EDITORIAL

Um homem, um quintal e um chapéu

12/05/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 16:28

É impossível não se comover com a história tocante do senhor Mário Martini, de 92 anos, que foi resgatado depois de ser descoberto vivendo em condições subumanas, morando no quintal de sua casa, dormindo ao relento, sem roupas e se alimentando de forma indigna. A comparação com a vida de cão não parece exagerada, tal o estado de abandono a que foi relegado. Vizinhos denunciaram os maus-tratos e, depois de várias intervenções de órgãos oficiais, ele finalmente recebeu atenção médica, cuidados de higiene, até ser abrigado na Associação Franciscana de Assistência Social Coração de Maria (Correio Popular, 10/5, A12).

Hoje, sua história é outra. Mostrando-se recuperado, com melhor humor e com roupas limpas, o idoso nem parece aquela pessoa abandonada pela própria família e pela sorte, entregue a um estado de decadência pessoal sem ninguém que lhe estendesse a mão.

O episódio teve um final feliz e bem serve para trazer à reflexão a forma como a sociedade trata seus idosos. Mesmo que a grande maioria conte com o apoio irrestrito das famílias, não são raros os casos em que a condição de velhice é um problema. Por ignorância ou falta de recursos, é comum que as pessoas de mais idade sejam tratadas como estorvo, deixadas a um canto, como se lhes bastasse apenas a alimentação, o abrigo e as roupas do corpo, além de um pouco de atenção ocasional.

O problema da idade avançada — ironicamente chamada de melhor idade — é a falta de sustentação nas relações familiares, a omissão do poder público e a falta de reverência à história destas pessoas. Na comoção provocada pela história de Mário, está clara a fragilidade da família, o desconhecimento de seus direitos, a falta de orientação e a distância do sistema de assistência às pessoas comuns. Diante de uma situação absurda como essa, a sensação é de impotência e conformismo diante de um drama que possivelmente se arrastaria até a morte.

Ao virar a página de sua vida e ganhar um novo lar, o seo Mário mostrava boa disposição, voltou a ser aquele homem que todos reconheciam como uma pessoa gentil e amável. E pedia pelo seu chapéu, o único bem que parecia lhe restar depois de experimentar um longo período de abandono em que provavelmente nem a esperança de vida foi preservada.

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