ÓDIO SEM FIM

Violência contra mulher faz mais duas vítimas na região

Maridos matam as suas companheiras, uma de Limeira e outra de Santa Bárbara, diante dos filhos

Alenita Ramirez/ [email protected]
21/09/2023 às 09:13.
Atualizado em 21/09/2023 às 09:13
Angeliandra (na foto à esquerda), de 32 anos, foi assassinada pelo marido, Silvio de Souza Ferreira, de 36 anos; na foto à direita, Isabela, de 19 anos, foi espancada até a morte pelo companheiro Wesley, de 30 anos (Divulgação)

Angeliandra (na foto à esquerda), de 32 anos, foi assassinada pelo marido, Silvio de Souza Ferreira, de 36 anos; na foto à direita, Isabela, de 19 anos, foi espancada até a morte pelo companheiro Wesley, de 30 anos (Divulgação)

Duas mulheres da macrorregião de Campinas foram brutalmente assassinadas por seus companheiros em menos de 24 horas e diante de seus filhos pequenos. Os crimes ocorreram entre a madrugada e a noite de terça-feira (19), sendo um deles em Limeira e o outro em Ibate, município situado a 157 km de Campinas, onde a vítima era originária de Santa Bárbara d'Oeste. Nesse último caso, a mulher contava com medidas protetivas, porém ainda permanecia presa em um ciclo de violência do qual não conseguira se libertar.

Recentemente, o Governo Estadual implementou um projeto-piloto na capital paulista de monitoramento de indivíduos detidos em flagrante por casos de violência doméstica e outros delitos, os quais são liberados durante a audiência de custódia. Esse programa envolve a utilização de tornozeleiras eletrônicas, e para casos de violência doméstica, o monitoramento será supervisionado pelas Delegacias de Defesa da Mulher (DDM).

Nos primeiros oito meses deste ano, a macrorregião registrou um total de 22 feminicídios, dos quais 11 ocorreram na área de Campinas. Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) indicam um aumento de 34% nos casos de feminicídio durante o primeiro semestre de 2023 em comparação com o mesmo período do ano anterior, com 111 casos registrados em todo o Estado de São Paulo, em contraste com os 83 do ano passado. Além disso, os registros de medidas protetivas cresceram 17% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2022.

No que diz respeito aos crimes em questão, o primeiro ocorreu com a vítima Isabela Cristina da Silva Lopes, de 19 anos, uma dona de casa. Ela era natural de Santa Bárbara d'Oeste e vivia com seu companheiro desde 2021, no Jardim América, em Ibate. A jovem foi brutalmente espancada pelo parceiro, o auxiliar geral Wesley Henrique Bacalan Alonso, de 30 anos, utilizando um cabo de rodo e um cano de alumínio com cerca de 1,10 metros.

De acordo com informações da polícia, Alonso justificou suas ações alegando que estava sendo traído e alegou ter visto o vizinho pulando o muro. No entanto, já havia registros anteriores de acusações semelhantes contra a vítima. As agressões ocorreram diante da filha do casal, uma criança de 3 anos. Vizinhos alertaram a Polícia Militar (PM), que compareceu ao local e encontrou a vítima e sua filha no quintal da residência, pedindo socorro.

Segundo relatos dos policiais, o agressor tentou impedir o socorro à vítima, mas a criança informou aos agentes que "o papai tinha machucado a mamãe", forçando o agressor a destrancar o portão. A jovem, embora gravemente ferida nos braços e pernas, foi levada ao hospital, onde sofreu duas paradas cardiorrespiratórias e veio a falecer. O agressor foi detido em flagrante, e a criança foi entregue ao Conselho Tutelar.

Segundo o delegado Gilberto de Aquino, o relacionamento do casal teve início quando a vítima tinha apenas 15 anos e o autor do crime, 27. Naquela época, ambos moravam em Santa Bárbara d'Oeste, e a jovem havia registrado três boletins de ocorrência contra o agressor. Dois deles datavam de 2021, em Santa Bárbara d'Oeste, e em março de 2022, ele fora preso por lesão corporal e violência doméstica, após agredi-la em um motel.

Consta que o agressor era usuário de drogas, e a vítima havia obtido medidas protetivas contra ele, sendo que em uma ocasião anterior, ele a desrespeitou, resultando em sua prisão por dois meses. Após um período de separação, o casal reatou o relacionamento, que não perdurou, levando-os a se separar novamente. Após esse segundo término, o homem se mudou de Santa Bárbara d'Oeste para Ibaté.

Em julho deste ano, a vítima foi a Ibaté para permitir que o agressor visse a filha. Durante esse encontro, eles decidiram retomar o relacionamento, de acordo com a versão apresentada pelo agressor à polícia, levando a jovem a se mudar também para aquela cidade. No entanto, essa informação será investigada pela polícia junto à família da vítima. O corpo dela foi enterrado na manhã de na quarta-feira (20) em Santa Bárbara d'Oeste. A filha deverá ser entregue á família da vítima.

LIMEIRA

A outra tragédia aconteceu em um apartamento no Jardim Campo Verde, em Limeira. Angeliandra Antônia Alves Ferreira, de 32 anos, foi assassinada pelo marido, Silvio de Souza Ferreira, de 36 anos, que desferiu pelo menos oito golpes de faca na região posterior do pescoço, ombro, peito e costas dela. O crime aconteceu por volta das 22h30, na presença dos filhos do casal, um menino de 11 anos e uma menina de 3 anos. Eles haviam acabado de voltar da igreja. O filho mais velho tentou intervir para proteger a mãe e acabou ferindo sua mão direita. Ele também impediu que o pai pulasse do apartamento, localizado no 2º andar, segurando-o e pedindo socorro desesperadamente.

De acordo com o registro policial, um casal vizinho escutou os gritos e prontamente foi ajudar a criança. "Desci para averiguar a situação e me deparei com um menino de aproximadamente 10 ou 12 anos, ensanguentado. Minha primeira reação foi tirar as duas crianças do interior do apartamento", relatou um vizinho solidário. As duas crianças estavam na sala, enquanto a mãe estava caída entre a cama e o guarda-roupa, e o pai estava deitado na cama.

Relatos do mesmo vizinho à polícia revelaram que, após resgatar as crianças, o agressor ainda tentou incendiar o apartamento, quebrando o registro do gás. Ele chamou outros moradores do prédio para que evacuassem o local e, em seguida, fechou o registro geral. Quando o socorro chegou à cena do crime, a mulher já estava morta. O homem foi preso em flagrante e está internado na Santa Casa de Limeira, em estado grave, sob escolta policial.

Segundo o delegado Rodrigo Rodrigues, o autor era usuário de drogas. Quando a vítima retornou da igreja com as crianças, ele começou a questionála, acusando-a de traição. O menino relatou aos policiais militares que o pai iniciou a agressão com a faca logo após os questionamentos. O agressor já possuía antecedentes criminais e os filhos do casal foram entregues aos cuidados de familiares.

TORNOZELEIRA

Recentemente, o Governo Estadual lançou um projeto piloto na cidade de São Paulo, visando o monitoramento de indivíduos presos em flagrante por casos de violência doméstica e outros crimes, que são liberados durante a audiência de custódia. Esse projeto é executado por meio do uso de tornozeleiras eletrônicas. O programa teve início no último dia 11 e prevê uma implementação gradual em todo o Estado, embora ainda não haja uma data definida para sua chegada à região de Campinas.

Com apenas uma semana de funcionamento, 11 infratores já foram equipados com tornozeleiras eletrônicas. Desses, cinco foram beneficiados pela Lei Maria da Penha. Contudo, um deles foi detido no dia 15 pela Polícia Militar devido à sua aproximação da residência da vítima e ao descumprimento da ordem judicial. Nesta semana, o governo estadual anunciou que o monitoramento de casos de violência doméstica incluirá a participação ativa das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM). O CICC realiza o monitoramento em tempo real de todos os agressores que estão usando tornozeleiras eletrônicas. Em caso de violação da ordem judicial por se aproximarem da vítima, o sistema envia um alerta ao Centro de Operações da Polícia Militar (Copom).

Em uma entrevista concedida ao Correio Popular no início deste mês, a delegada aposentada Teresinha de Carvalho e a delegada titular da 1ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), Ana Carolina Bacchi, destacaram que esse equipamento representa mais um recurso valioso no combate à violência doméstica, com o potencial de salvar vidas. No entanto, elas também ressaltaram a importância de implementar programas de intervenção junto aos agressores, a fim de abordar a raiz do problema.

Ao abordar os trágicos assassinatos, a delegada Teresinha compartilhou suas reflexões: "Vivenciei uma época em que a violência contra a mulher era tratada no âmbito familiar, permitindo que o agressor se manifestasse. Hoje, observo um nível alarmante de ódio, e a impossibilidade do agressor se expressar leva-o a sentir que lhe são negados seus direitos, o que pode resultar em desfechos trágicos irreversíveis. Precisamos de políticas públicas que abordem as raízes da violência, o que implica em lidar com o agressor antes de considerá-lo um criminoso. Fatores como desemprego, alcoolismo, ciúmes e a sensação de injustiça representam uma combinação perigosa. Casos graves devem ser tratados de forma distinta dos casos de violência recorrente."

Sobre o uso de tornozeleiras eletrônicas e outras medidas de segurança oferecidas pelo Estado, Teresinha ponderou que embora o Estado prometa segurança para denunciar, carece de estrutura eficaz para garantir a segurança das mulheres. "Dispositivos como tornozeleiras, programas de acompanhamento virtual ou câmeras em pontos de ônibus e campanhas de conscientização, como o 'Não Se Cale', são medidas educativas que podem contribuir para uma mudança de comportamento a longo prazo. No entanto, é importante reconhecer que nenhuma delas é capaz de assegurar a integridade física ou a vida de uma mulher. A realidade é que não podemos ter um policial de plantão na casa de cada vítima." 

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por