TECNOLOGIA

Um lugar para o Braille

Muitas pessoas, mesmo as que não conhecem os recursos disponíveis para cegos, são levadas a pensar que, com o computador e facilidades que ele nos trouxe, a leitura tátil ficou sendo coisa do passado.

Fabiana Bonilha
08/06/2015 às 17:18.
Atualizado em 23/04/2022 às 11:15

Em meio a tantas novas tecnologias, ainda existe lugar para o Braille? Na atualidade, onde cabe este engenhoso código de leitura e escrita?Muitas pessoas, mesmo aquelas que não conhecem a fundo os recursos atualmente disponíveis para cegos, nos fazem estas perguntas. Elas são levadas a pensar que, com o advento do computador e das facilidades que ele nos trouxe, a leitura tátil ficou sendo coisa do passado. Entretanto, apesar de podermos ler com o uso de software de voz todo e qualquer texto que esteja digitalizado ou disponível na Internet, o Braille ainda ocupa um espaço primordial em nossas vidas. Talvez cada pessoa cega, de acordo com a sua história individual de relacionamento com este sistema de leitura e escrita, atribua a ele um determinado lugar. Particularmente para mim, o Braille tem um lugar de destaque, e posso dizer que, na prática, eu não sei viver sem ele. Existem algumas situações do meu dia-a-dia em que o Braille é imprescindível e em que ele jamais poderia ser substituído por um programa leitor de telas. Penso que exemplificá-las possa tornar mais real e concreta esta minha constatação. A primeira situação se refere a quando necessito fazer uma palestra ou uma apresentação oral. Nestes casos, sempre tenho apontamentos em Braille comigo. Se eu dispusesse apenas de um computador reproduzindo os slides, teria de ouvi-lo ao mesmo tempo em que proferisse a palestra, o que tiraria totalmente minha concentração. O suporte em Braille me mantém ativa todo o tempo, e me faz capaz de falar de uma forma articulada e fluente. A segunda situação diz respeito a quando preciso ler um texto inteiro em público, sozinha ou em conjunto com outras pessoas. Nessas ocasiões, só é possível ler com as mãos, pois a voz de um computador ou mesmo de um celular pronunciando o texto não permitiria a leitura em voz alta. Análogo a este caso, é a circunstância em que preciso acompanhar a letra de uma música para cantá-la. Imaginem como seria difícil entoar uma letra após ouvi-la pelo computador! Quando canto em uma cerimônia religiosa, por exemplo, é crucial que eu tenha em mãos as letras em Braille, para estar em pé de igualdade com os outros presentes. Uma terceira situação é quando necessito fazer uma revisão minuciosa e acurada de um longo texto, prestando atenção à estrutura de cada frase e à grafia de todas as palavras. Para isto, o programa de voz, que lê de forma ininterrupta e linear, não tem como me dar suporte! Para eu assimilar todo o conteúdo, preciso ler com meu próprio pensamento, e não com um sintetizador de voz! Uma quarta situação ocorre quando necessito ler um texto em Inglês. De fato, o leitor de telas possui pronúncia em língua inglesa e, em tese, é possível ler em outro idioma contando com ele. Porém, como esta não é minha língua nativa, não sei acompanhar a voz sintetizada com a mesma destreza como a sigo em português. Deste modo, ler um texto em Inglês transcrito em Braille aumenta significativamente minha capacidade de análise e de compreensão. A quinta situação é para mim a mais importante. Trata-se da leitura musical! Apesar da tentativa e até do anseio de muitos para escaparem à musicografia Braille, não acredito que cheguem a inventar um método de ler partitura que não seja este! E se o fizerem, não sou eu que a ele vou aderir, pois eu não abriria mão de poder tocar as partituras para tocá-las ao piano. Após expor estas situações concretas, espero não deixar dúvidas de que o Braille ainda está muito vivo hoje em dia, e permanecerá vivo pelo menos enquanto eu estiver!

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