LALÁ RUIZ

Sobre ser moderno

Lalá Ruiz
lala@rac.com.br
12/09/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 01:55

ig-lala (CEDOC)

Ao contrário de Caetano Veloso, não me alinho com a proposta do grupo Mídia Ninja, cuja sigla significa Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação e cujo trabalho tomou de assalto a internet em meio às manifestações que tomaram as ruas do País em junho. Não me identifico com o modelo jornalismo celular na mão e uma notícia na rede, sem filtro, sem análise. Sou do século passado, como diria o colega João Nunes, ainda prezo a fórmula tradicional de apuração dos fatos, na qual os diferentes lados são ouvidos. Mas, acho importante que esse coletivo exista, afinal, os modelos sacramentados existem para ser desafiados, e a obrigação de questionar, de fazer barulho, de propor coisas novas, é mesmo dos mais jovens. Com base nessa crença, meu palpite é de que Caetano Veloso, que na semana passada visitou a sede da Mídia Ninja e posou para fotos, do alto dos seus 71 anos, mascarado ao estilo dos black blocs, talvez esteja tentando atrair para si um pouco do frescor e da juventude dos narradores independentes. Afinal, não é fácil para um artista veterano se manter moderno nesses tempos em que tudo se renova na velocidade da luz.Porém, tem gente que consegue. E com louvor. Parafraseando o mano baiano, Ney Matogrosso talvez seja a mais completa tradução de modernidade quando o assunto é música popular brasileira. Eu era apenas uma menina quando o Secos & Molhados, grupo do qual o cantor fazia parte ao lado de João Ricardo e Gerson Conrad, se transformou em um fenômeno e cujo disco de estreia soma 40 anos de bons serviços prestados à história da cultura nacional. Fui, junto com milhões de outros fãs, testemunha do final repentino do trio apenas um ano depois do estouro e também do despertar de Ney como artista solo. Hoje, ele poderia muito bem levar a vida a cantar "O Vira" e "Sangue Latino" (sucessos da época do Secos & Molhados) ou a entoar canções como "Homem com H" (de Antonio Barros), "Não Existe Pecado ao Sul do Equador" (de Chico Buarque) ou "Pro Dia Nascer Feliz" (de Cazuza e Roberto Frejat), músicas que o consagraram como um dos mais completos artistas brasileiros. Mas, não. Não o Ney Matogrosso.Aos 72 anos, ele se mostra uma pessoa em sintonia com o que acontece à sua volta. Pude constatar isso no último sábado, ao assistir ao show "Atento aos Sinais", que Ney apresentou no Ginásio Coliseu, em Campinas. Com um repertório impecável e nada óbvio — e que incluiu, inclusive, uma composição de 1977 de Caetano Veloso, "Two Naira Fifty Kobo" —, Ney deu uma aula de como ser moderno e, ao mesmo tempo, fiel às suas raízes. Cantou que todo mundo tem direito à vida ("Rua da Passagem", de Arnaldo Antunes e Lenine), que há fogo nas ruas ("Incêndio", de Pedro Luís), que a revolução tecnológica não tem volta ("Samba do Blackberry", de Rafael Rocha e Alberto Continentino), saudou a inventividade do rapper Criolo ("Freguês da Meia-noite") e a poesia do gaúcho Vitor Ramil ("A Ilusão da Casa" e "Astronauta Lírico"), e ainda nos lembrou da genialidade de Itamar Assumpção, um dos bastiões da chamada Vanguarda Paulistana (movimento musical surgido no final dos anos 70), ao apresentar versões de "Noite Torta", "Isso Não Vai Ficar Assim" e "Fico Louco". E da época dos Secos & Molhados, sacou a linda "Amor" (João Ricardo e João Apolinário), faixa do emblemático disco de estreia do trio. O público, formado por pessoas dos 8 aos 80 anos (algumas com um pouco mais além, me arrisco a dizer), entendeu e aplaudiu. Um exemplo de artista a ser seguido.

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