isso também. Pra quê ficar crescendo sem parar? Pode ser num ritmo mais lento, mas com estabilidade, para atender a necessidade de todos. Já existe alguma mudança real nesta forma de ocupar as cidades?As pessoas estão ficando com medo de morar em centros urbanos, já está ocorrendo um êxodo migratório pra sair dos grandes centros e ir pra cidades menores, que são menos impactadas pela pandemia. Eu sou de Campinas e já estou pensando em voltar pra cidade. Nos grandes centros há muita gente circulando, transporte urbano inadequado, falta de infraestrutura. Se analisarmos nossas estruturas urbanas, com ausência do planejamento e do estado, nós temos um ambiente propício pra qualquer problema desse tipo. O estado deveria se preocupar mais com estes aspectos dos centros urbanos. Os pesquisadores dizem que as pandemias não vão parar. Estamos preparados pra isso? Não estamos. Tem que mudar a cabeça dos gestores públicos para ter ambientes mais saudáveis. É uma questão sistêmica.Qual a maior dificuldade no Brasil?A ausência de infraestrutura no País, como o saneamento, é um grande problema. Isso vai ter de mudar: a falta de planejamento e de estrutura. Tenho trabalhado junto aos municípios e às comunidades sustentáveis uma parceria que inclua todos os atores: poder público, poder privado, sociedade civil organizada e os movimentos populares, que não podem estar fora do processo. Nosso problema também é o tipo de ocupação que escolhemos, esse modelo. Durante a Eco 92 discutiu-se a questão do desenvolvimento sustentável, e a gente continua no modelo ultrapassado que é de crescimento a qualquer custo: a gente não preserva, não recupera o ambiente, a questão econômica atende a poucos, não há distribuição, a questão social é sempre legada ao um assistencialismo. Aqui no Brasil e em vários países o modelo é crescimento, é metro quadrado, é construtora com órgãos públicos... Qual o papel do arquiteto nesses desastres?Temos que ser preventivos, como médicos. Somos médicos do habitat, da moradia, do ambiente. Não somos ligados à doença no organismo, no corpo, que é também uma espécie de casa; nós cuidamos da outra casa, que também serve como a casa do ser humano. Se a gente tem um ambiente saudável, ventilação, iluminação, água, infraestrutura, nós diminuímos o impacto das doenças no ser humano. O arquiteto acaba diminuindo o impacto no sistema de saúde. Até moradias de certo nível têm problemas de patologias, de infiltrações, fungos, bolor, ambientes úmidos, frios, por falta de projeto adequado. Precisamos trabalhar de maneira mais intensa na questão preventiva. Outra questão é a emergencial, que estamos fazendo agora: pensar nesse momento como a gente pode melhorar a questão dos espaços públicos, dos equipamentos, do mobiliário, nas melhorias habitacionais pra diminuir estas questões.Como é esta nova forma de usar e ocupar o espaço?Não é só a questão do distanciamento. São vários aspectos da infraestrutura urbana: sinalização, informação. É quase um processo da questão museológica e museográfica da cidade. Como as pessoas vão receber estas informações pra se locomover e se movimentar pela cidade sem correr risco? O distanciamento é uma questão; os equipamentos são outra – eles são criados por arquitetos: mobiliários e equipamentos para diminuir a contaminação, como uma cabine de higienização, uma proteção de acrílico em bares e supermercados. Há uma grande quantidade de inovação possível pra gente se proteger nesse momento. Estamos incentivando os profissionais a criarem equipamentos e mobiliário para ajudar nesse processo. Há também os aspectos mais graves, em regiões e bairros da periferia, como nas favelas, regiões onde o adensamento é muito alto, é preciso haver um trabalho social também. Nesse sentido, o arquiteto também pode ser um articulador de gestão comunitária, de desenvolvimento comunitário. Tem também as praças e os espaços públicos, que precisam ter orientação sobre higienização, como e onde lavar as mãos, tudo para diminuir o contágio e o impacto. O arquiteto tem 240 atribuições ligadas à profissão. Se ele pensar de maneira criativa pode trabalhar em vários projetos e pode trazer inovações.

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