Comer&Beber

Subindo sem tirar os pés do chão

Sangue novo: Chico Farah, do renomado Eñe, de São Paulo, honra a modernidade da cozinha espanhola, sem virar as costas para o valor dos ingredientes puros e a autenticidade dos fornecedores locais

Érica Araium
16/10/2012 às 08:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 20:21

Aos 25 anos, Francisco Farah prefere ser chamado de Chico. Tão simples quanto o apelido é a postura do chef, mesmo frente ao início do ápice. É ele, considerado promissor, o executivo à frente das brigadas do renomado espanhol Eñe, dos gêmeos Sérgio e Javier Torres – expoentes da nova cozinha espanhola e do Dos Cielos, de Barcelona. “Mas é bom lembrar que comecei como estagiário, já atuei como sous chef e que esta é minha segunda passagem pelo restaurante, em cinco anos”, pontua ele. Enquanto o duo se esmera em descobrir novas técnicas e em surpreender o mundo, como espanhois vanguardistas da seara de Ferran Adrià, Martín Berasategui e afins, Chico, no esteio, também foge do óbvio. Brasileiro eufemista, no entanto, tem flertado com fornecedores locais.

Está de olho, por exemplo, nos nossos queijos e queijeiros, coisa que aprendeu a valorizar com o pessoal da Casa da Li, misto de rotisserie e restaurante onde a cozinheira Eliane André executa receitas caseiras bem temperadas. “Descobri que há queijos maravilhosos no interior de Minas Gerais, feitos por verdadeiros artesãos da gastronomia, e já penso em empregá-los para valer. Um dos fornecedores da Li me deu esse toque e fiquei fascinado com as coisas que ele consegue. Há ainda os mexilhões do Litoral Norte, os orgânicos da Família Orgânica, que ainda não consigo utilizar, mas aplaudo.”

Nesse ponto, entrega que vive no encalço do sabor de “comida de verdade” a ponto de preferir os ovos caipiras que vêm de Promissão, no Interior do Estado de São Paulo, para as preparações do restô. “Os Torres já faziam isso de valorizar os ingredientes brasileiros no Eñe. Mas eu estou puxando a cozinha mais ainda para o que é nosso. Tem coisas que são tipicamente espanholas e das quais não abro mão, como o jamón, o arroz da paella...”, enumerou mostrando uma páprica defumada, da região de Navarra, minutos antes de começar sua aula-show para convidados, na 4ª edição do Galleria Gourmet, no Galleria Shopping, em setembro. E seguiu defendendo o que pensa.

“Compreendo e valorizo a cozinha vanguardista, molecular. Mas, antes, sou defensor do ingrediente fresco, minimamente manipulado. Venho de uma formação clássica, dura, exigente. E, ao mesmo tempo, adoro a comida de bar, a simplicidade. Comida não é magia. É paixão, técnica, treino e prática.”

Vale lembrar que, na edição 2011 do Gastronomika de San Sebástian (a edição deste ano, que homenageou a França, acaba de acabar, aliás), os espanhóis como que passaram o bastão aos brasileiros, provocando-os a exaltar a nossa cozinha nacional – coisa que Atala e sua trupe, crescente, têm feito direitinho, como previsto pelos catalões. À época, Pedro Subijana, do triestrelado Akelarre, aliás, disse da importância da insistência, do trabalho árduo para que se promova a repercussão da gastronomia de um país. Tal aprendiz dedicado, Farah, que já trabalhou com o bamba lá mesmo, em solo basco, decorou o discurso.

“Brasil e Peru, sobretudo, estão com tudo. O que Alex conseguiu esse ano (4ª posição no ranking dos melhores restaurantes, segundo a revista britânica Restaurant) foi bom para todo mundo. Os cozinheiros estão se unindo e é assim que iremos além”, observou. Entre os cozinheiros com os quais proseia vez em quando (nos raros respiros, diz que foge de tudo), aponta a mexicana “guisandeira” Lourdes Hernández Fuentes, Maria Beatriz Périssé (do La Casserole, tradicional restô francês paulistano), Thiago Miguel (do novinho Beato e que já foi braço direito do chef Pascal Valero no Kaá).

Que escola fez esse cozinheiro em ascensão? Nomes influentes já vieram à tona – vide irmãos Torres, Berasategui, Subijana. Mas Farah lembra que começou a se interessar pela gastronomia bem cedo, de um jeito autodidata e questionador.

Natural de Araçatuba, interior do Estado, conta que passou parte da vida em fazendas. “Meu avô teve açougue durante anos. Gosto de pescar, de caçar. Um dia me dei conta de que a gastronomia era um mercado em crescimento, muito interessante. Vi potencial”, explica o chef.

No meio do ensino médio, foi estudar fora do país e, no regresso, cursou administração e cozinha internacional, ao mesmo tempo. O primeiro contato com gastronomia foi no Eñe e durou dois anos, algo que lhe deu cacife para passar uma temporada na Espanha ao lado de Pedro Subijana, do Akelarre, e Martín Berasategui, ambos chefs triestrelados no Guia Michelin.

“Aprendi muito com Berasategui isso de valorizar o que é local. No restaurante dele, o pescador, muito simples, chegava de bicicleta com um saquinho cheio de lulas vivas que acabara de pescar. Os moradores do entorno do restaurante, que iam passear nos campos, junto às ovelhas, levavam cogumelos frescos. O açougueiro do chef escolhia peças da Galícia.

Era desses fornecedores que o chef comprava parte dos produtos. Claro que as ostras e a manteiga eram francesas, mas o país vizinho distava poucos quilômetros dali”, pondera olhando atento para o próprio terroir, gigantesco.

Na volta ao Brasil, as portas do Eñe se abriram ao sous chef, que assumiu o porto de executivo no ano passado. Da experiência com os irmãos Torres, destaca a dedicação à pesquisa, a busca por novos métodos de cozimento. Foram os espanhóis que inventaram, por exemplo, a Gastrovac, máquina compacta que permite cozinhar a vácuo, em baixa pressão, nas diferentes técnicas culinárias (cocção, fritura, marinado e impregnação). “Mantém-se as propriedades organolépticas todas e isso é inquestionável”, aponta Farah.

Menu espanhol

“Alta gastronomia e raízes baseada em tapas: essa é a proposta do Restaurante Eñe”, como anuncia o site do restô. Do menu representativo, Farah pinçou três carros-chefes para ensinar aos comensais campineiros durante o encontro no G alleria Gourmet: ostra em pérola vermelha (tomates cereja), arroz negro meloso (espécie de risoto, com tinta de lula) com camarões, lula e um leve toque de alho e crema catalana (versão espanhola - e mais delicada, quase nuvem - ou releitura do primo francê, brûlée).

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