MOACYR CASTRO

Sons da cidade

29/09/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 01:53

A paranoia domina de vez a cidade de São Paulo. O povo lá, imagine!, já se irrita com o canto dos sabiás! Se o passarinho canta e o homem não gosta, é o homem que está doente. Só débeis e decibéis mentais ouvem sem reclamar propaganda política, camelôs sonegadores e suas muambas sem nota, sirene da polícia, impressora de computador, caminhão de gás e perua de pamonha, toque de telefone, alarmes, música sertanoja, axé, forró, plim-plim, ‘sai capeta!’... Mais? Exibicionistas retardados com seus carros no último volume, depois da primeira cheirada, motos, britadeira, guarda noturno, buzina, rojão... Pergunte a um cachorro se ele gosta de rojão.(Saco de maldades condenáveis: experimente um galo no galho da goiabeira, ao lado da janela do seu quarto, às quatro da matina. E pintinho criado em apartamento? Nem camisinha silencia. Pombos arrulhando na janela? Fácil: encere o parapeito. Para galos e maritacas? Anzol no grão de milho. Não morrem nem cantam mais. Bolinhas de sagu cru esparramadas pelo chão também é ‘bão’ -- para os nossos ouvidos: comem, bebem, a goela estufa e vão cantar em outro cemitério. Apito de caça é ótimo para calar latidos, mas não tenho coragem de ver cachorros de joelhos implorando por um segundo de silêncio, ao menos, pela morte do barulho que só eles ouvem.)Por lembrar-me de apitos, de casa eu ouvia Renato Righetto regendo jogos de basquete, e Giardini, de futebol de salão, no ginásio do ‘Culto à Ciência’. Quem reclamasse do barulho era expulso da quadra, da arquibancada e até de casa. Eram mestres. Como mestres foram Dagmar Sarubi, nas fanfarras dos colégios Cesário Mota, Bandeirantes e Ateneu; Edgard e Lorde Beiçola, nas escolas de samba; e o guarda civil e galã de cinema Sebastião Nascimento, comandando o trânsito na Glicério com Treze de Maio.Ouviam-se barulhinhos menores, mas não menos saborosos ou sonoros, do amolador de facas, do vendedor de biju, dos padeiros e bucheiros. A cantoria da ‘meninada da faquinha’, do Instituto Dom Nery, esgravatando o mato que teimava brotar nas entranhas dos paralelepípedos. Era possível ouvir a quilômetros os sinos da Catedral: ‘dém-golén-gondén, galinha choca, peru também... dooommm’. E as badaladas do seu relógio, que até hoje regem o tempo no Centro da cidade, com a sirene do nosso Correio Popular.Mas nossa marca maior está na origem da vida de grande parte da população desta cidade, que cresceu sob o signo das estradas de ferro. Que o digam moradores da Vila Industrial, do Botafogo, do Bonfim, do Guanabara, cujos pais acordavam na madrugada com o apito e o solavanco das locomotivas da Paulista, da Mogiana, da Funilense ou da Sorocabana. Os trens partiram para sempre e a cidade passou a crescer mais devagar...Pregado no poste: “Roubaram os trilhos; agora, os bondes; amanhã, a caravela... Por que deixam os políticos?”

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por