COMPORTAMENTO

Sentir com o outro

A convivência empática e harmoniosa entre as pessoas é fundamental para superar as crises que a humanidade atravessa

Daniela Nucci
25/04/2020 às 16:10.
Atualizado em 29/03/2022 às 12:52

Em meio ao combate do novo coronavírus, a sensação de vulnerabilidade e impotência diante do desconhecido tomou conta das pessoas. Com certo nivelamento da condição humana, fomos lembrados que somos igualmente frágeis. Viramos um só. Aí entra a empatia. “Nossa fragilidade diante do desconhecido, a presença do medo, o aumento da insegurança, o despertar da ansiedade e o volume de dúvidas com perguntas sem respostas são gatilhos que podem nos adoecer e nos levar a crises de ansiedade, pânico, ou podem ser gatilhos emocionais onde os sentimentos compartilhados acabam nos aproximando, deixando-nos mais humanos e menos egoístas, nos levando a expandir de forma positiva para conseguirmos finalmente ver quem realmente somos e ver o outro”, diz a psicóloga Bruna Gabriella Baldasso. Segundo ela, a empatia é a capacidade de se conectar com o outro em âmbito emocional e cognitivo, no qual a empatia vai além de ser generoso, exige um desprendimento do egoísmo para conseguir acessar o outro da forma mais real possível. “Vai além de ser simpático, predisposto, a empatia exige que eu deixe para trás meus dogmas e julgamentos e consiga emocionalmente e cognitivamente me colocar no lugar do outro, a partir da visão e da necessidade do outro. Aqui não vale o no seu lugar eu faria assim, para ser empático eu não reajo a partir de mim, mas sim do outro, há ausência de julgamento na empatia”, explica a psicóloga. A especialista relata ainda que, depois que a pessoa consegue entender sua individualidade, é capaz de compreender que cada ser é um indivíduo único, sendo assim, cada um passa por situações únicas que o moldam e que determinam suas condições. Só após essa compreensão, é possível se conectar com o outro e poder agir de forma empática com ele. Um tempo que as pessoas conseguem ver a fragilidade geral da humanidade e entendem que não são super-heróis. “A vida é mais do que aquilo que cada um possui. Que ter não é melhor que ser, nossas fraquezas abriram nossa visão, e assim que me vejo da forma mais real possível me desprendo do meu egoísmo e consigo me conectar com outras dores, com outras pessoas”, completa a profissional. Diferenças Segundo a psicóloga Bruna Baldasso, a empatia é a forma de conhecimento, de compreensão e de percepção emocional e cognitiva sobre o outro, já a solidariedade envolve identificação e envolvimento com o outro, portanto é a partir do dar-se conta das vivências alheias que podemos agir solidariamente. “É preciso compreender a vivência do outro e respeitar sua individualidade para agirmos solidariamente. A empatia, por si só, pode ser um ato de conhecimento e de compreensão do outro”, diz. Bruna, que cita como exemplo uma mulher grávida numa fila. “Posso ser empática com uma mulher grávida quando esta me conta que estava em uma fila e não lhe ofereceram prioridade, eu pratico a escuta ativa e me conecto com ela diante de sua história, assim como a empatia pode ser o primeiro passo para uma ação solidária, vejo uma mulher grávida em uma fila e ofereço que ela passe à minha frente. Um ato solidário ajuda no desenvolvimento pessoal, pois toda pessoa está inserida em convívio comunitário. Neste mundo comum, a convivência empática e harmoniosa entre as pessoas é fundamental para superar as crises que a humanidade atravessa”, destaca a profissional. Exemplos de empatia e solidariedade Muitas ações de empatia e solidariedade têm mobilizado o ser humano a mostrar o melhor de si. Dar atenção, um telefonema, oferecer um carinho até as doações de alimentos, máscaras caseiras e álcool em gel são exemplos de como as pessoas têm amparado o próximo. Mensagens de esperança e conforto também têm ajudado na quarentena, já que o distanciamento social causa também angústia e depressão. Entre posts bem-humorados, palavras encorajadoras e críticas políticas, o estilista Ronaldo Fraga é uma dessas vozes. “Amigos, estamos diante de uma situação sem precedentes. Vamos cuidar uns dos outros e de nós mesmos. Fique em casa. Pratique yoga, coma alimentos saudáveis, beba muita água, lave as mãos, o nariz e rosto na pia do banheiro, tire os sapatos que usa na rua”, recomenda o renomado estilista em post. Trocas de frutas entre vizinhos Foi exatamente com esse sentimento de identificação, que a professora de espanhol Carla Vaccari Vilalba Ferreira teve a ideia de fazer uma troca de frutas com seus vizinhos. Moradora do bairro Chácara Belvedere, em Barão Geraldo, Carla combinou de pendurar sacolas nos portões dos quintais com seus vizinhos para fazerem as trocas de frutas que cada um produz. “Meu vizinho da direita coloca caquis na minha sacola e eu passo para a Malena Madaluz, que é minha vizinha da esquerda. Ela coloca abacates na minha sacola e eu repasso para este mesmo vizinho que deu o caqui. A Malena pega as limas da Pérsia do vizinho de baixo e dá abacate e caqui para ele. E assim cada um vai repassando as frutas que produz para cada vizinho da rua. Estamos vivendo uma época de troca. Se não nos colocarmos no lugar do outro, não vamos melhorar. O mundo e o planeta estão pedindo isso”, diz Carla. Ação educativa é mais compensadora Há oito anos, a psicanalista Andressa Tiemi Saito faz um trabalho voluntário com famílias de extrema pobreza e viu que agora era o momento de ir além com os moradores de rua “Foi uma ação desafiadora porque somos educados, desde criança, a olhar com cuidado e sentir medo de pessoas desconhecidas e dos perigos em andar à noite. Minha motivação foi querer praticar mais, além de falar. Queria sentir isso através destas virtudes o que é caridade, o que é bondade, o que é esse amor, sem ser romântico, mas o real, virtuoso, que pode proporcionar nossa evolução. O que motiva até hoje um alto nível de amor dentro de mim que traz uma satisfação e vibração amorosa tão grande que não da pra ficar só dentro de mim, esse olhar para o outro passa a ser natural, não dá para atender só as minhas necessidades. Hoje olho para o outro e entendo quais as necessidades e tento compreendê-los, oferecendo respeito, independentemente da situação que eles vivem”, diz Andressa, que hoje faz ações isoladas entre os amigos. “Mobilizamos amigos e familiares e com a ajuda de todos montamos 200 kits de alimentos e higiene para levar às pessoas de rua. Além disso, fazemos uma ação educativa, levamos informações sobre o vírus. Eles ouvem atentamente e tiram dúvidas. Estão com medo e não sabem em quem acreditar, assim como nós. Aquela população invisível representa a população como um todo”, diz a psicanalista, que fará uma nova ação neste final de semana e em Maio pelas ruas. “Já compramos cestas de alimento e higiene. Dia 25 de abril (hoje) faremos a terceira ação com os moradores de rua para termos o retorno da experiência, se conseguiram praticar a higienização”, diz. A distribuição é feita em duas frentes. O pessoal que monta os kits e os voluntários que vão às ruas entregar e levar as informações. “Percorremos alguns pontos de Campinas onde sabemos que há as pessoas em situação de rua. Nesses pontos fica até mais fácil explicar e tirar dúvidas. A interação deles conosco em relação às dúvidas e esclarecimentos foi a parte mais compensadora”, comenta Andressa. Máscaras para os vizinhos, familiares e amigos Duas vizinhas amigas que estão no grupo de risco e moram em um prédio, no bairro Vila Industrial, se sensibilizaram com a falta de máscaras e resolveram dedicar o talento na costura para ajudar a combater o vírus. A ideia veio de Jacy Rodrigues Soares, de 69 anos, após ter que fazer uma máscara às pressas para receber o filho com as compras do supermercado. “Não tinha nenhuma em casa e fiz uma de qualquer jeito. Quando voltei, percebi que podia melhorar porque sei costurar, tenho material e máquina”, recorda Jacy. Após assistir a vários tutoriais pela internet, Jacy aumentou a produção para doar para os vizinhos e familiares. “Comecei a concretizar minha missão de ajudar colocando um aviso no saguão do térreo e as máscaras para quem precisasse”, diz Jacy, que já contou com a ajuda da vizinha Maria Conceição Xavier de Camargo, de 65 anos. “Minha vizinha Conceição, que também costura, gostou da ideia e começou a fazer também as máscaras. E a cada dia, percebemos que o envelope com as máscaras esvaziava”, diz Jacy. ] A dupla postou as peças nas redes sociais e, logo, familiares e amigos começaram a fazer pedidos. “Como num passe de mágica, os vizinhos começaram a doar o TNT (uma espécie de tecido que não é tecido) e elásticos, nos dando bastante trabalho e mais gente nos pedindo. Me sinto bem em fazer e nem penso no vírus, até esqueço dele. Estamos fazendo o nosso melhor para ajudar o próximo”, diz Maria Conceição. “Para as pessoas que pedem, costumo deixar um pacotinho com as instruções de uso e lavagem além das máscaras. Fazemos para crianças e adultos depois que uma moradora do prédio deu a dica para confeccionar modelo infantil. Fez um sucesso. Já mandei para meus netos também”, completa Jacy. “Sentimos que estamos cumprindo algo, embora pequeno, estamos felizes e ocupadas nesta quarentena. Cada máscara que fazemos, colocamos muito carinho e espero que quem esteja usando possa se proteger”, diz Maria Conceição. “Enquanto houver o confinamento, faremos as máscaras para doar. Agradeço a Deus por ter me inspirado, assim estou ocupada e aceitando o fato de não poder sair, passear e viajar que era o que eu fazia antes”, finaliza Jacy. A dupla já fez 500 máscaras desde o início de Abril. Amor ao próximo Desde pequena, Márcia Aparecida Squarisi Seglio, de 57 anos, sempre gostou de ajudar as pessoas. Em todos seus empregos estava disposta a orientar os colegas. Foi numa situação difícil ao ver a mãe diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica que Márcia se prendeu à fé e pediu a Nossa Senhora Aparecida que a ajudasse a enfrentar toda essa luta (que durou 2 anos). Em gratidão, quando tudo passasse, se dedicaria a ajudar os necessitados. Frequentadora da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, Márcia se envolveu em diversos trabalhos sociais como ajudar famílias cadastradas em favelas como a do Jardim Paranapanema e Jardim Itatiaia e em épocas natalinas. Até que no início de Abril, veio uma nova missão. “Recebi um telefonema do nosso pároco, padre João Augusto Piazza, se eu poderia lançar e coordenar uma campanha de arrecadação de alimentos em tempo de pandemia, por meio de um pedido por carta, endereçada a todas as igrejas e paróquias de Campinas e região, escrita pelo nosso Arcebispo Dom João Inácio Muller, na qual ele pede que todas as igrejas abram suas portas para essa ação. Então, meu coração prontamente disse sim”, diz Márcia, que atende 12 comunidades que pertencem à Igreja São Judas Tadeu da Vila Lemos e a famílias do Jardim Proença, que já se encontram em situação muito difícil. “Quando recebo um carro lotado de alimentos ou mesmo uma sacola com um ou dois itens minha reação é a mesma, de emoção, alegria e satisfação sabendo que vou conseguir saciar a fome daquelas famílias que vêm até nós. Meu objetivo é saber que aquela família com duas ou quatro crianças terá o que comer, pois agradeço a Deus todos os dias pela abençoada família que tenho. E escuto sempre das minhas filhas e amigos que sou um exemplo de amor, dedicação e atenção ao próximo”, comenta Márcia. Por ser do grupo de risco, faz rodízio no local e conta com voluntários para ajudar na recepção, higienização e montagem das cestas.

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