PERFIL

Simples, mas extraordinário

Território: Diego Calvi, à frente do recém-inaugurado Quiota, inicia o seu projeto de cozinha rústica, que alia técnica e respeito ao ingrediente em nome de uma culinária autoral, identificada com o País

Érica Araium
12/05/2013 às 05:09.
Atualizado em 25/04/2022 às 16:54

Cozinha contemporânea de vertente autoral ligada às tradições familiares e servil à técnica italiana (ponto de partida para quaisquer cozinheiros). Do esmerilhar de conceitos ao longo da própria lida, o campineiro Diego Calvi resolveu defender, em seu recém-inaugurado Quiota, cardápio sazonal e enxuto que conduza o comensal ao território das emoções. “Gosto da ideia de lançar mão de técnicas atuais, mas sem me esquivar dos sabores mais simples, rústicos até, que tanto me traduzem. Sabe aquela sensação de felicidade depois da degustação de um prato peculiar? Pois é. É isso que quero provocar nas pessoas”, resume.

A reverência às raízes começa pelo nome do restaurante, homenagem póstuma ao avô Joaquim Acchiles Faria, o Quilinho, sujeito carismático que “virou” Quiota ao entrar em campo pelo Esporte Clube Taubaté. “Sou um tanto quanto nostálgico”, confessa o cozinheiro. Ao revisitar o próprio percurso, aos 27 anos, e enquanto dedilha os nortes do menu invernal que estreia em breve, Calvi reconhece que só ingressou na gastronomia porque alguns tutores lhe indicaram o caminho.

Coisa de oito anos atrás, quando os estrelados chefes espanhóis revolucionavam a cozinha, Calvi, intuitivo e impulsivo por definição, ingressava num curso de administração hoteleira. “Já tinha trabalhado com administração e marketing anteriormente. Não se falava, naquela época, em Alex Atala ou outros cozinheiros brasileiros de referência. Era o início da nossa virada. Tive todo o embasamento gastronômico nessa etapa, da preparação de bases e molhos à confeitaria e à engenharia de cardápios. Ao mesmo tempo, compreendi os conceitos da gestão hoteleira. Isso me dava possibilidade de atuar tanto em eventos quanto em hotéis e pousadas”, comenta.

No meio-fio das decisões, a mesma Andréia Pimentel que agora coordena o curso de gastronomia da Universidade São Francisco (USF) de Campinas ao lado de Calvi, tomou o ex-aluno pelas mãos e o meteu na cozinha. “Passei a participar de eventos gastronômicos com ela e o professor Luis Antônio”, lembra. Pouco tempo depois e muitos contatos feitos, Calvi passaria a gerenciar uma pousada em Bueno Brandão e, adiante, um hotel-fazenda em Socorro, cujos donos são amigos dele até hoje. Foi ali o start na cozinha. “Havia um restaurante que não ia bem. Minha missão era reduzir os custos e reconfigurar o setor de alimentos e bebidas. Acabei revendo todo o menu com a brigada, mas ainda de maneira intuitiva, valorizando ingredientes e competências”.

Cozinha, intuição e técnica

Missão cumprida, Calvi entrou num período sabático, por assim dizer. Foi parar em Lençóis Maranhenses, à beira d’água, com os pés afofados na areia, numa choupana onde um forno de barro e uma grelha com jeitão de improviso bastavam ao preparo do melhor camarão do Nordeste. “Era o Restaurante da Dona Maria, reconhecido pela crítica meses depois. Sei que quando vi o cardápio impresso em folha sulfite, e em várias línguas, me dei conta de que, para se fazer uma comida incrível, é preciso muito pouco além do respeito ao ingrediente. Aquela simplicidade mexeu tanto comigo que concebi um projeto de valorização da rusticidade. Um dia, ele deslancha”, provoca o cozinheiro. “Ao mesmo tempo, percebi, naquele período de trégua, e já de volta a Campinas, que queria mesmo trabalhar como cozinheiro. O problema é que eu não tinha experiência. Nem técnica. Achei que era um momento bom de sair do País, de dar a cara a bater. De aprender, de fato”, pontua.

A melhor saída era palmilhar parte da Itália, que lhe era familiar desde a infância. Costigliole d’Asti, cidade-sede do Italian Culinary Institute for Foreigners (Icif), onde se especializou ao longo de seis meses. A pretensão do cozinheiro não era estagiar em restaurantes estrelados no Guia Michelin, mas desenvolver técnicas e reconhecer parte dos tantos terroirs que cabiam no país da bota. Em um mês, passou por todas as praças do Hotel Spa Bagni di Pisa, descobriu o segredo das massas artesanais, dos pratos clássicos e dos ingredientes orgânicos que serviam às receitas naturais que tanto agradavam aos hóspedes. Em Gênova, no Restaurant Goods, o desafio era dominar o universo dos pescados e frutos do mar típicos e, ainda, aventurar-se na confeitaria. “Foi um aprendizado intenso e rico. No segundo restaurante, agradei tanto ao chef que não só substituí o sous chef durante um período como fui convidado a ficar.” A proposta era tentadora, mas Calvi queria percorrer mais alguns trechos da Itália antes de voltar para casa e abrir seu próprio negócio.

Desafio constante

Na avaliação do chef, uma das percepções que mais faltam aos pretensos cozinheiros é a da humildade, algo que não se ensina, mas se aconselha – e do alto de certa experiência. “Você não começa coordenando cozinha em nenhum restaurante. Veja. Na Itália, por exemplo, não há chefs. Há cozinheiros, porque é assim que eles gostam de ser reconhecidos, que valorizam cada uma das regiões em que atuam. Além do domínio da técnica, há que se conhecer os ingredientes locais, a cadeia de fornecedores. Estamos aprendendo a olhar para o nosso território com mais carinho agora, mas isso não basta. Há que se colocar a mão na massa, lavar chão e louça sempre que preciso. Um chef deve saber transitar por todas as praças”, desafia. “E mirar tendências”, aposta.

Atento e absorto no ensaio daquele projeto de cozinha rústica que vislumbra, Calvi aposta nas carnes de segunda e terceira como trunfos de um novo momento gastronômico. “Língua, músculo, miúdos e outras partes saborosas do boi deixarão de ser apenas petiscos de bar. Ingredientes identitários serão considerados não só os amazônicos, mas também os do cerrado e de outras regiões brasileiras, aqueles que brotam rasteiros e estão esquecidos até então. Acho que o simples tem tudo para se tornar extraordinário.”

Degustação

Calvi, que gosta de trabalhar com ingredientes da estação e matérias-primas locais, revela que pretende aquecer os dias frios em seu Quiota com uma versão de pernil de cordeiro cujo preparo passa por duas etapas: o assar clássico e a regeneração da carne sob cozimento a vácuo (sous vide). Outro prato que deve ser incluído no cardápio é o nhoque de abóbora com zest de limão. “Os risotos que adoro executar já constavam no menu. A fim de surpreender, pensei nessa receita conceitualmente contemporânea, que traz referências brasileiras e resulta em muito sabor”. 

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