ZEZA AMARAL

Um domingo de derrota

Zeza Amaral
23/07/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 07:56

Joel tirou o volume da televisão, foi até a cozinha, pegou o lixo e saiu. Havia uns vinte anos que a mulher vinha reclamando do futebol que ele gostava de curtir em casa, um de seus raros prazeres, além da cerveja. No último domingo, ela voltou a reclamar, como sempre. Aos vinte minutos do segundo tempo, Joel disse que ia botar o lixo pra fora e se escafedeu. Gente boa o Joel, e também a sua patroa. Não tinham filhos. Dalva era diretora de escola pública e ele funcionário da Receita Federal. Levavam uma vida tranquila, carro quase novo, casa própria e um pequeno apartamento em Praia Grande, onde costumavam ir em final de semana prolongado. Joel gostava de arranhar um violão e vez em quando acordava a sua mulher, altas horas da noite, cantando A Noite do meu Bem. Depois da doméstica seresta, faziam amor ao lado do violão, a única testemunha da paixão que um tinha pelo outro. Houve uma época, no início do casamento, os dois passando penúrias, ele chegou em casa com um buquê de capim enfeitado com uma flor do mato. Era aniversário dela. E foi aquela choradeira. Era assim o Joel... Dalva também era gente de muito carinho. Muitas vezes passou noites acordadas cuidando da febre do marido, uma malária mal resolvida, adquirida nos tempos de serviço militar, doença do Projeto Rondon. Fez promessa e pagou adiantado, andando ajoelhada pela rampa da Igreja de Aparecida, rezando, a cada ajoelhada, um Pai Nosso. Joel sarou e a vida continuou. De uns vinte anos para cá, como já disse, Dalva começou a reclamar do futebol e do volume da televisão. Joel deixou o saco de sanito na lixeira da calçada, saiu a pé pela ruas do Taquaral e foi bater os costados num barzinho do São Bernardo, onde encontrou um canto seguro para tomar a sua cerveja. Corria pelo lugar um samba sossegado, coisa da antiga. E uma moça muito bonita notou os seus olhos cansados e profundamente entristecidos. Ele estava tão triste que a moça se viu tomada de compaixão, e puxou conversa. E a rede veio repleta de paixão. E vieram canções, outras cervejas, até que a moça perguntou pelo seu paradeiro. Ele respondeu apenas que o seu time tinha perdido e deixado na lixeira um saco com as cascas de sua vida. E pediu para o cara do pandeiro abaixar o volume. Não cabia samba naquela hora. Bom dia.

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