Profissionais de várias idades e diferentes ocupações conciliam suas carreiras com as agulhas de crochê e tricô
Basta uma linha e uma agulha para que vários pontos se transformem em bolsas, gorros, chocalhos, bichinhos que ganham vida e personalidade nas mãos dos pequenos ou mesmo dos mais crescidinhos. E assim nascem muitas histórias de pessoas que se dedicam à arte de crochetar, seja por hobby ou por profissão. Muito mais do que exercitar as mãos e a criatividade, o ato de trançar fios e agulhas vai tecendo histórias, promovendo encontros e reencontros, fortalecendo laços, criando amizades que se expandem, desfazendo paradigmas. Cada dia mais pesquisas têm apontado que o trabalho manual é uma excelente terapia. E, pode acreditar, tem muita gente comprovando isso, na prática. Esqueça a ideia de que crochê, tricô, costura é coisa das nossas mães ou avós, ou daquelas cenas de desenho ou filme das senhorinhas de cabelo branco sentadas na cadeira de balanço com a agulha nas mãos. Pessoas de todas as idades e de diferentes profissões têm se dedicado a essa arte. Muitos até deixam carreiras sólidas para viver da arte de fazer algo que toca seu coração. A professora de português e economista Débora Alves, 45 anos, conta que sua história com o crochê começou aos 10 anos, quando passava férias na casa de sua avó em Ubatuba. “Eu ficava fascinada ao vê-la tecer e transformar os fios fininhos em peças lindas e rendadas. Quando ela começou a me ensinar eu achei que não conseguiria fazer os pontos com perfeição, mas depois fui melhorando e me arriscando até me especializar em bolsas”, conta. Ela lembra que quando começou a dar os cursos de crochê percebeu não estar sozinha. “Vi que muitas mulheres, sem notar, usavam o crochê como ferramenta de autorresgate, revelavam sentimentos e ideias que não conseguiam – ou não podiam – expressar de outra maneira. Percebi que tecendo as peças, criando bolsas, eu me reconectava comigo mesma, com meu feminino, e conseguia me expressar e dar vazão a algo que era constantemente abafado pelo acúmulo de tarefas. Vejo o crochê como uma terapia, como um momento de relaxamento, de lazer, de me reconectar comigo mesma”, diz. Como esse lado feminino está em conexão e muito presente no projeto de Débora, suas bolsas ganham nomes de mulheres fortes que fizeram a diferença na humanidade, entre elas, Anastácia, Emily Dickinson, Marie Curie e outras. Para se ter uma ideia do interesse dela nesta arte, Débora acumula 92.500 seguidores em seu canal do youtube e dá aulas presenciais por todo o Brasil. Virou profissão Fabiana Lima, 39 anos, trabalhava com marketing quando começou a aprender a fazer crochê com a mãe na infância. Adulta, resolveu retomar a atividade. “O objetivo era relaxar, mas quando engravidou resolveu fazer toquinhas para o filho Gael. Fez tanto sucesso que começou a receber encomendas e quando começou a fazer o amigorumis (técnica japonesa para criar pequenos bonecos de crochê ou tricô) se encontrou. “Fico emocionada com cada brinquedo que faço, acredito que minhas peças personalizadas incentivam o afeto. Sinto o trabalho muito vivo”, disse. Do mundo virtual para o real Priscila Horta Rodrigues, 32 anos, foi atraída mais recentemente e começou a crochetar em outubro do ano passado. Ela trabalha com segurança de informação e por recomendação da mãe que achava que ela estava vivendo muito no mundo virtual começou a fazer aulas com Fabiana. “O crochê é maravilhoso, pois traz um sentimento de aconchego. O fazer e desfazer trabalha tanta coisa dentro da gente. Eu antes não tinha muitas amigas mulheres e hoje temos uma rede de conexão incrível. Foi uma descoberta para mim que envolve se descobrir e valorizar tantas outras coisas”, conta. A mudança contagiou toda a família. “Eu não fazia para vender, mas minhas sobrinhas se encantaram tanto e se orgulham de ter uma peça exclusiva, amigos começaram a encomendar minhas peças. Junto com cada peça vai tanto carinho, a transformação do fio em bolsas, brinquedos é mágica”, revela. Homens também crochetam Quem diz que fazer crochê é coisa de mulher, está por fora. Urian Luis Carneiro Honesko, 34 anos, conta que aprendeu a fazer crochê aos 12 anos com a mãe. “Na época ela me ensinou o crochê, o tricotim e um pouco de tricô também”, lembra. Há 13 anos eles resolveram criar um projeto social na empresa de energia elétrica em que ele trabalha. “Nesse projeto fazemos muitas peças em crochê e tricô para pessoas carentes (asilos, albergues, maternidades, etc). Confeccionamos peças como mantas, gorros, cachecóis, xales, meias e distribuímos”, destaca. Há aproximadamente dois anos o artesanato passou de hobby a negócio e hoje constitui parte considerável da renda familiar de Urian. “Eu trabalho com encomendas de amigurumis, que acabou virando meu nicho. Além das encomendas, tenho um conteúdo no Instagram direcionado para o público do artesanato, onde faço lives semanais com assuntos de empreendedorismo e novidades no mundo craft”, conta. Urian relata que o artesanato representa uma maneira dele conseguir tocar o mundo. “Ele me proporciona além da renda financeira, também um meio de ajudar as pessoas por meio de projetos sociais e a fortalecer outras pessoas para desenvolver seus negócios criativos e valorizando a arte manual”, explica. Sobre preconceito por ser homem fazendo uma arte que até então era vista para o público feminino Urian conta que até um ano atrás tinha vergonha de fazer crochê em público, mas mudou. “Aos poucos eu comecei a fazer crochê em público. Hoje, onde eu estiver e se tiver que ficar parado, nem que seja por cinco minutos, certeza que você vai me ver com uma agulha e linha na mão. Posso te garantir que tenho muito orgulho disso”, diz.