AMOR À ARTE

Tocar em praças de alimentação é opção para muitos artistas

Numa época em que aspirantes a artistas parecem buscar fama a qualquer custo, surpreende encontrar músicos que procuram apenas fazer seu trabalho em troca de um cachê relativamente justo

Fábio Trindade
04/04/2015 às 18:37.
Atualizado em 23/04/2022 às 17:23
O baixista, violonista e cantor Caio Hernandes: aposta no mercado das praças de alimentação dos shoppings ( Divulgação)

O baixista, violonista e cantor Caio Hernandes: aposta no mercado das praças de alimentação dos shoppings ( Divulgação)

Numa época em que aspirantes a artistas parecem buscar fama a qualquer custo, surpreende encontrar músicos que procuram apenas fazer seu trabalho em troca de um cachê relativamente justo. Aplausos e atenção são sempre muito bem-vindos, claro, mas aqui são regalias pontuais nas cerca de três horas de apresentação. Bonificações incertas e imprevisíveis que ajudam a alegrar aquela tarde/noite qualquer. “Minha única função é proporcionar um dia agradável a quem estiver passando. Devo entender que sou uma música ao vivo ambiente, e não que estou ali fazendo meu show”, resume Carlinhos Nanni, cantor, violonista e compositor há mais de três décadas.   O músico não se lembra da primeira vez que tocou em um shopping center, local que serve de palco para muitos artistas de qualidade. Afinal, já se vão pelo menos 15 anos alegrando a vida de quem decidiu sair de casa para se aventurar em um dos lugares de lazer mais disputados pelos brasileiros. Mesmo assim, ele afirma que o entusiasmo em dar o tom do dia para pessoas de todas as idades, raças, crenças e culturas que passam pelos famosos centros comerciais continua o mesmo.   “Eu tenho uma banda de baile, faço shows em eventos, casamentos, mas voz e violão é algo que me agrada muito. Por isso, cantar em shopping me dá prazer, porque, apesar de ter que pensar o tempo todo naquele enorme fluxo de pessoas, é como se fosse um momento para mim também”, diz Carlinhos, que pode ser visto na região, principalmente no Campinas Shopping.   Letícia Nicolielo, cantora, compositora, violonista e professora de música, sente a mesma coisa. Há dez anos trabalhando em shoppings, como o Jaraguá Conceição, no Centro de Campinas, e o Jaraguá de Indaiatuba, ela diz que o lugar onde se sente mais livre é justamente numa praça de alimentação. “Eu foco no que eu gosto. Músicas que muitas vezes os bares nos proíbem de fazer, como samba e bossa nova, eu coloco nas minhas apresentações em shopping. Até canções autorais eu consigo fazer. Poucas, mas dá. Afinal, são três horas de música”, lembra.   Mesmo assim, afirma a musicista, o shopping é o único lugar em que as pessoas claramente não estão ali para te ver tocar. “É diferente de um bar, de um show, de um evento. As pessoas podem até pedir para você cantar alguma canção, mas comem, bebem, conversam e vão embora. Ninguém vai te aplaudir. Quando acontece, surpreende e deixa feliz.”   E essa enorme rotatividade dos shoppings, além do tempo exigido para ficar na praça de alimentação, pede de Carlinhos, Letícia e de todos os músicos que também ganham a vida tocando nos centros de compras, um repertório amplo e variado. “A particularidade de se tocar em shopping é justamente não ter um público específico”, diz o baixista, violonista e cantor Caio Hernandes. “Pode até existir pessoas que estão ali para te ouvir, mas muitas delas foram comprar sapatos, almoçar ou mesmo ir ao cinema e, sem esperar qualquer coisa, se depararam com o seu trabalho. Sempre digo que é fácil montar um repertório para shopping porque, indiferente da música que tiver tocando, vai sempre agradar alguém.”   A experiência de Caio em shoppings é recente: começou a tocar, principalmente no Campinas Shopping, no segundo semestre do ano passado. “Tenho 15 anos de estrada, mas como sou baixista, já toquei em muitas bandas, formaturas, casamentos. Passei a me dedicar à carreira solo há apenas dois anos e acabou surgindo a possibilidade de tocar em shopping.”   Caio gosta de rock, MPB e pop, estilos que prioriza em shows em barzinhos, por exemplo. Mas em shoppings, ele afirma que precisa ter a mente aberta. “Sempre tem gente que pede alguma canção, e quase sempre é sertanejo. São músicas que não estão no meu repertório principal, mas que aprendi a fazer especificamente para esse trabalho, porque o povo gosta.” Estilos   Letícia, por outro lado, é mais rigorosa na hora de aceitar um pedido. Amante de MPB, bossa nova “e até pop”, diz que se alguém pede sertanejo — “e sempre pedem” — ela, com muito jogo de cintura, explica que o estilo não faz parte de seu repertório. “Não entro em sertanejo, pagode, porque não condiz com meu trabalho. Não faço nem em aniversário, e se alguém exige, eu indico quem faça. Eu acho que se todo mundo fizer tudo, fica muito igual e você não põe seu nome ali, as pessoas não vão te guardar. Mesmo sendo um complemento do ambiente, preciso deixar minha marca, mostrar meu diferencial. Então eu sempre digo para a pessoa fazer outro pedido, tento agradar, e sempre tem uma música que a pessoa quer que eu consigo fazer.”

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