Município oferece suporte a indivíduos em busca de refúgio longe de ambientes domésticos hostis
O recorde de acolhimento de vítimas foi registrado em 2019, quando 67 mulheres e 86 crianças e adolescentes passaram pelo atendimento (Kamá Ribeiro)
Durante três décadas, Vitória suportou uma dolorosa realidade, sendo vítima de agressões físicas e psicológicas por parte do homem em quem, na adolescência, depositara a esperança de uma vida feliz. Entretanto, há dois meses, ela ousou dar um ponto final nessa história desoladora. Foi um momento de escolha entre a liberdade e a perpetuação do sofrimento, e Vitória optou corajosamente pela primeira alternativa. Em busca de ajuda, encontrou o apoio necessário. Um dia, despertou, tomou a decisão de empacotar sua bíblia e documentos na bolsa e nunca mais voltou para a casa que, por tanto tempo, foi palco de suas aflições. "Apesar do medo de ser encontrada, estou em paz. Estou segura. Minha única preocupação agora é encontrar um lugar onde eu possa viver sem temores e recomeçar minha vida profissional", compartilhou.
Vitória, pseudônimo de uma vítima de violência doméstica, representa uma das 16 mulheres assistidas no Serviço de Atenção e Resgate à Mulher (Sara-M), um refúgio seguro e confidencial destinado a mulheres que enfrentam situações de violência. Este espaço oferece suporte integral, escuta qualificada, alimentação e encaminhamento para os serviços necessários, proporcionando às mulheres a oportunidade de se afastarem de situações de risco e romperem com o ciclo de violência.
O público-alvo são mulheres maiores de 18 anos, com ou sem filhos, encaminhadas pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) ou por órgãos de proteção à mulher vítima de violência. Somente este ano, o abrigo acolheu 70 mulheres e 69 crianças e adolescentes, um aumento significativo de 25% em relação ao total do ano anterior, que foi de 56 atendimentos. De acordo com dados da Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, os números deste ano ultrapassam os registros de todos os anos desde 2019.
Durante o período entre 2020 e 2021, o ápice da pandemia, o atendimento alcançou a marca de 58 mulheres e 79 crianças e adolescentes em 2020, e 67 em 2021. Muitas das mulheres abrigadas têm filhos menores ou dependentes, tornando imperativo o abandono de seus lares na companhia deles. O abrigo, com uma capacidade inicial para 16 vagas, ultrapassou sua lotação neste ano, de acordo com informações da Pasta. Cada família pode permanecer no abrigo por até três meses, embora esse prazo possa ser prolongado em casos mais graves, levando em consideração a gravidade da situação.
O recorde de acolhimento de vítimas foi registrado em 2019, quando 67 mulheres e 86 crianças/adolescentes passaram pelo abrigo. A secretária da Pasta, Vandecleya Moro, enfatizou que a violência contra a mulher é um problema social e de saúde pública persistente. Ela destacou os esforços da Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, que implementa diversos serviços e programas em prol da dignidade feminina. O abrigo desempenha um papel crucial ao oferecer um local seguro não apenas para afastar as mulheres de ambientes hostis, mas também para proporcionar acolhimento e oportunidades que permitam às vítimas reconstruir suas vidas. A secretária ressaltou que essa iniciativa, aliada aos encaminhamentos da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) e de outros órgãos protetores, garante uma intervenção mais ágil e eficaz nos casos mais graves.
Antes de tomar a decisão de deixar para trás não apenas suas roupas e pertences, mas também a situação de violência, Vitória desconhecia a existência da rede de proteção destinada às vítimas de violência doméstica. Foi ao Posto de Saúde do seu bairro resolver uma questão e lá descobriu não apenas sobre o Programa Guarda da Mulher, o Gama, que acompanha medidas protetivas, mas também sobre a rede de proteção. Além disso, foi encorajada a denunciar o agressor. Essa revelação foi o impulso que Vitória precisava para buscar a liberdade que lhe era negada, vivendo em um verdadeiro cativeiro onde era proibida de sair sozinha e, quando o fazia, era obrigada a estar ao lado do agressor.
Quando decidiu abandonar tudo em busca da liberdade, assim como todas as vítimas, ela enfrentou a difícil tarefa de se dirigir à Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). Era crucial documentar cada detalhe, e uma equipe da Guarda Municipal (GM) a acompanhou nessa decisão difícil. "Tudo que eu tinha de valor era minha bíblia. Saí apenas com a roupa do corpo. Agora, almejo um novo começo bem longe daqui", compartilhou.
Segundo Vandecleya, a atuação integrada dos órgãos municipais é vital para lidar com a complexidade da violência de gênero. Cada serviço oferecido desempenha um papel fundamental na rede de proteção, desde o acolhimento imediato até a reeducação e o empoderamento da mulher. "É essencial que esses serviços sejam constantemente revisados, aprimorados e divulgados, assegurando que cada vez mais mulheres tenham acesso a esse suporte vital em momentos de crise", explicou.
O brilho de esperança nos olhos, as mãos trêmulas e suadas revelando ansiedade, e os detalhes da vida de Vitória serão eternizados na memória da repórter e nas lentes do fotógrafo. O encontro foi cuidadosamente agendado em segredo, ocorrendo em uma sala bem arejada e decorada do Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceamo), que oferece acolhimento, assistência social e orientação jurídica a mulheres em situação de violência de gênero. O Ceamo, localizado na Avenida Francisco Glicério, 1.269, 6º andar, funciona das 8h às 19h e tem a política de ser um espaço exclusivo para mulheres. O ingresso de homens no local é estritamente proibido, exceto mediante autorização especial.
ASSISTÊNCIA
Em Campinas, mulheres que buscam romper o ciclo de violência podem solicitar os Benefícios Eventuais (BEM Campinas), um auxílio-moradia no valor mensal de R$ 873,60, concedido por seis meses consecutivos a vítimas de violência doméstica, familiar ou de gênero.
Além disso, está disponível o programa Renda Campinas, destinado a famílias em situação de extrema pobreza e pobreza. O programa, com foco principal em mulheres chefes de família, oferece benefícios com validade de 12 meses, prorrogáveis por mais 12.
DENÚNCIA
Denúncias de violência contra a mulher podem ser realizadas pelos telefones 190 da Polícia Militar, 153 da Guarda Municipal ou pelo 180 na Central de Atendimento à Mulher. Para atendimento presencial, a vítima pode buscar as delegacias do município, destacando duas especializadas: A 1ª DDM, que opera em horário comercial, de segunda a sextafeira, localizada na Av. Dr. Antônio Carlos Sáles Júnior, 310, no Jardim Proença I. A 2ª DDM, que oferece atendimento 24 horas por dia, situada na Rua Ferdinando Panattoni, 590, no Jardim Pauliceia.
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