INSEGURANÇA NO CENTRO

Presos do semiaberto burlam vigilância para furtar celular

Detentos que prestam serviços públicos para a Prefeitura de Campinas aproveitam a situação para praticar crimes na região central e obter lucros expressivos com a venda dos produtos roubados

Alenita Ramirez/ [email protected]
19/11/2023 às 11:05.
Atualizado em 19/11/2023 às 11:05
Presos do regime semiaberto prestam serviço de varrição de ruas em Campinas; esquema criminoso foi descoberto por policiais do Baep (Rodrigo Zanotto)

Presos do regime semiaberto prestam serviço de varrição de ruas em Campinas; esquema criminoso foi descoberto por policiais do Baep (Rodrigo Zanotto)

Alguns presos beneficiados pelo regime semiaberto, envolvidos em prestação de serviços públicos externos para a Prefeitura de Campinas e atuando na região central da cidade, têm burlado o sistema de vigilância da equipe para praticar roubos e furtos de celulares durante o expediente. Posteriormente, esses aparelhos são vendidos em bancas localizadas na região do Terminal Central, sendo o lucro obtido depositado via Pix em contas bancárias de "laranjas", em sua maioria, familiares próximos. Essa estratégia visa evitar que os valores ingressem na prisão e passem despercebidos pelas autoridades.

O esquema criminoso veio à tona quando agentes do 1º Batalhão de Ações Especiais da Polícia Militar (Baep) realizavam patrulhamento a cavalo na Avenida Francisco Glicério, aproximadamente uma semana atrás. A descoberta foi revelada à reportagem do Correio Popular após os policiais do batalhão comunicarem à imprensa sobre a captura de um indivíduo que havia fugido do regime semiaberto.

Durante a ação, a equipe de cavalaria deteve um homem suspeito que caminhava pela via, nas proximidades da Praça Largo do Pará. Ao perceber a presença dos policiais, o suspeito, trajando bermuda vermelha, camiseta cinza escura e chinelos, tentou fugir, despertando a suspeita da equipe. Intrigados com a atitude do homem, os agentes perseguiram-no e o detiveram.

Durante a abordagem, nenhum objeto ilícito foi encontrado com o suspeito. No entanto, ao dialogar com ele e questioná-lo sobre a razão de sua tentativa de fuga, os policiais acabaram desvendando detalhes das atividades criminosas realizadas por alguns dos detentos beneficiados, encarregados de realizar serviços em bairros da região central.

O detido admitiu ser um preso do regime semiaberto e confessou ter trocado seu uniforme de trabalho por roupas comuns para praticar furtos de celulares, vendê-los e recolher dinheiro.

O modus operandi revelado pelo suspeito indicou que, em média, de três a cinco detentos beneficiados coordenam entre si a estratégia para contornar a vigilância. Geralmente, o grupo faz parte de um contingente total de 30 presos designados para a prestação de serviços nas ruas.

Conforme o esquema, ao saírem do presídio para cumprir suas tarefas nas ruas, os membros da quadrilha vestem uma roupa por baixo do uniforme. Ao chegar ao local de trabalho, aproveitam um momento de distração por parte do vigilante para se afastarem da equipe e removerem o uniforme oficial, composto por calça bege e camiseta branca, escondendo-o em um local seguro.

Vestindo-se de maneira discreta, os detentos deslocam-se até a região central, compreendida entre as avenidas Benjamin Constant, Francisco Glicério e proximidades da rodoviária, onde se misturam entre os pedestres para perpetrar seus crimes.

Em média, a cada dia em que deveriam estar cumprindo suas obrigações de trabalho, eles realizam o furto de aproximadamente 15 a 20 celulares. Esses dispositivos são posteriormente vendidos por R$ 200 cada, resultando em um ganho diário médio que varia entre R$ 3 mil e R$ 5 mil.

Os receptores desses aparelhos ilícitos são comerciantes ou técnicos especializados em vendas e reparos de celulares, atuando na região do Terminal Central, entre as ruas Álvares Machado e Ferreira Penteado. Um policial, cujo nome foi preservado, revelou: "Nesse local, há um intenso fluxo de compra e venda de celulares, e os detentos vendiam para esses compradores, solicitando o pagamento por meio de Pix. Dessa forma, eles retornavam à prisão sem deixar rastros que os incriminassem".

A ausência de tornozeleiras nos presos do regime semiaberto, segundo a polícia, facilita a locomoção dos suspeitos desde áreas como o bairro Cambuí, Vila Industrial ou Botafogo até a região focalizada. Conforme as informações reveladas, os suspeitos chegam a se distanciar até 3 km do local de trabalho para cometerem seus delitos, retornando a tempo de se juntarem ao grupo para o retorno ao presídio.

Os detentos que realizam serviços em Campinas pertencem ao regime semiaberto do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) Professor Ataliba Nogueira. Embora a capacidade da unidade seja de 2.058 presos, até a última sexta-feira, conforme informações do site da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), há 2.442 detentos sob custódia.

PASSAGEM

O indivíduo detido pela Polícia Militar possui extensa ficha criminal, com diversas passagens por furto e roubo. De acordo com o histórico apurado pela reportagem, ele foi preso em 2017 por roubo, permaneceu um ano encarcerado e obteve o benefício da "saidinha". Na primeira saída para ficar com a família, não retornou, tornando-se alvo de busca pelas autoridades. Após um ano e meio, foi capturado e recolhido novamente. Contudo, em menos de um ano de detenção, recebeu o benefício de ingressar no regime semiaberto, no qual os presos trabalham durante a manhã e retornam à tarde para a instituição prisional.

Segundo a legislação, os presos que conquistam o regime semiaberto são aqueles com bom comportamento e que alcançam a progressão de regime, passando do fechado para o semiaberto. Dentro desse grupo, alguns realizam trabalhos para remissão de pena, ou seja, trabalham três dias para reduzir um dia de pena. Alguns dos beneficiados desempenham suas atividades para empresas ou para a Prefeitura, sendo supervisionados por uma pessoa à paisana.

O advogado criminalista e presidente da Comissão de Direito Processual Penal da Ordem dos Advogados no Brasil de São Paulo (OAB/SP), Salvador Scarpelli Neto, cujo trabalho de conclusão de curso abordou a exploração da força de trabalho de pessoas detidas, enfatiza que o trabalho, além de ser um dever para o preso, tem finalidade educativa e produtiva. Ele explica que os presos não estão sujeitos às leis trabalhistas, sendo a unidade prisional responsável por verificar quem está apto para o trabalho, geralmente levando em consideração a periculosidade do detento para a sociedade.

Sobre o esquema criminoso revelado pelo detento, Scarpelli Neto expressou surpresa, mas defende a segurança do programa de ressocialização desenvolvido pela SAP, desde que haja uma fiscalização adequada, tanto para prevenir fugas quanto para evitar a prática desses crimes. Ele sugere a possibilidade de solicitar o apoio da Polícia Militar para fortalecer a fiscalização dessas pessoas que estão trabalhando nas ruas.

OUTRO LADO

Em resposta, a SAP esclareceu que nas unidades prisionais de regime semiaberto em Campinas não há registro de reeducandos cometendo furtos ou roubos de celulares durante o trabalho externo. A nota destaca que o homem detido pela PM "evadiu-se do Centro de Progressão Penitenciária de Hortolândia" e foi recapturado no mesmo dia pela Polícia Militar, não tendo ocorrido novo delito e não portava celulares.

Segundo a Pasta, os reeducandos autorizados a trabalhar fora do presídio passam por inspeção no detector de metal e utilizam uniformes padrão determinados pela SAP. Ao retornarem à unidade, são submetidos a revistas manuais, detector de metal e escâner corporal.

Durante o trabalho externo, os reeducandos são acompanhados por servidores municipais, e a unidade penal realiza fiscalizações por meio de rondas. A SAP destaca a existência de aproximadamente 800 vagas de mão de obra carcerária disponibilizadas pela Prefeitura de Campinas. Os sentenciados que trabalham cumprem pena em regime semiaberto, atendendo aos requisitos legais estabelecidos pela Lei de Execução Penal. Além disso, eles participam de ações de conscientização, orientações e programas de educação para o trabalho.

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