ESPAÇO GOURMET

Tortelloni al ragu ricco alla napoletana

Formatos mil: influenciadas pela cultura de reaproveitamento que atingiu, especialmente, a Europa dos séculos 18 e 19, massas recheadas agradam os que apreciam a rica herança italiana

31/03/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 22:56

Aqueles que, um dia, conseguirem mensurar e colocar na ponta do lápis o desperdício de alimentos industrializados e in natura na cozinha doméstica, certamente, terão uma surpresa desagradável. Aposto até em um leve desconforto na alma dos mais sensíveis e caridosos. Um pouco disso, um tico daquilo, um bifinho abandonado no freezer, uma latinha esquecida na despensa cuja data de validade expirou...

A somatória, no final do mês, faz volume. Mas não é somente entre as quatro paredes do doce lar que há tal displicência. Por isso, vamos acender os holofotes, primeiro, em direção aos centros distribuidores e estabelecimentos comerciais e, depois, rumo ao campo e a indústria. Aí a coisa é mesmo de arrepiar, os números são medonhos. Esse desperdício, porém, é assunto pra outra hora. Meia-volta para a casa.

Muitos pratos hoje populares e outros até sofisticados têm origem num cenário de precariedade, num berço humilde. Em tempos de crise ou escassez, como na quebra da produção de alimentos por motivos climáticos ou conflitos sociais, políticos e econômicos, as circunstâncias condenavam donas de casa e matriarcas a trabalharem com orçamento de guerra. E elas eram, então, obrigadas a reduzir os desperdícios a zero. Era, de fato, uma cozinha de emergência, que impunha o reaproveitamento como regra incondicional para a sobrevivência.

E é nessa cozinha "pobre", em especial na Europa dos séculos 18 e 19, que entram em cena o senso comum e a sabedoria das pessoas que tinham a função de preparar as refeições, trabalho quase sempre reservado às mulheres. Da Itália, herdamos caldos e sopas como minestrones e canjas, cozidos, bruschetas, frittatas (omeletes) recheadas com macarrão, legumes, verduras e nacos de queijo, e os clássicos arancini, bolinhos fritos feitos com as sobras do risoto.

As massas recheadas também ganharam em diversidade e sabores com essa cultura de reaproveitamento. Muitos recheios eram feitos, variando de região para região, juntando um pedaço de presunto ou carnes de caça, porções de queijos, pães amanhecidos, biscoitos, legumes e verduras, além de ervas fresquíssimas retiradas das hortas e especiarias. Algumas dessas receitas até hoje são intocáveis.

Vovô raviolo

Rastrear a origem de cada formato e recheio de massa na Itália é uma tarefa longa, mas tentarei ser breve. Os tortelloni são uma variação dos cappelletti, por sua vez um subproduto dos ravióli (plural de raviolo), o vovô de todas elas – uma das primeiras pastas recheadas criadas na terra da bota no século 13, era, originalmente, feito em formato quadrado e preparado em caldo de carne ou de legumes. À medida em que as receitas viajavam pelo país, os patisseiros e masseiros mudavam ou adaptavam os formatos para deixá-las dignas de seu território e seus senhores.

Os ravióli, inicialmente quadrados, ganharam depois a forma triangular. Mais tarde, alguém teve a brilhante ideia de enrolar as pontas do triângulo e dar a ele aspecto de um chapeuzinho – daí cappelletto, no singular. A nobreza da Bolonha não queria em seus domínios os cappelletti triangulares, tradicionais no Piemonte, e exigiu dos cozinheiros uma nova aparência. Foi aí que eles ganharam o formato de meia-lua, e, tendo suas duas pontas unidas por pressão manual, tornaram-se um elegante tortellini.

Já o tortelloni é uma peça de massa maior, recheada e própria para ser consumida com molho, não caldos. 

TORTELLONI AL RAGU RICCO ALLA NAPOLETANA

INGREDIENTES

(para 6 pessoas)

PARA A MASSA

280g de farinha de trigo (mais ou menos 3 xícaras de chá)

3 ovos levemente batidos

1 fio de azeite extravirgem

1 colher (sopa) de vinho branco seco

1 pitada de sal

PARA O RECHEIO

200g de ricota fresca

3 colheres (sopa) de parmesão ralado

2 colheres (sopa) de salsinha verde, picada fininha

1 colher (sobremesa) de noz-moscada ralada

1 gema de ovo

1 fio de azeite extravirgem

2 colheres (sopa) de pão italiano torrado e raladinho (só o miolo)

Sal e pimenta-do-reino a gosto

PARA O MOLHO

50ml de azeite extravirgem

5 dentes de alho picadinhos

1 cebola branca pequena, raladinha

1 talo de salsão, finamente picado, em lasquinhas transparentes

1 colher (sopa) de cenoura raladinha

10 folhas de manjericão, rasgadinhas com a mão

½ xícara (chá) de cebolinha verde picadinha

400g de molho de tomate de boa procedência

12 tomatinhos doces, cortados ao meio e confitados

Orégano, sal e pimenta-do-reino a gosto

VAMOS LÁ

Preparo primeiro o recheio: junto os ingredientes numa vasilha e amalgamo bem até obter uma pasta homogênea. Cubro com pano úmido e reservo na geladeira. Trabalho, então, o molho: aqueço ligeiramente, até murcharem, o alho e a cebola no azeite.

Agrego o salsão e a cenoura, mexo e remexo. Coloco o molho de tomate, mexo delicadamente e, em fogo baixo, permito que apure por 30 minutos (se carecer, agrego um pouco de água quente). Junto a cebolinha, o orégano, o manjericão, os tomatinhos, a pimenta-do-reino, ajusto o sal e deixo no fogo por mais oito minutos.

Desligo e reservo, para o molho descansar e arrefecer o estresse do calor. Vou para a massa: em uma vasilha grande de louça ou vidro, misturo aos poucos e com as mãos, todos os ingredientes. Transfiro para a bancada de pedra enfarinhada e trabalho, sem sovar, até obter uma massa homogênea, lisa, que não grude nas mãos. Se necessário, uso um pouco, muito pouco, de água.

Cubro com um pano úmido e deixo descansar por meia hora em lugar fresco e sem luz. Volto a massa na pedra e, com rolo ou cilindro, abro-a em folhas largas até atingir mais ou menos 1,5 milímetro de espessura.

Com um aro de metal redondo ou uma peça de vidro com 14 centímetros de diâmetro, corto a massa, acomodo uma boa quantidade de recheio, cubro com um lado do círculo para que fique mais curto do que o outro lado (a proposta é obter a forma de um rissole, mas sem as bordas se encontrarem).

Enrolo o semicírculo de massa, comprimo as bordas inferiores, coloco-a em pé e deixo secar por 20 minutos. Fervo três litros de água com uma colher (sopa) de sal grosso e cozinho os tortelloni um a um.

Assim que ele vier à tona, deixo ferver por mais dois minutos, retiro e transfiro para um escorredor.

Passo um fio de azeite no fundo do prato que irá à mesa, acomodo um ou dois tortelloni nele, cubro com um pouco de molho, polvilho um tico de orégano, decoro e sirvo imediatamente. A receita não pede queijo, mas nada impede você de usar um parmesão ralado bem fininho.

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