Decisão de juiz diz que eles não poderiam atuar em campanha mesmo de férias; leia decisão na íntegra
A sentença do juiz eleitoral Héber Mendes Batista que determinou a cassação do mandato da prefeita de Ribeirão Preto, Dárcy Vera (PSD), e de seu vice, Marinho Sampaio (PMDB), pelo uso de servidores municipais na campanha à reeleição, em outubro do ano passado, destaca a participação de secretários municipais no apoio à prefeita.
A defesa alegou que os servidores que atuaram pedindo votos estavam em férias, mas o juiz considerou que eles deveriam ter tirado licença sem remuneração para trabalhar em prol dos dois candidatos. “Férias são destinadas à recomposição da saúde física e mental do trabalhador de órgão público ou privado; consequentemente, não têm o mesmo conceito de licença”, afirma na sentença.
E completa: "Não é possível, no atual estágio do Estado brasileiro, compactuar com conduta que nos remete aos tempos do coronelismo."
Leia, a seguir, a sentença na íntegra:
INTIMAÇÃO SENTENÇA
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL N.º 638-51.2012.6.26.0108 – Classe 3
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
RÉU: DARCY DA SILVA VERA
ADVOGADO(S): RICARDO VITA PORTO OAB/SP 183.224 e outros
RÉU: MARIO VIEIRA SAMPAIO FILHO
ADVOGADO(S): RICARDO VITA PORTO OAB/SP 183.224 e outros
ASSUNTO: REPRESENTAÇÃO- DE PODER POLÍTICO/AUTORIDADE – PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MULTA – PEDIDO DE
CASSAÇÃO DE REGISTRO – PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE
VISTOS.
MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ajuizou a presente ação de investigação eleitoral em face de DÁRCY DA SILVA VERA e MÁRIO VIEIRA SAMPAIO FILHO, respectivamente, atuais prefeita e vice-prefeito do município de Ribeirão Preto/SP (mandato de 2013/2016), em decorrência de alegada conduta vedada dos representados na ocasião em que foram candidatos à reeleição, no último pleito eleitoral, em 2012. Alegou o autor, em síntese, que os representados utilizaram funcionários públicos, comissionados ou não, em seus horários de expediente, para realizarem campanha eleitoral em favor da então prefeita e seu vice. Com essa exposição, aludindo flagrante afronta ao artigo 73, inciso III, da Lei 9.504/97, requereu a aplicação das disposições da Lei Complementar nº 64/90 e da Lei Complementar nº 135/10 (Lei da Ficha Limpa), para a decretação de inelegibilidade dos representados, cumulada com a imposição de multa e cassação dos diplomas eleitorais.
Juntou documentos (fls. 17/178). Citados, os representados apresentaram sua defesa, aduzindo, inicialmente, inépcia da inicial. No mérito, argumentaram, em suma, que os fatos narrados não configuram conduta ilícita dos candidatos representados, haja vista que os funcionários acusados de participar da campanha eleitoral estariam em período de férias ou fora do horário de expediente, o que não importa, portanto, em conduta vedada pela lei eleitoral. Também aduziram desconhecer o trabalho dos servidores na campanha eleitoral e, assim, com esses fundamentos, pugnaram pela improcedência do pedido (fls. 233/252). Na hipótese de procedência, pugnaram pela observação ao princípio da proporcionalidade no momento da fixação da pena. Juntaram documentos (fls. 253/260).
Foi requerido, pelo autor, o aditamento da inicial (189/191), indeferido pela decisão de fls. 320/321.
Sobre a defesa apresentada, manifestou-se o parquet (fls. 264/267).
Em audiência (fls. 340/341), foram inquiridas as testemunhas arroladas na representação (fls. 343/428). Posteriormente, em nova audiência (fls. 434/435), o Ministério Público Eleitoral desistiu da oitiva de outra testemunha não inquirida na primeira audiência e requereu a juntada de novos documentos, o que foi deferido por este juízo. Depois, requereram os representados a designação de nova audiência para a oitiva de uma testemunha (fls. 448/449), o que
foi indeferido pela decisão de fls. 454. Houve a juntada de documentos pelos representados (fls. 472/546) e pelo autor da ação (fls. 565/566), estes últimos desentranhados dos autos por força do despacho de fls. 1.638.
O Ministério Público Eleitoral apresentou alegações finais a fls. 1.864/1.881, nas quais repisou os termos da inicial.
A defesa, igualmente, ofertou alegações finais, reiterando a tese defensiva e ainda teceu considerações sobre a prova (documental e testemunhal), consoante razões de fls. 1.883/1.907.
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
A questão preliminar ventilada na resposta ofertada pelos representados, depois repisada em suas alegações finais (inépcia da inicial), já foi rejeitada pela decisão irrecorrida de fls. 220, razão por que dispensa nova apreciação. Além disso, a inicial descreve adequadamente os fatos que podem ser tipificados como conduta vedada prevista no inciso III, do artigo 73, da Lei nº 9.504/73, de modo a possibilitar aos representados o mais amplo debate sobre a questão posta em juízo.
Não há, pois, a ventilada inépcia da inicial, motivo pelo qual o pedido será conhecido por este juízo.
No mérito, impõe-se o acolhimento do pedido.
O caput do artigo 73 da Lei no 9.504/97 estabelece que os agentes públicos não podem cometer “condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais”. Em outras palavras, a lei obsta qualquer ato oficial (comissivo ou omissivo) tendente a desequilibrar a disputa democrática.
As condutas vedadas previstas nos incisos do citado artigo 73 devem ser julgadas “objetivamente. Vale dizer, comprovada a prática do ato, incide a penalidade. (...) Pouco importa se o ato tem potencialidade para afetar o resultado do pleito. Em outras palavras, as chamadas condutas vedadas presumem comprometida a igualdade na competic?ão, pela só comprovac?ão da prática do ato” (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 24.795, de 26.10.2004, relator o Ministro LUIZ CARLOS MADEIRA).
A legislação referida tem por escopo impedir o chamado abuso do poder político, efetivando regra constitucional garantidora da “normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (Artigo 14, § 9º, da Constituição da República).
Ensina JOSÉ JAIRO GOMES que, ao “realizarem seus misteres, os agentes públicos devem sempre guardar obediência aos princípios constitucionais regentes de suas atividades, nomeadamente os previstos no artigo 37 da Lei Maior, entre os quais se destacam: legalidade, impessoalidade, moralidade, probidade, publicidade, eficiência, licitação e concurso público. A ação administrativo-estatal deve necessariamente pautar-se pelo atendimento do interesse público”. Nesse sentido, as condutas vedadas estabelecem, por um lado, sanções aos agentes públicos candidatos; por outro, se constituem em atos de improbidade administrativa, conforme reza o § 7º, do mesmo artigo 73, da Lei nº 9.504/97 (que devem ser apuradas em sede e juízo adequados).
Pois bem, aos representados é imputada conduta vedada prevista no inciso III, do citado artigo 73 (ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado).
Narra a inicial que os representados, candidatos a novo mandato (prefeito e vice-prefeito), cederam e fomentaram o uso de servidores públicos comissionados, especialmente aqueles de alto escalão, na campanha eleitoral de 2012.
Esta é, em síntese, a acusação que deu causa à propositura desta ação de investigação judicial eleitoral por abuso do poder político. E as provas do ventilado abuso de poder são avassaladoras. Com efeito, nas fotografias de fls. 21/29 e 113/177 há inúmeros funcionários públicos, a maioria deles comissionados, trabalhando intensamente na campanha dos representados; e seria muita ingenuidade pensar que o fizeram somente fora do horário de expediente, ou, então, durante período de férias ou licença.
Grande parte das fotografias mostra participação intensa de Layr Luchesi Júnior, Secretário da Casa Civil, André Luiz Tavares, Superintendente da Guarda Municipal, Sílvio Geraldo Martins Filho, Diretor-Presidente da COHAB de Ribeirão Preto e Osvaldo Donizeti Braga, Chefe da Fiscalização Geral, dentre outros. Esses servidores – todos ocupantes de cargos em comissão de primeiro escalão – foram mencionados por testemunhas inquiridas em juízo.
Realmente, Paulo Alexandre Belotti disse que durante a campanha eleitoral de 2012 presenciou, por diversas vezes, servidores públicos, especialmente aqueles lotados na Guarda Municipal, trabalhando na campanha de Dárcy da Silva Vera e Mário Vieira Sampaio Filho, conhecido como “Marinho Sampaio” (fls. 343). Disse que no “quartel da Guarda Municipal” (sic) era comum estacionar uma Kombi da coligação dos representados com material de campanha (fls. 344). Nesse veículo sempre havia servidores públicos municipais (Guardas), dentre eles, o
Superintendente da Guarda Municipal, o Sr. André Luiz Tavares (fls. 345).
Asseverou que esse material era retirado de um imóvel localizado na Rua Lafaiete, próximo a uma escola de ultrassonografia, ou seja, mesma rua em que locado imóvel por partido pertencente à coligação dos representados, conforme se vê do contrato de locação de fls. 481/483 (documento juntado pelos representados).
É irrelevante o fato de ter dito que era uma “Kombi” o veículo utilizado para transporte de materiais de campanha. É provável que o tenha dito de maneira genérica, associando qualquer veículo semelhante, como, por exemplo, um micro-ônibus ou vans, ao famoso veículo da montadora Volkswagen.
Ademais, consta dos autos que os representados, durante a campanha, fizeram uso de veículos semelhantes, conforme se vê dos documentos juntados a fls. 488/495 e 509/514 (também juntados pelos representados).
Mas não é só.
Essa testemunha ainda reconheceu Layr Luchesi Júnior na fotografia de fls. 22. Ele é o homem do meio, com camisa laranja e um adesivo em forma de coração com o número da representada Dárcy da Silva Vera (55). Essa fotografia mostra Layr Luchesi Júnior – Secretário da Casa Civil e pessoa pública nesta cidade – em plena campanha eleitoral.
O mesmo Layr Luchesi Júnior fora reconhecido por esta testemunha em diversas outras fotografias, como, por exemplo, aquelas de fls. 23 e 119, esta última defronte a um estabelecimento comercial denominado Frango Assado Nossa Senhora Aparecida.
É importante frisar que nessa fotografia de fls. 119, Layr Luchesi Júnior aparece em ato de campanha na companhia dos representados (figuras públicas nesta cidade). Essa situação infirma a alegação defensiva de que os representados desconheciam o trabalho irregular de seus servidores, ou mesmo de que não anuíram com tal conduta vedada.
Além de Layr Luchesi Júnior e André Luiz Tavares, a testemunha Paulo Alexandre Belotti reconheceu vários outros servidores, como, por exemplo, Milton Cury, Assistente do Secretário Municipal de Turismo (fls. 295), Leocádia (Guarda Municipal), Renato Buosi (Coordenador do Programa Ribeirão Jovem) e Marcelo Reis, este último, Assessor de Gabinete da Prefeita (fls. 352).
No mesmo sentido é o depoimento de Iliana Aparecida Resende – candidata na eleição proporcional pela mesma coligação dos representados.
Ela disse ter presenciado funcionários da Secretaria da Saúde e do SASSOM distribuindo material de campanha dos representados nos comitês eleitorais localizados na Avenida Santa Luiza e Rua Lafaiete, inclusive nominou os funcionários que entravam e saíam com os materiais, eram eles: Luiz e Sadan (fls. 368). Também viu, por diversas vezes, e durante toda a
campanha eleitoral, Layr Luchesi Júnior, Secretário da Casa Civil, e Osvaldo Donizeti Braga, Chefe da Fiscalização Geral, fazendo campanha para os representados (fls. 369).
Aliás, tal testemunha asseverou que eles trabalharam na campanha nos períodos matutino, vespertino e noturno; também disse que trabalharam na campanha aos finais de semana (fls. 370). Em outras palavras, afirmou que eles trabalharam durante toda a campanha eleitoral, ou seja, não só durante o período de férias ou licença-prêmio, como também durante o tempo em
que estiveram servindo a Prefeitura Municipal na condição de servidores públicos comissionados.
Esse depoimento, ademais, foi corroborado pela declaração de fls. 1.694/1.695, juntada por determinação deste juízo. Nela consta que Layr Luchesi Júnior e Jamil Lopes de Albuquerque, Secretários da Casa Civil e de Governo, respectivamente, trabalhavam das 8 horas e 00 min até às 12 horas e 00 min e das 14 horas e 00 mim às 18 horas e 00 min, “podendo ser estendido em razão de eventos e compromissos do gabinete”.
Esses servidores, conforme consta dos autos, foram vistos e fotografados nos mais variados eventos eleitorais, a comprovar a prática de conduta vedada anuída pelos representados.
O extenso material fotográfico constante dos autos foi mostrado para essa testemunha. Em diversas fotografias ela reconheceu o já nominado Layr Luchesi Júnior; também reconheceu uma funcionária da Secretaria da Saúde chamada Élida; reconheceu, ainda, Marcelo Reis, Assessor de Gabinete da Prefeita, e Sílvio Geraldo Martins Filho, Diretor-Presidente da COHAB (em mais de uma foto). Igualmente reconheceu Osvaldo Donizeti Braga, Chefe da Fiscalização Geral (fls. 375/379), bem como outros servidores públicos, conforme se vê de seu extenso depoimento (fls. 367/390).
O testemunho de João Paulo da Silva Lemos não é tão minucioso quanto os de Paulo Belotti e Iliana, mas nem por isso deixa de ser convincente.
Ele confidenciou ao juízo ter presenciado as pessoas fotografadas a fls. 113 fazendo campanha para os representados. Disse que, apesar de não saber seus nomes, obtivera informações de que eles são funcionários da TRANSERP – empresa pública responsável pela gestão do trânsito em Ribeirão Preto (fls. 392).
Essa testemunha ainda asseverou que, por diversas vezes, presenciou, em horário comercial, servidores públicos dos mais diferentes órgãos públicos municipais fazendo campanha para os representados na Avenida Presidente Vargas (fls. 393) – um dos mais importantes corredores comerciais de Ribeirão Preto.
Além desses depoimentos, há as declarações de Fernando Chiarelli, candidato a Prefeito nas Eleições de 2012. Porém, como é inimigo capital da representada Dárcy da Silva Vera (fato notório), seu depoimento sequer será considerado por este juízo para efeito de formação de seu convencimento.
O desprezo a esse depoimento, entretanto, não muda o destino dos representados. A eles serão cominadas as sanções postuladas pelo Ministério Público Eleitoral (multa, inelegibilidade e cassação dos diplomas).
Acresça-se, ademais, que é absolutamente irrelevante a investida tardia dos representados contra os depoimentos das testemunhas inquiridas em juízo. Incumbia-lhes, nos termos da lei processual, comprovar, de maneira robusta e convincente, a existência de envolvimento das testemunhas com Fernando Chiarelli, o que não fizeram. Consequentemente, não merece
guarida a mera especulação acerca da ausência de credibilidade das testemunhas inquiridas neste feito.
Nesse sentido: TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 35.980 (43773-77.2009.6.00.0000) – Classe 32, Ipatinga-MG, relator o Ministro MARCELO RIBEIRO, j. 23.02.10, votação unânime.
Igualmente, tem-se por irrelevante eventuais contradições entre os depoimentos prestados no Ministério Público Eleitoral (ainda na fase investigativa) com aqueles prestados em juízo.
É absolutamente compreensível pequenas divergências entre depoimentos prestados nestas circunstâncias. Isso se dá em razão das “naturais diferenças de percepção, forma e momento da inquirição”. Estranho seria se todos os depoimentos fossem exatamente iguais, “como uma lição decorada” (TJSP – 2ª Câmara de Direito Criminal, na Apelação nº 0008196-53.2008.8.26.0462, da Comarca de Poá, relator o Desembargador IVO DE ALMEIDA, j. 18.02.13. v.u.). Ademais, conforme dispõe o artigo 23, da Lei Complementar nº 64/90, “O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.
Não há, pois, razões para desmerecer depoimentos de quem, em juízo, sob compromisso (e sem contradita), narrou fatos condizentes com a causa de pedir, relacionando o expressivo e comprometedor material fotográfico que instrui a inicial com os tipos proibitivos imputados a quem figura no pólo passivo desta ação. Em outras palavras, ao contrário do quanto apregoado pela zelosa e combativa defesa, tais depoimentos, porque verossímeis com a causa de pedir, servem à comprovação dos fatos articulados na prefacial.
Poder-se-ia, então, justificar o trabalho daqueles servidores públicos na campanha dos representados com o argumento de que eles estavam no gozo de férias ou licença, o que, em tese, afastaria a incidência da norma que rege as condutas vedadas aos agentes públicos.
E é mesmo verdade inconcussa que alguns dos funcionários referidos na prefacial gozaram férias no ano de 2012. De fato, Layr Luchesi Júnior gozou férias de 30 dias, com início em 1º de agosto de 2012 (fls. 255); depois, gozou mais 30 dias, com início em 20 de setembro de 2012 (fls. 279). Osvaldo Donizeti Braga usufruiu férias de 30 dias, com início em 28 de
agosto de 2012, e mais 15 dias de licença-prêmio, esta iniciada em 27 de setembro de 2012 (fls. 257). Marcelo Luís Reis gozou férias por 20 dias (de 27 de setembro a 16 de outubro de 2012 – fls. 258).
Em tese, portanto, segundo sustentam os representados, eles poderiam trabalhar na campanha eleitoral de 2012 (durante os períodos de férias e licença-prêmio).
Sobre o tema, todavia, impende tecer importantes considerações. Férias são destinadas à recomposição da saúde física e mental do trabalhador de órgão público ou privado; consequentemente, não têm o mesmo conceito de licença (artigo 73, III, da Lei nº 9.504/97).
Licença, segundo a lei, pode ser concedida em razão dos mais variados motivos. A legislação prevê a licença para tratar de assuntos particulares sem remuneração (artigo 144, inciso VI, do Estatuto dos Servidores Públicos de Ribeirão Preto); para tratamento de saúde (artigo 144, inciso I); licença maternidade (artigo 144, inciso III e artigo 159); ou até mesmo em decorrência de assiduidade, tal como a licença-prêmio (artigo 144, inciso VII), dentre outras hipóteses.
Licença e férias são, pois, institutos diversos. A lei eleitoral, quando tratou do assunto (artigo 73, inciso III, da Lei nº 9.504/97), o fez de forma restritiva. O legislador limitou as hipóteses permissivas apenas para os casos de licença (previstos em lei de cada um dos entes federados), ou, então, fora do horário de expediente dos servidores públicos.
Quisesse o legislador alargar o conceito, a ponto de incluir férias, teria feito como fez com o Código de Processo Civil ao tratar do princípio da identidade física do juiz.
Com efeito, dispõe o artigo 132, caput, do Código de Processo Civil que: “O juiz titular, auxiliar ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor”
Se o legislador pretendesse ampliar as hipóteses permissivas, teria incluído as férias no inciso III, do artigo 73, da citada lei, ou, então, consignado, expressamente, que os servidores públicos poderiam trabalhar em campanhas eleitorais quando “afastados por qualquer motivo”.
Essa, aliás, é a posição de JOEL J. CÂNDIDO, para quem o termo licenciado tem de ser interpretado restritivamente, significando apenas o servidor licenciado sem remuneração.
Assemelhar férias a licença é o mesmo que admitir fraude à lei e à Constituição.
É imperioso interpretar o tipo inserto no inciso III, do artigo 73, da Lei das Eleições com os olhos voltados para a Constituição.
O artigo 14, §§ 9º e 10º da Constituição Federal, ao regrar a soberania popular pelo sufrágio, referendou princípios constitucionais, dentre eles o da legalidade, igualdade, moralidade e probidade administrativa.
A inobservância a esses princípios acarreta a inelegibilidade e cassação de registros, diplomas e mandatos, na medida em que violada a normalidade e a legitimidade das eleições em decorrência de abuso do poder econômico ou político.
Toda ação ou omissão que acarrete consequências positivas ou negativas relevantes na esfera pública ou privada merece tutela necessária à salvaguarda de princípios intangíveis inseridos na Constituição Federal. E os valores desses princípios constitucionais é que dão o norte para uma correta interpretação das normas infraconstitucionais, especialmente quando o bem jurídico tutelado é a igualdade entre todos os candidatos.
A concessão de férias aos servidores de alto escalão para que pudessem trabalhar na campanha eleitoral dos representados pode parecer, num primeiro exame, ato aparentemente lícito. No entanto, o que se observa nessa confessada conduta é a violação de bem jurídico tutelado pelo Direto Eleitoral e pela Carta Magna (artigo 14, § 9º). Tem-se, aí, o que se convencionou denominar de “ações em fraude à lei”, frisada no voto do Ministro CEZAR PELUSO nos autos do RCED n° 673/RN, relatado pelo Ministro CAPUTO BASTOS, julgado em 18.09.07 (DJ de 30.10.2007).
Ao citar lições de PONTES DE MIRANDA, o ínclito Ministro asseverou que: “A ilicitude, ou contrariedade ao Direito, pode dar-se de dois modos. Um é a ofensa direta à lei, isto é, faz-se aquilo que a norma proíbe ou se deixa de fazer aquilo que a norma impõe. Nesse caso, diz-se que a violação é direta. Há casos, porém, em que a violação não é direta. É o caso típico da
chamada fraude à lei, em que a palavra fraude, evidentemente, não tem nenhum sentido pejorativo de intencionalidade, mas significa, pura e simplesmente, a frustração do objetivo normativo. Nela há comportamento que frustra, frauda o alcance da norma. E como é que se configura a fraude à lei? Lembro-me da explicação de Pontes de Miranda, se não me falha a memória, no primeiro volume de seu genial Tratado de Direito Privado, em que nota que, na fraude à lei, não há ofensa direta a norma cogente - este caso é, sem dúvida nenhuma, de norma cogente, de Direito Público -, quando o agente recorre a uma categoria lícita, permitida por outra norma jurídica, para obter fim proibido pela norma que ele quer fraudar, cuidando, diz
Pontes de Miranda, que, com esse recurso a uma categoria lícita, o juiz se engane na hora de aplicar a lei que incidiu, mas não foi aplicada, aplicando a que não incidiu”.
E da obra citada pelo eminente Ministro CÉZAR PELUSO, colhe-se que, para caracterização de fraude à lei, não “se inquire de motivos morais, ou boa fé, ao se ter de verificar se se infringiu a lei: tanto a infringe quem diretamente a infringe quanto quem a infringe indiretamente. Não há pensar-se em interpretação extensiva, a que se tenha oposto a noção jurídica de fraude a lei (IVO PFAFF Zur Lehre vom sogenanntem in fraudem legis agere, 50 e 157); nem em intuito de violar, êrro em que tanto ainda incorrem (...)”.
E continua:
“É preciso que a sanção chegue ao mesmo resultado, positivo ou negativo, que seria o da lei, se fôsse observada; portanto, deve haver equipolência entre a sanção à violação indireta e a sanção à violação direta. Se a regra jurídica fraudável tem por sanção a nulidade, ao mesmo resultado há de chegar a sanção à violação indireta”.
O ilustre autor conclui seu magistral ensinamento sobre fraude à lei afirmando que: “frauda a lei, afirmando ter-se de aplicar a regra jurídica permissiva, em espécie em que incidiu a regra jurídica proibitiva”.
Ora, o servidor comissionado (cargo de confiança) ao entrar em gozo de férias onera os cofres públicos. Ele recebe salário com o terço constitucional e outro servidor é designado para o seu posto. Ou seja, paga-se duplo salário, um deles com o acréscimo do terço constitucional, repita-se, para que o comissionado trabalhe em campanha eleitoral daquele que o comissiona em cargo público do qual percebe régia remuneração. Isso é um acinte à lei; um expediente imoral e ímprobo de gerir a coisa pública. Constitui-se, pois, em conduta vedada (artigo
73, III, da Lei nº 9.504/97), violadora dos mais variados princípios constitucionais, a ponto de desigualar qualquer disputa eleitoral.
Consoante nos ensina RONALD DWORKIN, a normatividade da Constituição somente será efetiva se os princípios nela inseridos forem levados a sério. Sendo assim, deferir férias a servidores comissionados – e de alto escalão – para trabalharem em campanha eleitoral constitui-se em manifesto desvio de finalidade do ato (ou de poder), caracterizador, pois, de conduta vedada pela lei das eleições.
O desvio de finalidade ou de poder, segundo HELY LOPES MEIRELLES, se caracteriza “quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação
moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal”.
É nítido, no vertente caso, o desvio de finalidade nos atos de concessão de férias aos servidores já nominados. O objetivo não foi permitir a recuperação da saúde física e mental deles, mas, sim, usá-los freneticamente na campanha eleitoral dos representados “sob o capuz da legalidade e do interesse público”.
O Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, ao decidir sobre abuso do poder político derivado de desvio de finalidade, deixou consignado que: “Segundo a jurisprude?ncia do e. Tribunal, o abuso do poder político ocorre quando agentes públicos se valem da condic?ão funcional para beneficiar candidaturas (desvio de finalidade), violando a normalidade e a legitimidade das
eleic?ões” (ARO 718/DF, reIator o Ministro LUIZ CARLOS MADEIRA, DJ 17.6.2005. E também REspe 25.074/RS, reIator o Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ 28.10.2005).
Em julgamento histórico, relativo à cassação do Governador Marcelo Miranda, de Tocantins, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que: “Às vésperas do início do período eleitoral, não apenas os agentes públicos, mas todos os candidatos devem precaver-se. Não se pode permitir que os recorridos transformem a administrac?ão pública em verdadeiro palco eleitoral que leve ao desequilíbrio do pleito. Eis o desvio de finalidade” (RCEd nº 698/TO, Relator: Ministro FÉLIX FISCHER, j.25/06/09, v.u.).
Conforme professa JOSÉ JAIRO GOMES, “Haveria desigualdade se a Administração estatal fosse desviada da realização de seus misteres para auxiliar a campanha de um dos concorrentes, em odiosa afronta aos princípios da moralidade e impessoalidade”.
Ensinam CARLOS MÁRIO DA SILVA VELOSO e WALBER DE MOURA AGRA que: “O cerne para a vedação de condutas a gestores públicos em campanhas eleitorais é impedir que a utilização da máquina pública possa desequilibrar o pleito em prol dos detentores de Poder Público.
Infelizmente, ao longo de nossa história republicana, a máquina pública tem sido usada de forma contumaz, o que faz com que as condutas vedadas aos gestores adquiram maior importância”.
Se os funcionários comissionados, especialmente aqueles de alto escalão, como, por exemplo, Layr Luchesi Júnior (Secretário da Casa Civil) e Oswaldo Braga (Chefe da Fiscalização Geral), quisessem trabalhar na campanha dos representados – e isso seria absolutamente compreensível – deveriam, antes, ter solicitado licença sem remuneração, exatamente como fez Milton Cury de Paula, Assistente do Secretário Municipal de Turismo (fls. 295).
É inadmissível a manutenção de suas prebendas, parte delas com o acréscimo de um terço, e a dedicação em tempo integral à campanha dos representados.
Tal prática malfere o princípio da legalidade (artigo 37, caput, da Constituição Federal), que deve ser observado pelo administrador público na gestão do Estado. E a legalidade, “como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem
comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”.
Salienta FÁBIO KONDER COMPARATO que o que “destrói a vida política não é a injustiça ou o crime. É a mediocridade opaca e cinzenta dos acanhados desígnios e das decisões mesquinhas. A vida política degenera quando mergulha num ambiente de comédia e vulgaridade, abrindo espaço àquela banalidade do mal de que falou Hannah Arendt”.
Não é possível, no atual estágio do Estado brasileiro, compactuar com conduta que nos remete aos tempos do coronelismo.
Interpretar a norma proibitiva das condutas vedadas sob a ótica da permissividade é o mesmo que admitir uma hermenêutica “necrófila, não só da Constituição, mas igualmente, de toda a ordem jurídica”.
As férias daqueles servidores comissionados tinham prazos delimitados. Basta ver as publicações de fls. 276, 279 e 283. É intuitivo, portanto, que trabalharam na campanha dos representados não só ao longo de suas férias, mas também ao tempo em que estavam no exercício de seus misteres, como, aliás, disseram as testemunhas inquiridas em juízo.
Na verdade, o farto material fotográfico comprova que os representados, de forma acintosa, usaram a máquina pública ao longo de toda a campanha eleitoral de 2012. Por conseguinte, ainda que as férias possam ser englobadas no conceito de licença (artigo 73, III, da Lei nº 9.504/97), tem-se por verificada a glosa prevista em lei.
Colhe-se da doutrina que: “O poder outorgado ao administrador público não deve ser usado em seu próprio benefício, nem para favorecer ou prejudicar outras pessoas, mas em proveito dos administrados indistintamente”. Ora, as provas, indícios e circunstâncias reunidas neste feito revelam postura afrontosa a princípios constitucionais com deliberado propósito de fomentar
a campanha dos representados, ou seja, em proveito destes, e não da coletividade. E conforme já decidiu o STF, “indícios vários e concordantes são prova” (RTJ 52/140), razão por que servem de fundamento a um veredicto de procedência de qualquer ação.
Realmente, a concessão de férias para que servidores de alto escalão trabalhassem na campanha eleitoral dos representados teve finalidade diversa daquela pretendida pelo legislador, inclusive constituinte, qual seja: a recomposição da saúde física e mental dos servidores.
Na verdade, o vil objetivo é muito evidente: incremento da campanha política dos representados, e é bem por isso que a norma constitucional (artigo 14, § 9º) determina que “a normalidade e a legitimidade das eleições seja protegida contra esses males”.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO ensina que, em razão do princípio da moralidade, “a Administração e seus agentes têm de atuar de conformidade com princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio direito, configurando ilicitude, que sujeita a conduta à invalidação”.
Essa fraude na concessão de férias e licença-prêmio para que servidores públicos, especialmente os comissionados, trabalhem em campanha eleitoral é lembrada por RUI STOCO e LEANDRO DE OLIVEIRA STOCO, quando asseveram que:
“Pode ocorrer, entretanto, abusos na concessão de licença a servidores com o intuito de fraudar a proibição do dispositivo sob análise. Neste caso, nada impede que se considere configurado o excesso de poder e sejam cominadas as sanções administrativas e eleitorais cabíveis”.
Como dito alhures, seria ingenuidade acreditar que os servidores trabalharam somente nas férias. Aliás, um dos servidores referidos na inicial é Sílvio Geraldo Martins Filho, Diretor-Presidente da COHAB de Ribeirão Preto (fls. 1.686/1.689), e não consta dos autos tenha gozado férias durante a campanha dos representados.
Na verdade, gozou férias após o segundo turno das eleições, no período de 10 a 29 de dezembro de 2012, conforme se vê da declaração de fls. 1.686. E esse servidor – de alto escalão – é visto em muitas fotos (fls. 122, 129, 139, 155 e 161) e nos mais variados locais. Não é crível, portanto, que tenha participado da campanha somente após o horário de expediente.
Na verdade, o conjunto probatório demonstra que ele e muitos outros servidores trabalharam fora e no horário de expediente. A prova inserta nestes autos não permite outra conclusão. Como disse o Ministro GILMAR MENDES, ao proferir voto no Recurso Especial Eleitoral nº 21.320/RR, que decidiu pela cassação do Governador Francisco Flamarion Portela, de Roraima, “o conjunto da obra impressiona”.
O uso da máquina pública em campanha eleitoral se constitui em abuso do poder político que acarreta, como consequência lógica, a cassação do registro ou do diploma, independentemente de a potencialidade do fato influir no resultado. E para a caracterização desse abuso, não há necessidade da comprovação aritmética de seus efeitos; basta a probabilidade de comprometimento da normalidade e equilíbrio do pleito.
Sobre o tema colhe-se da jurisprudência o seguinte excerto de julgado: “Para a caracterização de violação ao art. 73 da Lei nº 9.504/97 não se cogita de potencialidade para influir no resultado do pleito. A só prática da conduta vedada estabelece presunção objetiva da desigualdade. Leva à cassação do registro ou do diploma. Pode ser executada imediatamente” (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 21.380/MG, relator o Ministro LUIZ CARLOS MADEIRA, j. 29.06.04, v.u.). Merece destaque, também, o voto do Ministro MARCO AURÉLIO, no Recurso Especial Eleitoral 12469 (DJ de 23/09/94). Sua Excelência deixou registrado que: “no que diz respeito à relac?ão causal necessária para que determinada conduta abusiva, antes de apurado o resultado das eleic?ões, possa ser considerada atentatória à normalidade e à legitimidade da eleic?ão, creio que a Justic?a Eleitoral deve satisfazer-se com a probabilidade do comprometimento, seja da normalidade, seja da legitimidade do pleito. E essa probabilidade de comprometimento (da normalidade ou da legitimidade, mas não necessariamente do resultado) do pleito caracteriza-se sempre que resultem comprovados comportamentos que revelem influe?ncia do poder político ou econo?mico no desenvolvimento do processo eleitoral. É que, em tais hipóteses, desaparecem ou a imparcialidade que se exige da administrac?ão pública, ou a neutralidade do poder econo?mico, pressupostos admitidos pela Constituic?ão como necessários à protec?ão da normalidade e da legitimidade das eleic?ões (art. 14, § 9º, CF/88)”.
Em realidade, no Egrégio Tribunal Superior Eleitoral tem prevalecido a tese de que “A configuração da prática de conduta vedada independe de potencialidade lesiva para influenciar o resultado do pleito, bastando a mera ocorrência dos atos proibidos para atrair as sanções da lei. Precedentes: Rel. Min. Arnaldo Versiani, AI n. 11.488, DJe 02.10.2009; Rel. Min. Marcelo Ribeiro, AgReg no REsp n. 27.197, DJe 19.06.2009; Rel. Min. Cármen Lúcia, REsp n. 26.838, DJe 16.09.2009” (AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N. 27.896 – CLASSE 22ª – SÃO PAULO (São José dos Campos), Relator originário: Ministro JOAQUIM BARBOSA, Redator para o acórdão Ministro FÉLIX FISCHER, j. 08.10.09, m.v.). Nesse aresto, decidiu-se que, por estabelecer hipóteses numerus clausus de condutas vedadas, os artigos 73 a 78 da Lei nº 9.504/1997 não impõem a potencialidade como requisito de condenação. Na verdade, a potencialidade da conduta “é dada pelo juízo de proporcionalidade que incide no momento de aplicação da penalidade, nos termos do art. 73, §§ 4º, 5º, 6º, 8º, do art. 75, parágrafo único, do art. 77, parágrafo único”.
Ao concluir seu voto, o Ministro FÉLIX FISCHER destacou que: “Deve-se, portanto, averiguar como o evento inquinado de ilicitude prejudicou a igualdade na disputa, não sendo indispensável que tenha maculado as eleições como um todo. Conforme a gravidade do fato pode-se optar pela aplicação das penas de cassação do registro ou do diploma e/ou multa no valor de cinco a cem mil UFIRs (§§ 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º, do art. 73 da Lei n. 9.504/1997)”.
Ou seja, ao contrário do quanto sustentado pela ilustrada defesa, o requisito da potencialidade lesiva é dispensável para a caracterização de condutas vedadas. Na verdade, utiliza-se a potencialidade apenas para fins de gradação da pena. Se grave a conduta – tal como verificada no presente caso – aplica-se a sanção mais severa (cassação); se leve, impõe-se pena pecuniária mínima de caráter meramente pedagógico, ou até mesmo nenhuma pena, como observou o Ministro FÉLIX FISCHER no precedente referido.
Ao tratar do abuso de poder (econômico, de autoridade e político) no processo eleitoral, PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS transcreve trecho de artigo jurídico de NEY LOPES (Inelegibilidades no Brasil, Revista de Direito Eleitoral, 4/22), que ele nomina de “lição-depoimento”.
Eis o teor da referida citação:
“Sendo político numa região como o Nordeste brasileiro, sabemos do quanto representa, para distorcer e macular a legitimidade dos eleitos, a influência e o abuso econômico. Esse fato é visível e notório, até nas regiões mais desenvolvidas do País. Logo, a inelegibilidade aplicável a quem tenha comprometido ou esteja comprometendo, durante a eleição, por si ou por outrem, a lisura do pleito, através do abuso do poder econômico ou da função pública, é pressuposto básico de uma sociedade democrática. Não se trata de limitar a cidadania, mas de torná-la legítima e transformá-la em instrumento real de promoção política do povo. Esta inelegibilidade é uma projeção do princípio constitucional da igualdade, evitando que aqueles que se candidatarem armados do poder econômico ou político, possam dispor e gozar de meios ilícitos de influências para situarem-se como beneficiários da confiança coletiva, sobrepondo, de forma privilegiada, àqueles que não disponham de tais meios ou recursos”.
Mesmo exigindo-se prova da potencialidade do ato para caracterização do abuso do poder político, a jurisprudência do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral já firmou entendimento de que: “não obstante o exame do requisito da potencialidade não se prenda ao resultado das eleições, nada impede que a diminuta diferença de votos entre o primeiro e o segundo colocados no pleito reforcem a sua ocorrência, como evidenciado na espécie” (AgR-AI n° 11.359/SC, relator o Ministro MARCELO RIBEIRO, j. 24.03.11, v.u.).
Sobreleva destacar, ademais, que em ações desta natureza tem-se exigido apenas indícios de potencialidade do ato revestido de abuso de poder político.
Realmente, segundo o Prof. EMERSON GARCIA, “Para que seja identificada a potencialidade do ato, é despicienda a apresentac?ão de cálculos aritméticos que venham a refletir uma diferenc?a quantitativa de votos em favor de quem o praticou ou mesmo a demonstrac?ão de relac?ão de causa e efeito entre o ato e o resultado do pleito. Pelo contrário, bastará que o ato,
analisado em si e sob a ótica da conjuntura em que foi praticado, denote ser potencialmente daninho à legitimidade do pleito, sendo apto a comprometer a igualdade entre os candidatos e influir sobre a vontade popular. O nexo de causalidade, consubstanciado na provável influe?ncia do ilícito no resultado eleitoral, é tão-somente indiciário, não conclusivo, prova, aliás, cuja produc?ão é de todo inviável”.
A questão da potencialidade, ademais, perdeu relevo, tendo em vista o acréscimo do inciso XVI, do artigo 22, da Lei Complementar nº 64/90, pela Lei Complementar nº 135/10, conhecida como Lei da Ficha Limpa, in verbis: “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das
circunstâncias que o caracterizam”.
O eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO, ao proferir voto no Recurso contra Diplomação nº 698, no qual decidiu-se pela cassação do Governador Marcelo Miranda, do Estado de Tocantins, esclareceu que:
“Como sabido, o nexo de causalidade quanto à influe?ncia das condutas no pleito eleitoral é tão somente indiciário. Digo eu, não é necessário demonstrar, de plano, que os atos praticados foram determinantes do resultado da competic?ão; basta ressair, dos autos, a probabilidade de que os fatos se revestiram de desproporcionalidade de meios (cf. RO nº 728, reI. Min. LUIZ CARLOS LOPES MADEIRA, o RO nº 896, reI. Min. CAPUTO BASTOS, o Ag nº 4.311, reI. Min. GILMAR MENDES, e o REspe nº 25.822, reI. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA). E, no caso, tenho que, conforme destacado pelo eminente Relator, a potencialidade está configurada”.
E continua:
“Na verdade, mais uma vez este Tribunal se ve? a brac?os com o desafio de ponderar colisão de ilegitimidades. Se, de uma parte, os recorridos granjearam a legitimidade pelo voto - que é uma legitimidade factual, ou de natureza material -, de outra parte, incidiram em ilegitimidade formal, ética e jurídica. E, nesse entrechoque de legitimidades, quando invencível, insuperável, o ordenamento jurídico faz uma clara opc?ão pela legitimidade formal”.
Finalizando, o eminente Ministro destacou que: “Não basta ganhar uma eleic?ão; não basta ser ungido na pia batismal do voto, é preciso alcanc?ar o resultado majoritário no esquadro, nos termos da Constituic?ão e leis infraconstitucionais”. Não há dúvidas, portanto, que a prática de condutas vedadas e o abuso de poder político evidenciados nestes autos subtrai
dos representados a legitimidade para o exercício dos cargos para os quais foram eleitos, na medida em que conspurcado o princípio republicano da igualdade proporcional no exercício e disputa de cargos públicos eletivos.
A falta de comprometimento dos representados com a lei e valores constitucionais torna-os carecedores de credibilidade para o exercício dos nobilíssimos cargos de prefeito e vice-prefeito, porque, conforme professa FÁBIO KONDER COMPARATO, “quanto maior o poder, maior deve ser a responsabilidade de seu titular”.
É inaceitável que, no exercício de seus mandatos, os representados, certos da impunidade, tenham ordenado e permitido o uso indiscriminado de todo um corpo funcional para, com isso, galgarem a reeleição. E o abuso do poder político que engendraram está testemunhado e retratado nestes autos. Mais que isso: tem outorga de recibo da barbárie cometida.
Basta ver as declarações de fls. 301/305 e 307/309 (juntadas pela defesa dos representados). Nesses documentos, servidores públicos comissionados confessam que trabalharam ao longo da campanha de reeleição dos representados. Muitos deles, aliás, reconhecidos pelas testemunhas inquiridas em juízo, como, por exemplo, Carlos Renato Buosi, Coordenador do
Programa Ribeirão Jovem (fls. 301), Janak Standoro Filho, Guarda Municipal (fls. 308), e Leocádia Maria Bini Fortuna, Guarda Municipal (fls. 309).
É certo que admitiram o trabalho na campanha com a escusa de que o fizeram fora do horário de expediente. Tal justificativa, todavia, não encontra amparo na prova dos autos. Ao contrário, é por ela infirmada, conforme se vê do farto material fotográfico juntado com a inicial e depoimentos colhidos em audiência, nenhum deles contraditado pelos representados, exceto
o de Fernando Chiarelli, que, porém, sequer foi utilizado por este julgador como meio de prova para a formação de sua convicção.
Poder-se-ia até dizer que a representada Dárcy da Silva Vera teria sido cautelosa na campanha ao baixar o Decreto nº 176, de 10 de setembro de 2012 (fls. 275) proibindo o trabalho de servidores públicos municipais em campanhas eleitorais.
Aquele decreto, no entanto, era absolutamente dispensável, uma vez que a proibição consta em Lei Federal (artigo 73, inciso III, da Lei nº 9.504/97) de conhecimento do mais simplório candidato.
Além disso, é sabido que todos, indistintamente, estão sob o manto de princípios constitucionais. E essa compreensão aos valores republicanos “há de estar na consciência de todos e deve ser exteriorizada de modo exemplar pelo comportamento de quem exerce o poder público”.
Ou seja, a alegação de que desconheciam o trabalho de seus áulicos não lhes socorre. Eles tinham pleno domínio da situação de fato, tanto que, em algumas fotografias, aparecem ao lado de servidores públicos em campanha.
As fotografias de fls. 119, 158 e 174 comprovam isso. Na verdade, eles tinham conhecimento da situação de fato e ainda incentivaram a odiosa conduta vedada por lei. Com efeito, basta ver a fotografia de fls. 125. Nela aparece, de costas, Jamil Albuquerque, Secretário de Governo, fazendo uma apresentação a cabos eleitorais.
Essa fotografia é emblemática do abuso praticado pelos representados e seus servidores. Jamil Albuquerque não estava ali tratando de assuntos ligados à administração, celebrando culto religioso ou proferindo palestra educativa aos circunstantes.
Estava, sim, tratando de assuntos ligados à campanha eleitoral dos representados; basta notar que todos estão com os uniformes de campanha. Dizer o contrário é subestimar a inteligência deste julgador.
Como assinala o Juiz ANTOINE GARAPON, os políticos são apanhados desprevenidos cometendo os mais variados atos ilícitos não porque desconheçam as leis ou as engrenagens da justiça, “mas porque, na verdade, a elas não é atribuída a força da obrigatoriedade”.
As condutas capitaneadas pelos representados são inerentes a quem não tem espírito público; são próprias daqueles que não respeitam princípios insertos na Constituição Federal. E essa maneira de se conduzir num processo eleitoral exige provimento jurisdicional adequado e proporcional à ilicitude cometida, porque, conforme salienta ANTOINE GARAPON, “o mau uso do direito é tão ameaçador para a democracia como o seu pouco uso”.
O caso vertente faz rememorar o Recurso Contra Diplomação nº 671, julgado pelo Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, relativo à cassação do mandato do Governador Jackson Kepler Lago, do Estado do Maranhão, de relatoria do eminente Ministro EROS GRAU, julgado em 03.03.2009.
Naquele feito, o ínclito Ministro CARLOS AYRES BRITTO, ao proferir seu voto, asseverou que: “o princípio constitucional da impessoalidade, que é expressão eminente do princípio republicano, figura no § 1º, do artigo 37 da Constituição Federal, foi vulnerado, violado. E quando alguém se predispõe, no poder, a usar a estrutura dele mais do que seu prestígio, seu histórico de vida, sua biografia, a serviço de uma candidatura, os desmandos, as fraudes, os desvios, os abusos sobrevêm como que naturalmente, por gravidade”.
E continua:
“A predisposição para usar a máquina administrativa sob a lógica pragmática do vale-tudo, fazendo jus ao dito horroroso de que ‘o feio em política é perder’, ou ‘para os inimigos a lei, e para os amigos tudo’, terá como consequência a perda do mandato. E a Justiça Eleitoral não faz senão cumprir o seu papel de velar palavras da Constituição, pela normalidade e legitimidade da eleição”.
E arremata:
“É preciso ganhar legitimamente, sem abusar jamais da máquina administrativa, sem incidir nesta terrível doença institucional do país, que é o patrimonialismo, compreendido como indistinção entre o público e o privado”.
O respeito a regras e princípios, especialmente aqueles de índole constitucional, funciona como elemento catalisador de toda a ordem jurídica. Por isso, quando um agente público usa a estrutura de seu poder em benefício próprio ou de terceiro com o objetivo de desequilibrar um pleito, ele nada mais faz do que desrespeitar a Constituição Federal. E não é somente o Poder
Judiciário que deve respeito à Carta Magna, mas “todos os ‘poderes’. Nenhum destes está desvinculado e nem acima das determinações constitucionais, no contexto do Estado Democrático de Direito”.
Como disse Dante Alighieri, “o direito é uma proporção real e pessoal de homem a homem; desde que essa medida e essa proporção sejam respeitadas, a sociedade está sã e salva; se são violadas, a sociedade se decompõe”.
Em suma, o abuso perpetrado pelos representados impõe sanção em justa medida ao abalo causado, porquanto a Justiça Eleitoral “tem de demonstrar a sua eficiência pelos resultados que possa obter na frenação de qualquer abuso de poder, seja proveniente de agentes públicos, seja cometido por instâncias privadas. É propriamente o poder, no exercício expansivo de suas dominações corrosivas, que precisa ser flagrado e contido.
É certo que servidores comissionados podem trabalhar em horários variados; isso é inerente às suas atividades. Tal condição, porém, não lhes confere o direito de participação intensa em campanhas eleitorais. O excesso e o desvio de poder, deles ou de seus superiores, especialmente daqueles que concorrem a uma reeleição, tal como verificado no presente caso, caracterizam conduta vedada, capaz de possibilitar a imposição das sanções previstas em lei.
Como lembra JOEL J. CÂNDIDO, “Não importa a natureza da investidura do servidor. O que importa para se definir a inclusão, ou não, é se ele é, ou não é, remunerado pelos cofres públicos. Assim, é irrelevante a condição de integrar ele os cargos de confiança”.
Ficou muito evidente que a fraude, o excesso e o desvio de finalidade verificado no caso ora em julgamento desequilibraram o pleito em Ribeirão Preto. Como lembra JOSÉ JAIRO GOMES, “O que se combate, aqui, é o desequilíbrio patrocinado com recursos do erário. Trata-se de dinheiro público, oriundo da cobrança de pesados tributos, que direta ou indiretamente é
empregado para irrigar ou alavancar campanhas eleitorais”.
E o local onde esses servidores (comissionados ou efetivos) trabalharam durante a campanha eleitoral dos representados é de todo irrelevante. Não importa se trabalharam em comitês, nas ruas, clubes, associações etc. A terminologia empregada pela lei eleitoral “comitês de campanha eleitoral de candidato”1 compreende não só o espaço físico em que funciona um comitê propriamente dito (de qualquer candidato ou coligação), como também passeatas, carreatas, distribuição de material em ruas e avenidas, ou seja, exatamente como fizeram os servidores públicos subordinados aos representados, grande parte deles titulares de cargos em comissão.
Em suma, comprovado o uso desses servidores em campanha dos representados, impõe-se a glosa prevista no § 5º, do artigo 73, da Lei nº 9.504/97, e artigo 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/10 (Lei da Ficha Limpa). Basta, pois, fixar as sanções cabíveis à espécie.
Na estipulação das penas, observo que os fatos são induvidosamente graves. Por conseguinte, serão impostas, aos representados, as penas de multa, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada um, a cassação de seus diplomas (prefeito e vice-prefeito) e, ainda, a declaração de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes
àquelas de 2012, contada do segundo turno (28 de outubro de 2012).
Posto isso e considerando tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar os representados DÁRCY DA SILVA VERA E MÁRIO VIEIRA SAMPAIO FILHO, qualificados nos autos, como incursos nas sanções do artigo 73, III, da Lei nº 9.504/97 impondo-lhes as seguintes sanções: 1) multa, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada um; 2) a cassação de seus diplomas (prefeito e vice-prefeito); 3) declaração de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes às de 2012, contada do segundo turno (28 de outubro de 2012), o que faço com fundamento no § 5º, do artigo 73, da Lei nº 9.504/97, e artigo 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/10.
Providencie a serventia a extração de cópias de inteiro teor destes autos, remetendo-as, depois, à Promotoria de Justiça da Cidadania para, querendo, instaurar inquérito civil para fins de apuração de atos de improbidade administrativa.
P.R.I.
Ribeirão Preto, 8 de março de 2013.
HÉBER MENDES BATISTA
JUIZ ELEITORAL