Segundo o Tribunal de Justiça, procura por medida protetiva reflete mudança de postura feminina
Presidente da Comissão da Mulher da OAB, Jaqueline Gachet: "Isso é reflexo do encorajamento das mulheres. Elas estão mais informadas e passaram a compreender o que é violência" (Alessandro Torres)
Ao passo que crescem as denúncias sobre violência doméstica, aumenta-se também o número de medidas protetivas concedidas pela Justiça. Em Campinas, dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) apontam uma alta de 3,05% no primeiro trimestre deste ano em comparação com igual período de 2022. O percentual é um pouco mais elevado quando se fala em concessão diária, que registrou 4%. Pelos números apresentados, neste ano, em média, 4,9 mulheres por dia obtiveram na justiça o documento para garantir o afastamento do agressor de seu alcance. No ano passado, em igual período, o número foi de 4,75 diariamente.
O aumento de concessão de medidas vem sendo registrado desde 2020 e em 2021, ainda na pandemia, foi registrado a maior alta de pedidos, com 16,5%. "Isso é reflexo do encorajamento das mulheres. Elas estão mais informadas e passaram a compreender mais o que é violência", justificou a advogada, presidente da Comissão da Mulher Advogada da Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Campinas, especialista em Direito Homoafetivo e de Gênero e Defensora dos Direitos à Cidadania pelo Instituto Maria da Penha, Jaqueline Gachet.
Em Campinas, a medida protetiva é concedida pelo juiz da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, inaugurada em maio de 2018. Pela lei em vigência, a medida protetiva é concedida 96 horas após o pedido da vítima, ou seja, quatro dias depois. O caminho das pedras para a concessão começa quando a vítima de violência doméstica registra queixa na delegacia e o delegado tem 48 horas para analisar e enviar o pedido para a Justiça, que também tem 48 horas para conceder. Com o parecer positivo do magistrado, o documento terá validade que varia de 30 a 90 dias.
Com o documento em mãos, qualquer ameaça de aproximação ou contato do agressor, a vítima pode acionar a polícia. Existem dois canais de denúncia, o 190 da Polícia Militar (PM) e o 180 do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Em Campinas, a vítima que obtém a medida protetiva ingressa no programa da Guarda Municipal (GM), o "Guarda Amigo da Mulher".
Para vítimas ouvidas pela reportagem, o prazo para a concessão se torna doloroso já que cada minuto de espera e desproteção representa riscos de vida. "Parece que não levam em seriedade a violência doméstica. Tenho total consciência de que o papel não impede a ação de um agressor, mas o intimida", disse uma vítima que pediu para não ter o nome divulgado e desistiu de ampliar o prazo de proteção.
Dados do Fórum de Segurança Pública divulgados no início deste ano revelaram que no primeiro semestre de 2022, o Brasil registrou aumento de 3,2% no número de feminicídio no Brasil, o equivalente a 4 mortes de mulheres vítimas de violência por dia em comparação com igual período de 2021. Ainda conforme o relatório, Campinas registrou entre maio de 2021 a fevereiro de 2022, uma média de 11 casos por dia de agressão contra mulheres. Somado a isso, também contabilizou uma média de 2,7 casos de estupros por dia e na maioria no ambiente familiar.
"Os estupros acontecem também dentro dos relacionamentos, o chamado estupro marital, mas que pouco se falam disso. E é em casos assim que existe a importância de se mudar a lei para conceder a medida protetiva", defendeu Jaqueline.
Mudanças
Recentemente, duas medidas de proteção à mulher tramitam no Governo Federal. Uma delas, sancionada nesta semana pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, estabelece o atendimento priorizado, de qualidade e 24 horas sete dias na semana para mulher vítima de violência doméstica. A outra, propõe a mudança na Lei Maria da Penha, com uma emenda que sugere o aumento da proteção através da medida protetiva de emergência.
Pelo texto da lei, as medidas protetivas devem ser emitidas com urgência às mulheres a partir da denúncia a qualquer autoridade policial ou a partir de alegações escritas. Além disso, também exclui o prazo de validade e determina que a autorização vigore enquanto persistir o risco de vida da mulher. A proposta já foi aprovada no final de março no Senado e aguarda sanção presidencial.
A autora do projeto é a ex-senadora e atual ministra do Planejamento, Simone Tebet, que justificou sua proposta ao fato de "evitar interpretações diversas de juízes ou policiais, que se valem de supostas brechas para não conceder a proteção, deixando de aplicar a lei".
O projeto original sofreu emendas aprovadas da relatora, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que estabelece que as medidas protetivas poderão ser concedidas mediante avaliação da autoridade sobre a existência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
"A proposta de mudança é boa, válida e necessária, mas depende de regulamentação, pois do jeito que está, causa dúvida quanto à sua aplicação. A lei é clara ao dizer que não há necessidade de boletim de ocorrência, nem inquérito, processo judicial e nem um outro procedimento para a concessão da medida, mas é preciso compreender, na prática, em que momento a mulher terá a medida protetiva nas mãos e quem irá a conceder", disse Jaqueline.
Enquanto é aguardada a mudança nas regras para obtenção da medida protetiva, já está valendo a lei que amplia o atendimento especializado para mulheres nas delegacias. A medida obriga os municípios a terem delegacias especializadas de atendimento à mulher (Deam) funcionando 24 horas por dia, de segunda a domingo, incluindo feriados. No Estado de São Paulo existem 140 delegacias de Defesa da Mulher (DDM) com este tipo de funcionamento e uma delas funciona em Campinas há quatro anos.
Pela lei, nos municípios onde não tem DDM ou Deam, a delegacia comum deverá priorizar o atendimento da mulher vítima de violência por agente feminina especializada. O governo federal promete recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) para serem usados na criação de unidades especializadas em conformidade com as normas técnicas de padronização estabelecidas pelo Poder Executivo.
O atendimento deverá ser feito, preferencialmente, em sala reservada e por policiais do sexo feminino. A regra deve ser obedecida não só pelas delegacias que serão criadas, mas também por aquelas que já existem.