LALÁ RUIZ

Toca Motorhead!

Lalá Ruiz
11/04/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 20:56

Era 1991. O The Cult faria seu primeiro show no Brasil. Eu, como fã da banda, tratei de arrumar um jeito de ir à apresentação no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Fiquei sabendo de uma excursão organizada por um tal de Xandão. Entrei em contato e reservei meu ingresso e vaga no busão. De todos os que estavam lá, só conhecia o Leonardo, dono da extinta loja de discos 220 Volts, que ficava no Centro de Campinas, e sua namorada na época (da qual não me lembro o nome). Mas, no meio daquela horda da roqueiros calibrados a destilados baratos, fiz amizade com dois carinhas inesquecíveis. Fernando e Júnior exalavam um tipo de camaradagem que só se conquista após anos e anos de convivência. E eram muito engraçados. Mesmo. Tipo Didi e Dedé, Mussum e Zacarias, Cheech e Chong. Um completava o outro: Fernando começava a piada, Júnior terminava e vice-versa. Nessa excursão em particular, eles passaram a viagem de Campinas a São Paulo dizendo que estavam no ônibus só para aproveitar a carona já que não iriam ao show do The Cult, mas sim “ao cinema”. Na volta, eles ficaram o tempo todo conversando sobre como “o filme” tinha sido bom... Sei que esse meu relato simplista é meio sem graça, mas o “ocorrido” foi bem divertido, eu garanto.A partir daí, sempre nos esbarrávamos em shows, no extinto bar Ilustrada e, claro, em excursões para grandes eventos em São Paulo. Entre essas viagens, uma foi realmente memorável: novamente sob a organização do Xandão, fomos ao Hollywood Rock, em 1992, assistir às apresentações de Barão Vermelho, Extreme e Skid Row. E, mais uma vez, a dupla Fernando e Júnior roubou a cena, não apenas entre os companheiros de busão, mas principalmente na arquibancada do Estádio do Pacaembu. Explico: o Skid Row estava no auge, seria a principal atração da noite e seu vocalista bonitão levava as adolescentes à loucura. Assim, havia muitos pais acompanhando suas filhotas. E as piadas dos dois amigos chamavam mais a atenção dos coroas do que as madeixas loiras do cantor Sebastian Bach. “Mas, não é o Beethoven que vai tocar?”, brincava Júnior, com sua risada que por si só era uma (boa) piada.Os anos foram se passando, ainda continuávamos a nos esbarrar por Campinas, sem a frequência de outros tempos. Faz parte da vida, cada um toma seu rumo. Fernando estudou Direito e de vez em quando aparecia aqui no jornal, mas acabei perdendo o contato com ele. Já Júnior virou chef de cozinha e chegou a ser personagem de uma reportagem no extinto Diário do Povo sobre um restaurante de Campinas que mantinha na cozinha músicos de diferentes estilos no comando dos fogões (sim, além de cozinheiro, Júnior tocava baixo numa banda de rock). Volta e meia, o encontrava no Delta Blues Bar.Porém, uma das passagens históricas dele por esse templo da boa música em Campinas ocorreu quando eu não estava lá. Numa noite já um tanto distante, meu irmão Affonso foi ao Delta assistir ao show da banda paulistana de blues Caça-Níqueis. Na manhã seguinte, ele me contou, animado, que tinha encontrado o Júnior por lá. Segundo Affonso, durante todo o show Júnior ficou “trollando” o trio (que era da pesada) ao gritar, nos intervalos entre uma música e outra, “toca Motorhead!”. Ao final, lá no bis, contou meu irmão, o vocalista se virou para o Júnior, disse “essa é pra você!” e a banda atacou de Ace of Spades, o grande clássico do grupo britânico de rock comandado pelo baixista Lemmy Kilmister. O bar veio abaixo...Nesses tempos de redes sociais, me encontrava com o Júnior mais no mundo virtual do que no real. Virei sua seguidora no Twitter, trocávamos vídeos e piadas pelo Facebook e assim fomos mantendo contato. Até a semana passada. Na última quinta-feira, Osvaldo dos Santos Júnior, 44 anos, deixou esse mundo. Seu coração não aguentou tanto bom humor e amor ao rock and roll. Segundo um amigo em comum, o jornalista Sidnei Flaibam, ele teve um enfarte fulminante em casa. Descanse em paz, amigo, e aceite essa humilde homenagem...P.S.: Ah! Se encontrar o Xandão nessa outra esfera da vida, mande lembranças. Sim, o Xandão, aquele das excursões, também não está mais por aqui. Morreu em um acidente de trânsito há alguns, na Avenida Andrade Neves...

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