CECILIO

Um mês, apenas um mês...

Cecílio Elias Netto
26/06/2015 às 05:00.
Atualizado em 28/04/2022 às 15:45
Cecílio Elias Netto ( Cedoc/RAC)

Cecílio Elias Netto ( Cedoc/RAC)

A fé antecede a esperança. Logo, não é possível ter esperança sem, antes, haver a fé. E não me refiro apenas à fé no sentido religioso. Mas, sim, no sentido da confiança, da convicção, esse ter “fé em algo, em alguém”. Suponhamos uma situação banal: se a moça não tem confiança, fé no namorado — ou vice-versa — não haverá esperança de uma união sólida. Perdi a confiança, perdi a fé na classe política e nas instituições brasileiras. Logo, minha esperança ruiu. No entanto, sou homem de esperançar. Não sei, porém, viver sem esperança e duvido haja alguém que o consiga. Pode até continuar existindo, mas não estará vivendo. Há uma reflexão agostiniana que me encanta: o existir, o viver, o ser. A pedra existe, o cadáver existe. Mas não vivem. A planta, os animais existem e vivem. Mas não são. Apenas o homem existe, vive e é, pois tem a razão, a inteligência, pode decidir, escolher. Estamos numa quadra da humanidade em que, penso eu, deveríamos começar a perguntar se somos, se temos vontade, se realmente há liberdade, se podemos escolher. Ou se apenas existimos e vivemos. Terei, mesmo, o livre arbítrio ou está, ele, tolhido por um vendaval de pressões e condicionamentos que me intoxica a vontade e o verdadeiro exercício da liberdade.Não tendo mais fé ou confiança em tudo isso que está por aí, vejo-me roubado na minha motivação vital: a esperança. Ela não pode mais existir nesse contexto, nessas estruturas e com essa gente dirigindo-nos a vida, aprisionando-nos a seus apetites e ganâncias, aprisionando-nos tanto que até o nosso espírito é sugado. No entanto, por precisar da esperança, começo a imaginar e a tentar criar situações que ma possam devolvê-la. No lugar dessa falsa e mentirosa ordem, quero propor a desordem. Total, absoluta, sem limitações. Ao contrário de se ficar inventando novas leis — estúpidas e interesseiras que apenas importam aos que legislam e governam — começo a acreditar num país e num mundo declaradamente sem ordem, sem leis, sem direito, sem justiça. Um país e um mundo onde a lei de Darwin funcione realmente: a dos mais fortes, dos mais capazes, dos mais espertos. Seria, de início, um mundo totalmente caótico, algo que, se me não engano, está até mesmo em livros sagrados: irmão contra irmão, pai contra filho, filho contra pai, cada um por si e algum deus para todos. Eu começaria abrindo as celas brasileiras, soltando todos os prisioneiros: bandidos, bandidinhos, bandidões. Incluindo o José Maria Marin, por quem passei a sentir repulsa: como pode um homem de 84 anos estar, ainda, pensando em propinas, em golpes, em dinheiro sujo? Para quê, para quem? Aliás, o que fazem Fernando Henrique e Lula que não saem de cena, deixando de opinar, de agir, de trabalhar nos bastidores? Como pode ser chamado de país um espaço territorial dirigido, na verdade, por Renan Calheiros e Eduardo Cunha? Dilma, a presidenta, ficou à imagem da Rainha da Inglaterra, só que sem reinar nem governar. Soltos todos os bandidos, acabamos, também, com todas as leis. Os apetites estarão mais acesos e, com toda certeza, grupos e grupelhos, bandos e quadrilhas entrarão em guerra entre si mesmos. Como acontece com países que se bombardeiam e se matam. Haveria a guerra total: entre professores e alunos, patrões e empregados, pais e filhos, irmãos contra irmãos, vizinhos contra vizinhos. Não haveria autoridade alguma a quem se apelar. Uns matariam os outros. Poder-se-ia violar o lar de todos, mesmo porque já estamos sendo violados ainda que sutilmente. Todos os desejos haveriam de ser realizados. Sem limites, sem hierarquia, sem sanções, sem leis. Seria durante um mês, apenas um mês. E, então, veríamos o que haveria de sobrar. Se forem os bandidos os vencedores, isso não seria novidade para nós e, então, eles continuariam governando, mandando, escravizando. Mas e se forem os mais fracos, os mais frágeis? Ou os mais dignos, mais sábios, mais generosos? Assim fosse, algo novo poderia acontecer e pelo menos eu teria em quê acreditar. Ter fé em sobreviventes novos, para ver se me volta a esperança. Corro o risco, com minha proposta, de dar ainda mais força aos bandidos de todas as espécies, de todas as latitudes e longitudes. Mas não terá importância se tudo voltar — e mais fortemente — a ser como está. Terei, novamente, perdido a fé e ficarei sem esperança nesse mundo que propus. Haverá decepção. Mas não desistirei. Inventarei outro projeto, acho que até mais simples e verdadeiro: viver em catacumba, grupos afins, com os mesmos princípios e valores. Mas, caramba! Não é, mais ou menos, o que já venho fazendo? Que cada um, então, prepare a sua própria caverna.

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