Empresário, detido em Valinhos, já havia levado um recém-nascido em novembro
O empresário português preso ontem pela Polícia Federal já havia transportado um bebê de 19 dias da Santa Casa de Valinhos para Portugal (Rodrigo Zanotto)
A Polícia Federal (PF) deteve na segunda-feira (4) um empresário português de 49 anos na Santa Casa de Valinhos, sob a acusação de envolvimento em tráfico de bebês recémnascidos, no âmbito da Operação Deverra. O indivíduo já havia transportado um bebê de 19 dias da Santa Casa de Valinhos para Porto, em Portugal, no mês anterior. No total, seis mandados judiciais foram cumpridos, sendo três em Valinhos e três em Itatiba. Duas advogadas, duas mães e uma intermediadora também estão sob investigação. Durante a operação, foram apreendidos R$ 100 mil em dólares e euros.
A denúncia chegou à PF por intermédio do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPS), representado pela promotoria de Valinhos, na noite de quarta-feira (29). O alerta informava sobre um cidadão português que estava registrando um recém-nascido em seu nome, com guarda unilateral, implicando que apenas o pai assumiria a responsabilidade pela criança. Nascida em 24 de novembro, a criança estava sob cuidados médicos no Hospital Santa Casa e foi abandonada pela mãe, alegando residir em São Paulo.
O caso chamou a atenção do Grupo de Repressão a Crimes contra Direitos Humanos da Delegacia de Polícia Federal de Campinas, suscitando suspeitas de tráfico internacional de bebês. Isso porque foi identificado que, em menos de um mês, o mesmo indivíduo registrou outra recém-nascida como sua filha no mesmo hospital. Essa criança era filha de outra mulher, natural do Pará, que havia se dirigido à Santa Casa de Valinhos apenas para dar à luz e, posteriormente, abandonar o bebê.
Da mesma forma, a primeira criança também foi registrada com guarda unilateral, permitindo que o indivíduo contornasse as autoridades e levasse a criança consigo para o país europeu. Durante a investigação, a Polícia Federal constatou que, em ambos os casos, os registros de paternidade foram elaborados com documentos falsos e endereços fictícios de Itatiba e Valinhos, enquanto o homem, na realidade, residia em Portugal.
Os registros nos sistemas da Polícia Federal revelaram um total de quatro viagens do homem ao Brasil. A primeira ocorreu em 30 de maio de 2015, com retorno em 14 de junho de 2015. A segunda foi em 2 de junho de 2021, com retorno em 11 de junho de 2021. A terceira ocorreu em 24 de outubro deste ano, com retorno em 16 de novembro, período em que ele levou a bebê de 19 dias. A última viagem foi em 23 de novembro, um dia antes do nascimento da última criança.
Visando evitar que mais uma criança fosse retirada de maneira ilegal, a Polícia Federal agiu, efetuando a prisão do indivíduo na manhã de segunda-feira (4). Segundo a delegada da Polícia Federal, Estela Beraquet Costa, no momento da prisão, o suspeito afirmou ser homossexual e casado com outro homem em Portugal, onde tentou, sem sucesso, adotar uma criança. Dessa forma, ele teria se aproveitado de uma fragilidade no Brasil para realizar a remoção ilegal dos bebês.
"Ele veio buscar no Brasil essas crianças. Já pedimos informações em Portugal, mas não está confirmada a versão dele, o que sabemos é que ele traficou uma criança, já levou uma criança irregularmente para Portugal, e tentou levar outra. Não da pra saber se efetivamente era para ele. Mas independente, ele não pode levar a criança, existem regras claras em relação à adoção no país. Claramente ele violou regras e cometeu crimes gravíssimos. Sem contar que ele levou uma criança, com menos de um mês de vida, colocou num avião para um voo de 9, 10 horas. As visitas que ele fazia no hospital eram de 10 minutos. Então a postura como um pai, eu me questiono também. Uma pessoa que quer adotar faz uma visita de 10 minutos?", enfatizou a delegada.
Para conduzir o esquema, o indivíduo contava com a colaboração de duas advogadas de um escritório em Itatiba, responsáveis pelos trâmites de paternidade em conjunto com as mães. Durante uma busca no escritório das advogadas, uma equipe da Polícia Federal encontrou a quantia de R$ 100 mil em dólares e euros.
Uma terceira mulher, identificada como intermediadora, estava presente no momento da prisão do português e afirmou auxiliar no processo de registro de paternidade. No total, foram cumpridos um mandado de prisão preventiva e dois mandados de busca pessoal em Valinhos, além de um mandado de busca e apreensão e dois mandados de busca pessoal em Itatiba. Durante as operações, foram apreendidos o dinheiro encontrado no cofre do escritório de advocacia e os celulares do português, da intermediadora e das advogadas. As mães dos bebês não foram localizadas.
A Polícia Federal (PF) está colaborando com as autoridades da Polícia Federal de Portugal, que informaram que o primeiro bebê encontra-se na cidade do Porto. Até o momento, os delitos investigados sugerem que os envolvidos poderão ser acusados de crimes como tráfico internacional de crianças, registro falso e promoção de atos destinados ao envio de crianças ou adolescentes para o exterior, desconsiderando as formalidades legais e visando lucro, entre outros delitos que serão especificados após a análise do material apreendido. A pena prevista para tais crimes pode ultrapassar 18 anos.
O bebê que o suspeito tentou levar permanece internado no Hospital Santa Casa de Vinhedo, passando pelos procedimentos legais para possibilitar a adoção. Em uma coletiva de imprensa realizada na segunda-feira (4) à tarde, a delegada não descartou a possibilidade de envolvimento de algum funcionário do hospital no caso, dado que ambas as mães, uma do Pará e outra de São Paulo, dirigiram-se à unidade apenas para dar à luz e, em seguida, abandonaram os bebês para o empresário português levar.
A equipe de reportagem do Correio Popular esteve na Santa Casa, mas a direção do hospital recusou-se a comentar o caso, limitando-se a afirmar que está colaborando integralmente com as investigações conduzidas pela PF.
O QUE FALTA SABER
Ainda há aspectos a serem esclarecidos durante as investigações em curso. A Polícia Federal está averiguando se, nas outras viagens do português ao Brasil, ele retornou a Portugal com outras crianças. Embora não haja registros adicionais de paternidade em seu nome, as apurações não excluem a possibilidade do uso de identidades falsas.
A PF, em colaboração com as autoridades policiais de Portugal, está investigando o paradeiro da criança que foi levada por ele para Portugal no mês passado. Além disso, o foco está na identificação do papel desempenhado pela mulher intermediadora, na localização das mães envolvidas e na origem do dinheiro encontrado no escritório de advocacia.
O nome da operação, Deverra, tem origens na mitologia romana, onde Deverra era uma deusa que protegia parteiras e mulheres durante o trabalho de parto, sendo simbolizada por uma vassoura com a qual afastava más influências.
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