É assim. Palhaço oferece gargalhadas e o cantor se alimenta do público que se emociona com a interpretação de uma canção. E o jogador de futebol é um tosco dançarino nunca compreendido. Parece fácil receber a bola no peito, dominá-la e acariciá-la com os pés aprisionados dentro de chuteiras, bandagens e tornozeleiras. E o São Paulo do goleiro-artilheiro Rogério Ceni perdeu mais um pênalti — o terceiro consecutivo — provavelmente porque, assim como Ceni (que já havia perdido dois), Jadson também se acha um Mikhail Baryshnikov ou mesmo um Rudolf Nureyev dos estádios e entrou em campo com sapatilhas.Sem dúvida, todos os que entretêm o distinto público são dignos de aplausos e mais ainda o artista que reconhece o momento-limite do seu ofício, o que foi o caso dos bailarinos russos. Mas Rogério Ceni parece que pretende seguir alguma carreira circense, o que o livre-arbítrio, é claro, lhe garante.Mas, enfim, o que acontece depois de finda a obra (o que é negado ao jogador de futebol) é a pincelada que o artista plástico poderá refazer observando os limites da luz e da cor; ou da picardia do palhaço diante da piada fraca e, em cima do momento, acrescentar algo inesperado e provocar o riso que tentara antes. Dois ou três segundos separam o jogador de futebol da glória ou do vexame total. Fará ele dois ou mais gols, mas se o adversário vencer, de nada valerá o esforço.Não há justiça no futebol. E é bom que não tenha. Futebol é apenas a arte do momento, que tem de acontecer tanto numa pelada como em um estádio monumental. E tudo termina e recomeça na próxima disputa. Voltam os jogadores a seus lares, alguns aos bares; vai o técnico pensar se vale a pena sacrificar o esquema ofensivo; e vão os cartolas se embebedar em fartos goles escoceses e decidir o que será da próxima refrega. E o torcedor é o cidadão que sofre com a conquista do agora, pois sabe que o amanhã será do outro a glória do momento. E esse tudo, agora, é o que ele tem para tatuar na memória de uma tarde qualquer da sua existência.Futebol é assim mesmo, amoral e injusto. Digo porque sei dessas dores e prazeres. Na parede lá de casa vive um quadro do artista Elinaldo Meira: um vaso com flores amarelas e não apenas amarelas, pois Arte é. Tudo o que é ruim na vida cotidiana, ali, morre e se esquece. Nos dias bons, o quadro acalma dúvidas existenciais e ali fica, santificado, quase um goleiro a pegar um pênalti.