Sorria você está sendo filmado ( Divulgação )
Impossível ver Sorria, você está sendo Filmado (Brasil, 2014), de Daniel Filho, sem compará-lo com Morte de um Homem nos Bálcãs (2012), do sérvio Miroslav Momcilovic, seu direto inspirador – na verdade, remake com algumas mudanças. Em quase tudo (direção de arte, iluminação, personagens, roteiro, com poucas variações, e formato) os dois são o mesmo filme. Com uma sutil, mas fundamental, diferença: a abordagem.
A ideia do sérvio é ótima e eficaz. Músico (no Brasil virou roteirista de humor de TV) se suicida diante de uma câmera na sala do apartamento onde mora. E quando o síndico e a mulher (o brasileiro coloca síndico e porteiro) chegam a câmera continuará ligada e gravará os acontecimentos da sala.
Parece teatro, pois há um único plano estático focalizando a sala e, como num palco, atores entram e saem; neste caso, em cinco direções: porta da frente, lateral à esquerda, janela (à direita) e cozinha e banheiro (ao lado da porta de entrada).
Mas não é teatro. Apesar de a câmera sem movimentos representar a plateia que assiste a um espetáculo, por trás dela está a plateia real – a do cinema. E, o mais importante: a história não permite deslocamento do cenário, pois se passa em tempo real diante de nós, não no palco, mas na sala e reúne síndico, polícia, fotógrafo, para-médicos, agente funerário etc.
E o diretor imprime ritmo dinâmico, tom realista e série de fatos que impõe ação o tempo todo. Some-se o som ambiente que vem da rua (crianças brincando, alarme, buzina, música) e elementos outros que injetam novidades à narrativa, de modo que praticamente esquecemos o formato.
Mas vejamos a diferença de abordagem entre ambos. Enquanto o sérvio, sem dispensar o humor (incluindo o involuntário), trata o assunto grave com parcimônia, o brasileiro usa o deboche e o velho truque da carnavalização.
Ou, como explicar que o porteiro (Lázaro Ramos) se transforme num tipo jocoso que se insinua sexualmente para a mulher, a faxineira (Roberta Rodrigues) diante do morto? Sem moralismos: a cena não cabe, está fora de lugar. Ou que baixe um santo (como na música de João Bosco) na atriz (Susana Vieira) e ela resolva encenar uma peça?
Ou que desarranjo intestinal (que no sérvio é uma cena discreta) se transforme numa das mais constrangedoras sequências do cinema brasileiro recente, protagonizada pelo síndico (Otavio Augusto)? A longa cena é grotesca e indigna, típica de certo tipo de cinema feito no Brasil que ainda aposta na pobreza do escatológico como forma de humor. Quem ri dessa vulgaridade?
E Daniel Filho (bom diretor e ótimo ator) se torna responsável por fazer de Sorria, você está sendo Filmado num quase desastre (se salva por causa da ideia original) porque está mal encenado e com interpretações estereotipadas (compare com a performance simples e eficiente dos sérvios); e a chegada dos policiais transforma a mise-en-scène em apoteose de avenida.
E o brasileiro fecha com uma piada. Boa, porém, incomparável com o belo desfecho do sérvio que homenageia com reverência o compositor morto. Um não teve ambição alguma; outro apostou na existência de algo para muito além do humor fácil. E com um mínimo de elegância.