MANUEL CARLOS

Um encontro casual

Manuel Carlos
02/04/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 22:24

Manuel Carlos - correior (Cedoc)

Após ministrar quatro aulas no período noturno da Faculdade de Direito da PUC-Campinas, saí exausto e faminto da universidade. Resolvi fazer um pit stop no Giovannetti que havia na confluência da Rua Doutor Quirino com Thomaz Alves e saborear um “bigode” acompanhado de uma taça de vinho.A tolerância ainda não era zero. Naquele ano, zero era apenas o aumento do funcionalismo público municipal, pois estávamos no governo de Izalene Tiene.Sem paletó e com o nó da gravata afrouxado, procurei por uma discreta mesa ao lado da janela e, prontamente atendido pelo garçom, fiz meu pedido.Enquanto aguardava, voltei-me para o salão e vi Izalene caminhando em minha direção com um livro na mão e cara de poucos amigos. Sequer disse boa-noite e, puxando a cadeira bem à minha frente, sentou-se, olhou fixamente e indagou: “Por que o senhor não gosta de mim?”Procurei disfarçar minha surpresa e respondi da forma mais natural que pude: “Boa-noite prefeita, mas na verdade, não gosto é do seu governo. Nada sei sobre a senhora e se não me engano esta é a primeira vez que trocamos algumas palavras”.O diálogo havia começado mal, mas para sorte de ambos chegou o garçom com meu pedido. Izalene pediu a ele que fosse buscar o seu copo de gim tônica em sua mesa de origem.A conversa vai ser longa, pensei comigo, mas espero que não tenha vindo para ficar.Emocionada, talvez muito mais pelo gim do que pela tônica, a prefeita deu continuidade às suas lamúrias intermináveis e seus olhos lacrimejaram.Entrei em pânico, mal conseguindo ouvir direito o que era dito. Olhava muito mais para a porta de entrada do que para ela. Comecei a rezar para que não entrasse por aquela porta algum amigo ou conhecido. Pensaria o quê? Tarde da noite, nós dois sentados sozinhos em uma mesa discreta, bebericando e ela com os olhos cheios de lágrimas...Mais tranquila, talvez em decorrência da segunda dose, ela me ofereceu o livro que trouxe, dizendo-me: “Quero que conheça um pouco mais sobre minha administração”.Cobrei imediatamente uma dedicatória, entregando-lhe a caneta. Após alguns instantes, disse-me: “O que devo escrever?”. “Escreva o que estiver sentindo”, recomendei. A dedicatória foi elegante e despedimo-nos.Para não ser descortês, pois sabia que seria observado, comecei a folhear o livro. Apesar de ser um bom exemplo de propaganda enganosa, era uma bela edição, que deve ter custado uma fortuna aos contribuintes.Entretanto, ao chegar à página destinada ao lixo reciclável, deparei com uma foto da capa do jornal Correio Popular sendo colocada onde Izalene achava, pelas críticas que recebia, ser seu melhor lugar: no lixo!Na dedicatória ela poderia ter sido mais sincera e feito alguma referência à página do lixo reciclável.

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