CECÍLIO ELIAS NETTO

Simplesmente Francisco

Cecílio Elias Netto
15/03/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 00:42

Diz-se ter, o diabo, alguma sabedoria não por ser diabo, mas por ser velho. Venho, nos últimos tempos, pensando muito nisso. E este foi um dos motivos de manter a mesma resposta quando me pediam palpite sobre a eleição do novo papa: “Sei lá eu...” — respondi. E foi o melhor que fiz.Por outro lado, tenho sido, ultimamente, muito cauteloso em relação ao Espírito Santo. Penso que, até mesmo, por uma certa superstição. Como na questão — sem qualquer irreverência — das bruxas: “No creo em brujas, pero que las hay las hay”. Ora, adianta não crer nelas, se elas existem? Meu silêncio em relação ao Espírito Santo sempre teve esse aspecto cauteloso. Se não existir, tudo bem. Mas, se existir, por que brincar com ele?Nesses dias de expectativa, de palpites, de opiniões, de debates em relação ao novo papa, intrigava-me o silêncio a respeito do Espírito Santo, como se ele não participasse do processo. Ora — perguntava-me a mim mesmo, especialmente quando via teólogos e padres discutindo a questão —, se a Igreja diz que o papa é escolhido por inspiração do Espírito Santo, por que tanta discussão, tanta torcida, como se fosse eleição de partidos políticos ou jogo de futebol? Aliás, não estaria, aí — nessa mundanização das coisas — a verdadeira raiz da crise da Igreja e do mundo?E lá me fui apaziguando-me: se nem doutores da Igreja pensaram na ação do Espírito Santo durante o Conclave, por que teria, eu — mísero leigo e pecador — que me preocupar com isso? A eleição no Vaticano foi posta como apenas um outro jogo político, luta pelo poder, conflito entre visões diferentes. No entanto, essa exteriorização não correspondia à ansiedade do povo, à aflição das multidões que oravam e aguardavam. Será que, ainda outra vez, o povo acreditava no mistério e os doutores e teólogos, não? Cauteloso, fiquei à espera, apenas acompanhando. Ora, pode-se dizer, também, que a Igreja é sábia não apenas por ser Igreja, mas por ser velha. Ou não?Pois bem. Quando se anunciou o nome do novo Papa — o cardeal argentino, um azarão —, senti duas reações diferentes mas complementares. A primeira, de quase ofensa, como se minha dignidade de brasileiro tivesse sido atingida pela supremacia argentina. E, imediatamente, pensei em Maradona. Era como se Pelé tivesse sido relegado a um plano inferior. Ao mesmo tempo, porém, percebi algo semelhante a um susto, com um misto de lição e de zombaria: como ficavam os profetas, os anunciadores, os palpiteiros? E — caramba! — ainda mais: não é que o Espírito Santo poderia mesmo ter agido? Volto a insistir: sei lá.De qualquer maneira, esse Conclave me ajudou a refletir, ainda mais, sobre algumas questões que se me vão tornando essenciais. Uma delas é a importância vital da nobreza de sentimentos, da espiritualidade, do belo, da delicadeza e dos refinamentos que engrandecem a alma humana. O povo extasia-se diante do belo e do bom, diante da autoridade generosa e justa, ao passo que se perde e se mediocriza diante da desordem, do caos e das banalidades. As monarquias — e o Vaticano é uma delas — carregam toda essa simbologia por assim dizer esotérica que se torna, também, exotérica. O oculto, ao se revelar, encanta.A figura do monarca — que corre o risco de se confundir com a do tirano — é ancestral, presente no imemorial inconsciente coletivo. O monarca, o rei era — já entre os chineses — o laço entre o Céu, o Homem e a Terra. Acreditou-se quase sempre — e ainda há povos que assim ainda creem — em sua origem divina. Ora, não é o divino que se persegue ao se tentar descobrir um novo Buda? A realeza britânica também crê na destinação divina de seu reinado. E o imperador do tecnológico Japão, que se diz descendente do Deus Sol? São razões de fé semelhantes à de o papa ser um escolhido do Espírito Santo, apesar de tantas falhas no seu eleitorado humano.Surge algo diferente quando o mundo para, aguardando a eleição de um homem, num lugar pequenino como o Vaticano. Por que quase 6 mil jornalistas estariam lá esperando a anunciação? E não é quase o mesmo que ocorre em relação à família real britânica? Basta lembrarmo-nos da morte de Lady Di e do casamento do príncipe William com a plebeia Kate. Na morte, o mundo parou para chorar; nas bodas, para se deslumbrar.Muito já tendo caminhado, sinto, hoje, haver um cansaço de feiúras, de materialismos, de mediocridades nesse desassossego humano. O belo remete a histórias da carochinha, a contos de fadas, a sonhos e desejos bonitos. O nascimento de algo sempre traz esperanças. Francisco I nasceu. E, no sorriso que ele derramou em sua primeira aparição, houve um nítido sinal de esperança. Um tempo franciscano?

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