ENTREVISTA

Tem que começar e terminar bem

Foco na segurança: para produtor, a organização de eventos é algo sério e deve ser profissional para evitar que tragédias como a de Santa Maria se repitam

Eduardo Gregori
16/06/2013 às 05:23.
Atualizado em 25/04/2022 às 12:16

A tragédia em uma casa noturna em Santa Maria (RS) é um marco dramático na recente história brasileira. A morte de mais de 240 jovens em um incêndio na boate Kiss culminou em uma série de blitze em estabelecimentos do tipo em todo o País. Prefeituras decretaram o encerramento de atividades de muitos deles e outros só reabriram após passar por uma rigorosa adequação que, de fato, garantisse a segurança do público. O produtor de festas e eventos Paulo Lochi há cinco anos promove festas para o público jovem de Campinas e acompanhou com tristeza o desenrolar do drama no Rio Grande do Sul. “Infelizmente, nesse ramo atuam pessoas que não são profissionais. Muitas colocam o lucro acima de tudo. Para mim, um evento de sucesso é aquele que começa e termina bem”, avalia.

As incertezas que se instalaram para os empresários do entretenimento desde a tragédia não impediram a continuidade da Garden Pool Party, uma das maiores festas eletrônicas do Interior paulista, promovida por Lochi e que tem hoje, a partir das 13h, mais uma edição no Solar das Andorinhas. “Nunca tive problema com alvará. É caro pagar impostos e contratar serviços de segurança, mas consigo chegar em casa após cada edição, deitar minha cabeça no travesseiro e dormir com tranquilidade”, garante.

Metrópole – O que te levou a trabalhar com eventos?

Paulo Lochi – Sempre gostei de frequentar festas, mas nunca pensei em fazer delas o meu trabalho. Tenho um grande amigo que costumava produzir eventos e me convidava para participar. Eu era gerente administrativo de uma empresa, estava em uma carreira ascendente. Fugia porque achava que não era o meu perfil, mas, no fundo, depois de ir a tantas, passei a observar os detalhes e a entender como funcionam ou quando não funcionam. Desenvolvi um senso crítico sobre elas. Foi aí que não resisti às investidas do meu amigo e decidi ajudá-lo em um evento. Gostei tanto que resolvi entrar para o ramo. Hoje, tenho cinco anos de carreira como produtor e estou na minha melhor fase.

Como você avalia um evento de sucesso?

Para mim, um evento de sucesso é aquele que começa e termina bem. Você não pode pensar em uma festa apenas do ponto de vista financeiro. Infelizmente, nesse ramo atuam pessoas que não são profissionais. Muitas colocam o lucro acima de tudo. Evento, principalmente para quem está começando, é um investimento a longo prazo. Quando comprei o nome Garden, tinha um público de pouco mais de mil pessoas. Hoje, são quatro mil. Isso é fruto de um investimento planejado. No Brasil, os encargos e a burocracia atravancam a realização de grandes festas, por isso, muitas pessoas não conseguem e algumas que tentam ir em frente deixam de lado questões imprescindíveis como a segurança.

E o que faz de uma festa um sucesso?

Atrações que captem o interesse do público. Ou seja, bons DJs e cantores, comida e bebida de qualidade. Acima de tudo, uma festa de sucesso tem que cumprir todas as exigências das autoridades. É preciso também oferecer boa estrutura, qualidade de sonorização e um staff que trabalhe acreditando no seu projeto.

E a questão burocrática?

Você não tem que discutir, mas cumprir. Nunca tive problema com alvará justamente por isso. Nos eventos que realizo, peço a inspeção do Corpo de Bombeiros e mantemos UTI móvel. Também sempre procurei realizar a Garden em ambientes abertos e durante o dia. Além de ir de encontro com a filosofia da festa, é um risco muito menor, pois o público não está confinado em um espaço fechado e, no caso de um incidente, há sinalização para que saia do complexo em segurança e, se necessário, seja atendido imediatamente por paramédicos. É caro pagar impostos e contratar serviços de segurança, mas consigo chegar em casa após cada edição, deitar minha cabeça no travesseiro e dormir com tranquilidade.

E a relação com fornecedores e terceirizados?

Eu não faço nada sem contrato. Cada proposta que recebo, cada fornecedor, tudo que me chega às mãos e que eu acredite que possa ser agregado à festa, passo para análise do departamento jurídico. Tem gente que acredita que fazer evento é “oba oba” e não é. É coisa muito séria e profissional.

Festas eletrônicas são sinônimo de uso de drogas. Como você lida com isso?

Não posso impedir que alguém consuma drogas. O trabalho que fazemos, em parceria com a Polícia Federal, é revistar as pessoas que entram no evento. Se são flagradas com drogas não permitimos a entrada até que descartem o entorpecente. Durante a festa os seguranças monitoram e, se encontram algo, deixam para a pessoa escolher entre ser convidada a se retirar ou descartar a droga. Tenho uma equipe de seguranças que frequentemente faz cursos de reciclagem específicos para esse tipo de abordagem.

Em eventos tão grandes é fácil perder o controle?

Sim, mas para quem não está preparado. Meu caminho foi outro porque nunca dei um passo maior do que a perna. Comecei com festas menores e fui crescendo. Para que um evento de grande porte não escape do controle, ele precisa ser formatado e pré-produzido muito antes. Nos dias que o antecedem, você tem de se preocupar apenas com os detalhes finais, não com o todo. Aí é só gerenciar a equipe e o evento em si.

E você aproveita todos os eventos que promove?

Nos dias que antecedem a festa eu não durmo. Não pela preocupação de ter esquecido algo importante, mas pela ansiedade de que as pessoas se interessem e compareçam. Que se divirtam, que falem bem para os amigos e que o próximo seja ainda mais incrível.

Há algum momento em que você se divirta?

Claro. Passo o dia cuidando dos detalhes e vou à festa como profissional, de olho em tudo, não deixando escapar nada sob meu crivo. No começo da noite, quando a festa se aproxima do final, eu relaxo. Tomo um banho, troco de roupa e observo do ponto de vista do cliente. Se eu estiver curtindo e vendo pessoas se divertindo é porque acredito que tenha sido um sucesso.

Você acredita que tragédias como a da boate Kiss ainda possam acontecer no Brasil?

Apesar do esforço das autoridades, sempre há quem pense ser capaz de burlar regras, mesmo em detrimento da segurança. Enquanto existirem pessoas com esse tipo de pensamento, tragédias como a de Santa Maria serão sempre uma ameaça possível.

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