Sem razão e sem sensibilidade

“Atualizar” clássicos para torná-los palatáveis ao público mediano não é novidade. Principalmente quando o assunto são as obras de Jane Austen (que o digam As Patricinhas de Beverly Hills, adaptação de Emma, e O Diário de Bridget Jones, livremente inspirado em Orgulho e Preconceito). Bollywood, por exemplo, fez versões divertidíssimas dos livros de Austen, com direito àquelas dancinhas típicas dos filmes indianos no final.

Como fã da escritora britânica, gosto de conferir o que fazem com o trabalho dela e seus personagens. Até li títulos “apócrifos” como Mr. Darcy: Vampyre, de Amanda Grange (divertidíssimo, Darcy é daqueles vampiros à moda antiga que viram morcegos) e Jane Austen: A Vampira, de Michael Thomas Ford (decepcionante, apesar da premissa interessante). No domingo passado, assim que acordei, vesti uma roupinha esportiva para caminhar no Bosque e liguei a TV enquanto tomava café da manhã. Zapeando, me deparei com a exibição na HBO de um longa-metragem chamado Aromas e Sensibilidade (Scents and Sensibility, EUA, 2011). “Será?”, pensei. Decidi conferir. Pelo título, deu para perceber tratar-se de adaptação de Razão e Sensibilidade, obra levada ao cinema com maestria pelo diretor Ang Lee em 1995, com Emma Thompson e Kate Winslet como as irmãs Dashwood. É possível competir com isso? Pois Brian Brough acreditou que sim...

O filme me fisgou. Não porque era bom, muito pelo contrário. A cada cena me perguntava: será que fica pior? E ficava. Como escrevi no parágrafo anterior, Ang Lee dificultou a vida dos diretores determinados a adaptar novamente Razão e Sensibilidade. De forma que Brian Brough optou por atualizar a trama infantilizando-a. Alguns personagens, inclusive, pareciam saídos das novelas mexicanas da Televisa.

Elinor e Marianne Dashwood (Ashley William e Marla Sokoloff, respectivamente) são obrigadas a procurar emprego depois que o pai delas é acusado de estelionato. Como ele jogou com o dinheiro alheio e foi condenado à prisão perpétua, ninguém quer dar (um bom) emprego para as irmãs, e o que elas conseguem não é nada glamouroso. Elinor, por exemplo, trabalha como faxineira num spa administrado por Fran Ferris (JJ Neward), e tem entre suas colegas de trabalho a malvada recepcionista Lucy Stelle (Jaclyn Hales), que faz o serviço sujo da patroa.

John Willoughby (Jason Celaya), o primeiro amor de Marianne, é um homenzinho manipulado por Fran. Aqui vale um parêntese: o personagem original é um interesseiro, falso mesmo — o que ele faz com a coitada da Marianne é imperdoável —, mas tem seu charme. O de Aromas e Sensibilidade é um bobalhão que poderia estar em Maria do Bairro ou em A Usurpadora. Não dá para conceber Marianne apaixonda por um sujeito caricato desses.

Brandon (Nick Zano), o “cara mais velho” que se interessa por ela e que acaba por conquistá-la, nem é tão mais velho assim. Ele é bem bonitinho, na verdade, mas é só. Sem sal, sem açúcar. Nem dá para dizer que falta profundidade ao personagem, principalmente porque qualquer comparação com o trabalho magistral de Alan Rickman — ator conhecido das novas gerações por ter interpretado Severo Snape na série Harry Potter —, como o Brandon do filme de Ang Lee, seria injusta. E o mesmo se repete com Edward Ferris (Brad Johnson), o amor de Elinor.

Sim, há de se levar em conta que é um telefilme. Mas a conclusão a que cheguei é que o legado de Jane Austen poderia passar sem Aromas e Sensibilidade. Aliás, ouso sugerir que assassinar um clássico deveria resultar em sete anos de azar ou algo do tipo.

P.S.1: Acho que vou me arriscar a escrever um manual do tipo “como acabar com um clássico da literatura em cinco lições”. Será que emplaca? Aceito sugestões e palavras de encorajamento!

P.S.2: O “aromas” do título é uma referência ao hobby de Marianne, que é fazer perfumes e loções de beleza...

P.S.3: Ah... E, se interessar a alguém, apesar da demora de quase duas horas, desliguei a TV e fui passear no Bosque.