O papel da mulher na sociedade, ao longo dos séculos, foi sempre caracterizado por uma desigualdade formal e material, fruto de uma interpretação tomada a partir da natural diferença genética para com o homem, interpretação essa que, com raras exceções, atrelava a diferença genética a uma condição de inferioridade pessoal, intelectual, familiar e social, nascedouro de muitos estereótipos culturais profundamente arraigados.Projetando-se em retrospectiva e à luz de um olhar atual, essa interpretação, em regra, foi equivocada, porém pode ser explicada, sob pena de presentismo histórico, a partir das condicionantes históricas que se sucederam ao longo do tempo. Se tais condicionantes elucidam uma série de pontos, por outro lado, em boa parte, não se justificam mais hoje.Desde há algum tempo, uma grande e rápida mudança dessa visão histórico-social da mulher tem ocorrido, no afã de se alcançar uma justa relação de igualdade entre homens e mulheres. A sociedade intuiu que chegou o momento apropriado para a superação desse complexo histórico de desigualdade da mulher pelo simples fato dela ser diferente biologicamente.Graças a boa parte do primeiro movimento feminista, hoje, a mulher é um sujeito de pleno direito no mundo ocidental, ainda que muitos direitos não tenham sido concretizados. Isso foi resultado da luta de muitas mulheres que acreditaram que suas possibilidades não dependiam da condição sexual e, assim, posicionaram-se ativamente numa sociedade em que imperavam as regras masculinas para seu funcionamento, de maneira a demonstrar que poderiam contribuir ativa e muito beneficamente ao desenvolvimento do conjunto dessa mesma sociedade.Minha mãe e minha sogra são exemplos magníficos dessa justa forma de ver o papel da mulher na sociedade e, atualmente, as mulheres daqui de casa, à semelhança de muitas de suas amigas, casadas ou solteiras, trilham na mesma toada. E não é só. São feministas sem perder sua feminilidade, porque respeitam sua natural diferença biológica. Não a veem como uma realidade pendente de uma “emancipação revolucionária”, mas como uma forma de proporcionar, sob uma relação de igual complementaridade para com o sexo oposto, aqueles dons e bens que somente as mulheres, solteiras ou casadas, são capazes de dar.Entretanto, desenha-se, no horizonte social, uma espécie de segundo movimento feminista: uma versão mais extremada, porque quer eliminar, por completo, quaisquer distinções, mesmo que fundadas biologicamente, em nome de um igualitarismo, entre masculinidade e feminilidade, a ponto de pretender que, a partir de um jogo semântico entre as expressões “gênero” e “sexo”, cada um eleja o gênero que bem lhe convier, sem qualquer condicionamento biológico, já que os papéis sexuais, no seio social, seriam, nessa ótica, construídos historicamente.Então, ao preencher qualquer cadastro pessoal, o sujeito declararia seu sexo (feminino/masculino) e, depois, seu gênero (heterossexual, gay, lésbica, transsexual, bissexual, pansexual e, para o mais exóticos, zoosexual). Essa segunda onda feminista parte da premissa de que a sexualidade expressa tão somente uma ideia de poder e de controle, com o primordial fim de estabelecer relações políticas na sociedade, a partir da vazão indiscriminada dos desejos sexuais.Para esse feminismo de outro gênero, parece não mais interessar a igualdade. É preciso ir além, alcançar a superioridade sexual, como forma de vingança por séculos de ultraje e de injusta discriminação social. O perfil histórico de admirável luta do feminismo parece ceder lugar para um coro de ressentimento e oportunismo de interesses econômicos utilitaristas, com desprezo aos direitos fundamentais alheios que, tantas vezes, foram negados ao sexo feminino.As mulheres desse feminismo sem feminilidade converteram-se não só em donas “de seus corpos” (como se isso fosse ontologicamente possível), mas em senhoras dos destinos alheios. Se a primeira revolução feminista transformou a política em sexo, a segunda transformou o sexo em política. Ao fim dessa segunda onda, substituiremos o odioso machismo por um não menos odioso feminismo. Assim, se para Simone de Beauvoir, “a mulher não nasce, mas faz-se”, hoje, em virtude desse feminismo, ela degrada-se. Com respeito à divergência, é o que penso.