ENGENHARIA DO CRIME

Quadrilhas utilizam ‘conteiro’ para ocultar dinheiro roubado via PIX

Operador assume a tarefa de abrir contas bancárias com documentos falsos, realizar saques e eliminar pistas, dificultando assim as investigações policiais

Alenita Ramirez/[email protected]
12/05/2024 às 11:24.
Atualizado em 12/05/2024 às 11:24
No final do mês passado, agentes do 1º Batalhão de Ações Especiais da Polícia (Baep) capturaram em Campinas um bandido identificado como Pablo Alexandre Alves de Oliveira, integrante de um grupo criminoso que se valia dos serviços de "conteiros" para transferir fundos das vítimas (Divulgação Baep)

No final do mês passado, agentes do 1º Batalhão de Ações Especiais da Polícia (Baep) capturaram em Campinas um bandido identificado como Pablo Alexandre Alves de Oliveira, integrante de um grupo criminoso que se valia dos serviços de "conteiros" para transferir fundos das vítimas (Divulgação Baep)

Com a crescente habilidade da polícia em rastrear e identificar integrantes de quadrilhas do PIX envolvidas em fraudes bancárias, os criminosos têm adotado uma nova estratégia: terceirizar o papel de "laranja", a pessoa que empresta sua conta bancária para receber dinheiro ilegal, a fim de confundir as autoridades.

Recentemente, tanto a Polícia Militar quanto a Civil têm observado essa prática em prisões realizadas. Os criminosos estão recorrendo a "conteiros" ou "contistas" para realizar transferências de fundos provenientes de atividades ilícitas, como golpes envolvendo o PIX ou transferências bancárias. O objetivo é direcionar o dinheiro para contas "frias" ou em nome de terceiros, para que seja retirado rapidamente, sem deixar rastros que possam levar à identificação dos envolvidos nos crimes.

Os conteiros são indivíduos que oferecem serviços de contas bancárias, utilizando- se de dados falsos ou de contas emprestadas, muitas vezes sem o conhecimento dos verdadeiros titulares, para movimentar dinheiro de forma ilegal.

Em algumas situações, para evitar serem rastreados pela polícia e pelas instituições financeiras, esses criminosos abrem contas falsas utilizando celulares com chips adquiridos mediante documentos falsificados. Um policial que pediu para não ser identificado disse que o esquema é meticulosamente planejado para evitar deixar qualquer evidência que possa incriminar o contratante do serviço. "Se em algum momento o investigado que cometeu o roubo for detido, ficará difícil provar que ele pegou ou recebeu algum dinheiro da vítima", explicou o policial.

Geralmente, os conteiros não têm vínculo direto com as quadrilhas para as quais prestam serviços. A contratação é intermediada por conhecidos dos criminosos, estipulando-se o pagamento de aproximadamente 10% sobre o valor obtido pelo criminoso que comete o roubo ou o estelionato.

No caso das contas "frias", assim que o dinheiro é transferido, o contista realiza imediatamente o saque, retendo sua comissão e, em seguida, depositando o restante na conta indicada. Quando há necessidade de utilizar contas emprestadas, o contista gerencia a distribuição do dinheiro para esses "emprestadores".
No final do mês passado, agentes do 1º Batalhão de Ações Especiais da Polícia (Baep) capturaram em Campinas um bandido identificado como Pablo Alexandre Alves de Oliveira, integrante de um grupo criminoso que se valia dos serviços de "conteiros" para transferir fundos das vítimas. Este grupo, composto por quatro ladrões, direcionava suas atividades contra motoristas na região do Campo Belo e nas imediações do Campinas Shopping.

O modus operandi dos criminosos envolvia o ataque a vítimas, geralmente pegando-as desprevenidas, mantendo-as reféns em seus próprios veículos ou nos carros dos assaltantes. Permaneciam horas circulando pelas rodovias de Campinas, coagindo as vítimas a entregarem seus celulares e fornecerem senhas bancárias para a realização de transferências via PIX para contas "frias". Somente após esgotarem os limites de transferência é que liberavam as vítimas, muitas vezes deixando-as em locais isolados, algumas vezes junto com o próprio veículo.

Em fevereiro deste ano, policiais civis da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Campinas efetuaram a prisão de cinco indivíduos, incluindo um casal que atuava como "conteiros". O grupo, residente em Sumaré, foi identificado após uma idosa ser vítima de um golpe conhecido como "bilhete premiado", resultando em um prejuízo de R$ 100 mil. A vítima, que planejava utilizar o dinheiro para uma cirurgia no joelho, denunciou o caso à unidade especializada. Ao fornecer seu extrato bancário às autoridades, os policiais conseguiram rastrear as contas beneficiárias, identificando um homem e uma mulher que admitiram terem sido procurados por uma auxiliar de enfermagem de 22 anos, solicitando o empréstimo de suas contas correntes. Através dessa intermediária, os policiais conseguiram chegar aos "conteiros".

"O ' c o n t e i r o ' ou 'contista' pode ser utilizado em uma variedade de crimes que demandam uma conta específica para que os produtos do crime sejam direcionados de forma a ocultar o verdadeiro beneficiário. Já nos deparamos com casos em que, por exemplo, em crimes de roubo e extorsão, as vítimas foram coagidas a transferir valores para a conta de terceiros, os quais repassaram os fundos. Assim, independentemente de ser estelionato, o 'conteiro' pode ser empregado sempre que houver a necessidade de dificultar o rastreamento do produto do crime", esclareceu o delegado da DIG, Luiz Fernando Dias de Oliveira.

Segundo Oliveira, a identificação de uma quadrilha é possível apenas quando o 'conteiro' transfere os fundos da conta da vítima para as contas dos verdadeiros beneficiários. Esse procedimento permite o rastreamento do valor ou, em último caso, se o 'contista' revelar verbalmente para quem os fundos foram destinados. "Quando ele efetua o saque, perdemos todo o rastreamento do valor", destacou o delegado.

VERSÃO SIMPLIFICADA

Em uma análise mais simplificada, o 'conteiro' ou 'contista' pode ser considerado uma versão mais rudimentar dos operadores financeiros que atuam em organizações criminosas envolvidas em movimentações de grandes quantias, seja por sonegação fiscal ou lavagem de dinheiro.

Na modalidade mais sofisticada, esses operadores desempenham o papel de gerentes das contas de laranjas e testas de ferro.

Conforme ressaltado pelo delegado-chefe da Polícia Federal (PF) em Campinas, Edson Geraldo de Souza, até o momento, a instituição não identificou nenhum investigado exercendo a função de 'contista'. No entanto, ele enfatizou que, mesmo não cometendo os crimes de roubo, furto ou extorsão, a pessoa que facilita a movimentação do dinheiro é coautora e comete o crime de lavagem de dinheiro. "A pena para esse indivíduo pode chegar a dez anos", sublinhou Souza.

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