ENTREVISTA

Todas as histórias são História

Passado e presente: professor da Unicamp defende que somos sujeitos históricos e historiadores ao mesmo tempo e, em novo livro, prova que é impossível não se interessar pelo tema

Karina Fusco
18/08/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 05:17

Desde pequenos, temos contato com histórias, aquelas que nos contam na hora de dormir. Com o passar dos anos, já na escola, o lúdico dá lugar a um tom mais sério durante as aulas de História. A partir daí, são poucos os jovens e adultos que não têm na estante ao menos uma obra a esmiuçar acontecimentos de uma época, de um povo ou da vida de alguma personalidade. “Se gostávamos de histórias na infância, por que não gostar de narrativas históricas?”, questiona o professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Jaime Pinsky, que acaba de lançar Por que Gostamos de História. No livro, ele aborda o significado histórico de questões familiares e fatos internacionais. “A História, afinal de contas, não é apenas o que aconteceu, mas a maneira pela qual nos apropriamos daquilo”, afirma.Apaixonado pelo ofício, nesta entrevista ele fala porque as histórias (biografias, sobretudo) são tão apreciadas, comenta o papel do professor para despertar o interesse dos estudantes pela disciplina e discute as novas maneiras de contar os fatos. “Somos sujeitos históricos e historiadores ao mesmo tempo”, enfatiza. Metrópole – Em seu novo livro, o senhor aborda a História em diversificados temas. Foi uma maneira de mostrar aos leitores que ela está em todos os lugares?Jaime Pinsky – A História tem um duplo compromisso: um com o acontecido – que não lhe é permitido negar ou distorcer – e outro com o momento que o historiador vive, pois cada “narrador” ilumina a História a partir da luz que emana de seu tempo. Assim, diferentes narradores, em diferentes épocas, escreverão histórias diferentes. Isso se chama perspectivismo. Tento, no livro, mostrar como é possível visitar variados temas e épocas. Tenho, de fato, a intenção de mostrar como a História pode ser universal.  Por que o ser humano gosta tanto de histórias? E por que a História é tão fascinante?Há uma razão de ordem afetiva. Quando crianças, quase todos fomos marcados por algum contador (ou leitor) de histórias (pais, avós ou tios). Esses momentos foram importantes em nossa infância. E, se gostávamos de histórias, por que não gostar de narrativas históricas? Também procuramos na História nossas raízes como seres humanos, como produtores e consumidores de um patrimônio cultural elaborado durante milênios. Estudando o passado, entendemos melhor quem somos. A História fascina, ainda, os que buscam em outras civilizações soluções melhores do que as que encontramos: cidades melhores, deuses mais tolerantes, sistema educacional mais agradável e funcional, mais felicidade, enfim. Queremos aprender com os outros, e isso não é ruim.  Alguns autores recorrem a novas linguagens para relatar fatos importantes de nosso país. Tal estratégia consegue tornar os temas históricos mais atrativos e fáceis de serem apreendidos?,A História não tem donos. Qualquer um pode escrever. Na nossa historiografia, encontramos importantes autores que não cursaram História na faculdade, em alguns casos porque o curso não existia. Claro que há o que separa o bom trabalho daquele feito com cunho sensacionalista ou político. O historiador não pode ter as respostas prontas antes de começar a investigação nem pinçar, entre todas as coisas acontecidas, apenas as que apoiam sua tese. Isso é presentismo, não é História, seja ela feita por licenciados, jornalistas ou quaisquer outros escritores. O que não se pode – e, por vezes, se faz na academia – é confundir seriedade com sisudez. A História não necessita ser contada sempre de modo agradável (teses e artigos científicos são áridos), mas não pode ser aborrecida quando busca dialogar com um público amplo. Nada contra novas linguagens e capas menos acadêmicas, mas tudo contra a picaretagem, dentro e fora das universidades. Em sua obra mais recente, os textos são curtos e de fácil leitura. É um modelo proposital?Os textos foram produzidos, originalmente, para jornais e revistas. É um historiador escrevendo para um público não especializado, não acadêmico. Selecionei um conjunto de escritos sobre diferentes temas, de política nacional até vida familiar, e construí um livro que, da forma como foi organizado, ganhou autonomia e tem uma linha condutora. O fato é que, para nós, universitários, escrever difícil é fácil. Difícil é escrever fácil, porque exige precisão e boa dose de desprendimento. Por isso, fico feliz ao ver o sucesso que a obra está alcançando. Ela mexe com as pessoas.  Nas atuais listas de títulos mais vendidos, há muitas biografias. Por que gostamos tanto delas?Elas falam de gente. Gente como a gente, pessoas que admiramos ou que odiamos e queremos entender como ficaram tão odiosas. Muitas dessas publicações são feitas de modo superficial, esquemático, mas algumas são brilhantes.  Como o senhor avalia o comportamento de pessoas que, nas redes sociais, expõem seu mundo e, não raramente, seu passado?A cultura das mídias sociais provoca uma aceleração do tempo e sentimentos de urgência e de busca contínua por coisas novas. Todos nós precisamos de raízes e de referências, reais ou construções do nosso imaginário. Conheço um tuiteiro que não ficou tranquilo até encontrar um suposto brasão de família e outro que “provou” que sua linhagem remontava a, no mínimo, o rei Davi, que viveu há três mil anos. São necessidades que o cotidiano fluido deles exigiu. Por outro lado, a utilização de informações e materiais familiares para situar cada um como ser histórico concreto, abordando de onde veio, por exemplo, pode ser interessante. A História é percebida na sua construção. Somos sujeitos históricos e historiadores ao mesmo tempo.  Em sua opinião, o que as recentes manifestações populares vão agregar à História do Brasil?Espero que provoquem uma aproximação entre o Estado e a nação. Por enquanto, “eles” são o Estado e nós, a nação.  Filmes sobre fatos históricos são recursos importantes para se ensinar História?Não acredito que os melhores filmes históricos são os feitos para serem históricos. A maioria desses é insuportavelmente chata, como A Independência do Brasil, incomparavelmente inferior a Pra Frente, Brasil. Fiz, há algum tempo, uma lista de produções muito boas, entre elas Adeus Lênin e Uma Cidade sem Passado. O professor precisa de boa cultura histórica para não ser óbvio quando utiliza filmes como material didático. E também de uma cultura cinematográfica razoável.  Como despertar nos estudantes o interesse pela disciplina?É impossível não amar a História. Um bom professor e livros razoáveis resolvem o problema. n

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