Aluno da Unicamp é finalista em concurso de composição musical na Itália, com melodia de Hermeto Pascoal
A intuição, somada ao talento musical, levaram o violonista carioca Renato Sarmento, de 31 anos, a figurar entre os três finalistas no VI Concurso de Composição da Foundation Franz Liszt, em Turin, na Itália. Graduado em composição, e estudante do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, o músico teve a peça de sua autoria intitulada Variações sobre um tema de Hermeto Pascoal – 04 de maio de 1997 selecionada. No próximo dia 24, a composição será apresentada na Festa del Paradiso, em Turin. As três peças selecionadas serão gravadas ao vivo, por intérpretes convidados do festival, e apreciadas por júri popular. De acordo com Sarmento, sua criação é fruto de um tema escolhido entre os 366 rascunhos de músicas do livro Calendário do Som, publicado pelo compositor e multi-instrumentista alagoano, Hermeto Pascoal, em 2000. Nele, Hermeto escreveu uma música por dia, durante um ano, em homenagem ao ano bissexto. “Peguei um tema destes rascunhos, que não estavam prontos, e fiz um arranjo, a partir de elementos do tema do Hermeto. Compus quatro variações que se transformaram nesta música”, conta o estudante. “Além disso, ele liberou todo o livro de direito autoral e fez questão de não gravar nenhuma. Foi um presente para os músicos, creio eu”, diz Sarmento, que acabou encantado pela música 04 de maio de 1997, para a no qual fez um arranjo para violão. Há um prêmio para o primeiro lugar, porém este não foi divulgado. Recentemente, o estudante recebeu apoio financeiro da Unicamp para comparecer ao evento, o que demonstra o prestígio da Fondation Franz Liszt, e também a importância de um evento deste porte. “Senti-me surpreso e lisonjeado com a repercussão. Será um prazer e uma honra representar a Unicamp num evento de tamanha importância para as artes”, comenta o aluno. “Creio que as obras de arte não têm um dono, o criador é o veículo de algo que já existe e através da arte é expressada a conexão com o sublime. Eu tinha essa sensação com relação a essa peça, e isso veio para confirmar minha intuição”, revela.Trajetória A paixão pela música entrou na vida de Sarmento ainda na adolescência. O primeiro instrumento dele foi aos 16 anos, quando encontrou um violão empoeirado no armário e começou a arranhar as primeiras notas. Mudou-se para Rio Claro, interior de São Paulo, para cursar Ecologia na UNESP. Lá começou a se envolver com o choro e conheceu seu mestre: o maestro Pedro Cameron, com quem já estuda há dez anos. A partir daí, resolveu mergulhar de fato no violão clássico. Trabalhou com a música popular em projetos de samba, choro, marchas e gafieira. Participa também do grupo Camerata de Violões de Campinas, com um CD lançado este ano. “Como compositor ainda estou me descobrindo”, diz humildemente. Em 2016, ingressou no curso de bacharelado em composição, no IA da Unicamp, o qual concluirá em 2020. Já no primeiro ano, cursando a aula da professora Denise Garcia intitulada Iniciação à Composição, ela abordou a técnica composicional 'tema e variações'. “Consiste de um tema que depois é variado e desdobrado de diversas maneiras a partir de elementos do tema principal. É uma técnica estabelecida e que foi explorada pelos grandes mestres da história da música”, explica o estudante. Nesse mesmo período, Sarmento entrou em contato com a publicação do Itaú Cultural do livro Calendário do Som. Logo em seguida, precisou escrever um tema e variações para a disciplina da Unicamp e resolveu aproveitar o mesmo arranjo. Depois de um tempo na gaveta, revisou e finalizou a peça a tempo de ser enviada ao concurso, aberto para violão, piano ou ambos, em formato de música de câmara. “O perfeccionismo permite que uma obra seja revisada durante toda uma vida, mas creio ter chegado num resultado definitivo em 2018, batizando-a de Variações sobre um tema de Hermeto Pascoal - 04/05/1997”, diz Sarmento. Nesse período, chegou a tocá-la algumas vezes em eventos de música e recitais solo, sempre recebendo um retorno muito positivo dos ouvintes. “Soube do concurso e decidi enviar, sem muitas pretensões, afinal jamais havia participado de concurso, sequer nacional, quem dirá internacional, e ainda por cima sequer recebi uma confirmação de recebimento”, recorda. Porém, no final do semestre passado, recebeu a notícia de que a obra havia sido classificada como finalista. “Só depois descobri que havia ocorrido uma seleção prévia de nove peças e destas três foram finalistas”, diz. Para o músico, as dificuldades políticas e econômicas nacionais são os principais entraves ao desenvolvimento da arte e da sociedade como um todo. “Os concursos de criação musical têm sido cada vez mais raros e com grandes dificuldades de financiamento, e estes são incentivos à produção cultural de um país e auxiliam à formação de uma identidade cultural, haja visto os grandes festivais da música brasileira das décadas de 60 e 70. De lá pra cá, o Brasil passou de exportador cultural para, cada vez mais, importador e consumidor da cultura estrangeira. Em contrapartida, os países estrangeiros tendem a dar grande valor à produção cultural, não só local, como estrangeira”, comenta. Para ele, as honrarias têm sido muito mais agraciadas quando conquistadas fora do País do que internamente, “um certo complexo de vira-lata que nos aflige”. Tudo isto para dizer que é da maior importância toda a participação que agregue valor à produção cultural nacional. “Os concursos são ferramentas de fomento a novos artistas para se inserirem no mercado e trazerem maior visibilidade ao que há de mais novo em termos de arte contemporânea. Por isto, creio que quanto maior a participação em tais concursos, tanto nacionais quanto internacionais, maior será o interesse pelas novas artes e pelo incremento da capacidade cultural da sociedade, o que pode levar a um redirecionamento para um caminho que traga mais educação e cultura a todos”, completa. De acordo com o músico, está em voga, atualmente, a discussão no tocante ao financiamento público, o qual considera de maior importância devido à iniciativa privada voltar seus esforços para o entretenimento mercadológico direcionado às massas. “Isso nos leva a uma posição desconfortável culturalmente falando”, diz. Tanto o CD que gravou junto com o grupo Camerata de Violões de Campinas, quanto ao comparecimento ao evento, se devem ao financiamento público. “Não apenas isso, mas a grande parte da produção cultural atualmente se deve às políticas de fomento à cultura”, conclui.