Baú de Histórias

Simplesmente, amor

Rogério Verzignasse
rogerio@rac.com.br
02/08/2015 às 08:00.
Atualizado em 28/04/2022 às 17:54

Barto ( César Rodrigues/ AAN)

Foto: César Rodrigues/ AAN Bartô se mudou para uma casa de repouso há três anos para ficar junto da mulher, que sofre de Alzheimer Bartô é um senhor bonachão, de 88 anos. Gargalha alto, mostra a barriga saliente, diz que adora macarrão, fala do Palmeiras com entusiasmo. Caminhada? Ele faz, sim. Anda 50 metros até o portão da casa de repouso onde mora, numa rua sossegada do Santa Marcelina. Quem passeia por lá nem imagina que esse homem simpático, simples de tudo, é dono de uma das empresas mais tradicionais de Campinas: a Jacobucci, alfaiataria instalada há quase 60 anos no início da José Paulino. Pioneira no aluguel de trajes, a casa é reduto de políticos, empresários, advogados, formandos e noivos. Há três anos, porém, Bartô deixou a loja com a filha, fez as malas e se mudou para a chácara. Só para cuidar de sua esposa, Nancy, uma senhora franzina, de cabelos branquinhos, que sofre de Alzheimer. A mulher, de 94 anos, tem lampejos de consciência. Às vezes, solta uma frase, faz um gesto com as mãos, mas permanece quase todo o tempo quieta, acomodada na cadeira de encosto, tomando sol na varanda. O marido a alimenta na boca, faz carícias, conversa com ela. “Não sei se ela me conhece, se me entende, mas escolhi ficar com ela aqui na casa de repouso até o fim”, disse ele, no único momento em que as gargalhadas deram lugar a um semblante sério, com os olhos marejados. Bartolomeu Sangiovane nasceu em Jacutinga (MG), no final da década de 20. Filho de um encanador, ele saiu de casa aos 14 anos para tentar a vida como alfaiate em Campinas. Durante seis horas, viajou de trem pelos trilhos da Mogiana, num trajeto que, hoje em dia, de carro, dura 60 minutos. Desembarcou na estação e desceu a Treze de Maio. Parava de porta em porta pedindo emprego. Indicaram-lhe a alfaiataria de Próspero Jacobucci, que já na década de 30 era famosa, com muitos clientes. Foi contratado de cara e passou a morar numa pensão de moços, ali mesmo pelo Centro. Foto: César Rodrigues/ AAN Das antigas: momento de descontração e retratos do casal quando jovem, que hoje decoram o quarto na casa de repouso O jovem alfaiate passou uma década trabalhando como funcionário. Um dia, a loja passou a funcionar num imóvel alugado na Dr. Quirino, pertinho da esquina da Thomaz Alves, próximo de uma agência bancária. Bartô fala que saía no quintal e, lá debaixo, acenava para a mocinha linda que trabalhava no terceiro andar do banco. A troca de olhares acabou em casamento, em meados dos anos 50. Na mesma época, o patrão Próspero morreu. Os herdeiros, que não queriam mais manter o negócio, venderam a casa a Bartô por um preço irrisório, valor que pagava o estoque de tecidos e as máquinas de costura. O homem virou empresário e ganhou da família Jacobucci o direito de continuar usando o nome na fachada do estabelecimento. Foto: César Rodrigues/ AAN Olair, Pires e Rafael: funcionários veteranos da loja famosa por alugar trajes de festa O único drama para o novo empreendedor foi o fim do contrato de locação na Dr. Quirino. Para gastar menos, ele se mudou para um imóvel na José Paulino, na esquina da Aquidabã. A loja foi crescendo e anexando imóveis vizinhos. E o homem teve uma ideia sensacional para concorrer com as redes que vendiam roupas no crediário: ele continuou costurando ternos elegantes, caríssimos, mas começou a alugar as peças. A Jacobucci passou a fornecer trajes para casamentos, bailes de gala e colações de grau. O sucesso foi tão grande que a rua inteira virou reduto de lojas do gênero. O casal teve só uma filha, Sônia. Ela se casou com o comerciante Edson Alves Figueiredo e o casal deu dois netos a Bartô: a advogada Carol e o turismólogo Felipe, que trabalha para uma rede hoteleira australiana. Bartô agora deixa a filha e o genro administrando o negócio, no entanto, o sucesso da casa é a manutenção de três funcionários da velha guarda, Olair, Pires e Rafael, mestres das agulhas e das tesouras. Bartô às vezes passa pelo Centro para ver como andam as coisas, mas confia plenamente na turma. Quer ficar lá no Santa Marcelina, com dedicação integral à mulher. E admite que tem um sonho. Quer partir desta vida antes de Nancy. “Se eu morrer primeiro, acho que ela nem vai notar minha falta e continuará bem tratada pelos enfermeiros e médicos. Se ela morrer primeiro, eu não vou aguentar.”   

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Anuncie
(19) 3736-3085
comercial@rac.com.br
Fale Conosco
(19) 3772-8000
Central do Assinante
(19) 3736-3200
WhatsApp
(19) 9 9998-9902
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por