Reviravoltas surpreendentes e toques de comédia dão o tom do espetáculo
Erom Cordeiro (esq.) e Marcos Caruso em cena de "Em Nome do Jogo" (Divulgação)
O título original do texto escrito em 1970 por Anthony Shaffer (1926-2001) é "Sleuth", que significa detetive, mas o nome dado à versão nacional para esse brilhante thriller policial resume melhor a relação de gato e rato entre dois homens que tem em comum uma mesma mulher.
"Em Nome do Jogo", em cartaz no Teatro Iguatemi Campinas de hoje a domingo, inaugurando o tablado da nova casa de espetáculos, une uma comédia inteligente ao clima de tensão exigido pelo gênero, com reviravoltas perigosas, mas tão bem estruturadas que tentamos entender do começo ao fim o que é realidade e o que não passa de arriscadas brincadeiras de adultos carregadas de recalque.
O enredo é simples: um renomado escritor de romances policiais, Andrew Wyke, decide convidar para um drinque em casa o cabeleireiro Milo Tindolini, o amante de sua mulher — que está viajando. Marcos Caruso dá vida ao autor metido a investigador, e Erom Cordeiro é o jovem sedutor que roubou a mulher que Wyke pode não amar, mas que ainda, segundo suas palavras, pertence a ele.
A princípio, tende-se a pensar que esse encontro não passa de um acerto de contas de um marido traído, pretendendo afastar o bonitão, tão diferente cultural e socialmente, do seu confortável terreno. Mas estamos falando de dois personagens muito bem desenhados, apoiados em um texto magistral que não permite que os diálogos caiam em uma simples discussão sobre o relacionamento de ambos com a Sra. Marguerite.
O convite tem um propósito: Wyke quer fazer uma proposta milionária a Tindolini, que permitirá que ambos saiam felizes dessa complicada confusão, visto que o dono da ideia também tem seu relacionamento extraconjugal.
Como o escritor avisa ao cabeleireiro, Marguerite é cara, e o jovem não terá condições de dar a vida que ela certamente irá exigir no futuro. Ou seja, sua única opção para o sucesso com ela é aceitar o plano.
Caruso é exímio em criar recursos expressivos que prendem a atenção do espectador. Seja em um delicado dedilhar na mesa, a forma de manusear um manequim ou seus livros na estante, ou mesmo risadas bem cínicas, os trejeitos são detalhes que transformam sua interpretação em algo surreal.
Mas isso é visto apenas na primeira metade da peça. Aliás, durante a aula de Caruso, Cordeiro parece um deslocado em cena, entregando um amante tão óbvio e tolo, com falas duras em marcações ensaiadas, que tentamos entender porque alguém como ele divide esse texto tão rico com um ator tão impecável.
A mesma sensação inevitável que exala na peça "Vermelho", quando temos também dois atores em cena, de gerações diferentes, com um poético texto em mãos. No caso, a dupla é formada por Antônio Fagundes e o filho Bruno, que se esforça para tentar acompanhar o ritmo do pai, mas, no final, passa longe do êxito.
"Em Nome do Jogo", porém, tem uma diferença importante: a direção de Gustavo Paso. Aquela interpretação simples, até fraca, de Cordeiro esconde o ardiloso jogador em que o cabeleireiro se transforma na metade final do espetáculo, iniciada com a chegada do caricato e duvidoso detetive Doppler na casa de Wyke.
Por tratar-se de uma trama policial, é melhor não revelar muitos detalhes para não comprometer o delicioso suspense da peça. Entretanto, conforme nos aprofundamos nesse fatal labirinto, compreendemos que tudo não passa de uma proposital gangorra cênica, em que a veracidade de cada personagem precisa, necessariamente, da fragilidade do companheiro. Diferentemente de "Vermelho", não se trata de uma má atuação, pois é aí que vemos Cordeiro brilhar em cena, em uma transmutação digna da força do texto, mostrando que todos os desfechos que circulam pela nossa mente a cada novo jogo são simples demais para esses dois aventureiros.
Só o que queremos saber, no final, é quem sairá melhor nessa roleta: o experiente e acostumado jogador, mestre em desafiar — e vencer — os mais intelectuais adversários, ou o novato que tem a seu favor um viciado oponente que jamais esperaria encontrar alguém a sua altura? Não importa a resposta, estamos diante de uma rara experiência.
Serviço
"Em Nome do Jogo"
Sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 22h
Teatro Iguatemi Campinas, avenida Iguatemi, 777, Vila Brandina, telefone: (19) 3294-3166
R$ 70,00; ingressos podem ser adquiridos pelo site www.ingresso.com ou na bilheteria do teatro