PLATAFORMA ILEGAL

Popular e perigoso, ‘Jogo do Tigrinho’ chama a atenção das forças de segurança

Pessoas são iludidas por influenciadores e promessas vazias de dinheiro fácil, mas manipulação da plataforma acarreta em problemas financeiros e psicológicos

Alenita Ramirez/[email protected]
01/09/2024 às 10:06.
Atualizado em 01/09/2024 às 10:06
Jogo é ilegal no Brasil com base na Lei de Contravenções Penais, que considera crime jogos de azar em que o ganho e a perda dependem da sorte; no entanto, o “Tigrinho” continua a fazer vítimas em todo o país (Denny Cesare)

Jogo é ilegal no Brasil com base na Lei de Contravenções Penais, que considera crime jogos de azar em que o ganho e a perda dependem da sorte; no entanto, o “Tigrinho” continua a fazer vítimas em todo o país (Denny Cesare)

Febre entre apostadores que querem fazer fortuna e preocupação para muitas famílias que se deparam com algum ente viciado, o “Jogo do Tigrinho” acumula diversos relatos de pessoas que sofreram perdas financeiras e é alvo de investigação da Polícia Civil pelo Brasil afora. Em Campinas, policiais da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) investigam um influenciador de 30 anos, de Indaiatuba, suspeito de cooptar jogadores para fazer lavagem de dinheiro. Em Itupeva, policiais civis também investigam um casal usado como isca para atrair apostadores. Em Piracicaba, em junho deste ano, uma enfermeira de 23 anos foi encontrada em Mato Grosso do Sul após deixar a casa dos pais e confessar que estava endividada com o jogo. 

O Fortune Tiger, popularmente conhecido como o “Jogo do Tigrinho”, ganhou notoriedade na internet, principalmente após divulgação robusta por parte de alguns influenciadores digitais. Ele é um jogo de cassino on-line, do tipo caça níquel, em que os usuários apostam dinheiro para tentar obter um retorno considerável. O objetivo é que o jogador combine três figuras idênticas nas três linhas que aparecem na tela, assim como acontecem nas máquinas caça-níqueis.

Apesar da divulgação em massa, impulsionada principalmente pelos influenciadores, o jogo é ilegal no Brasil com base na Lei de Contravenções Penais, que considera crime jogos de azar em que o ganho e a perda dependem da sorte. Mesmo assim, a prática tem se tornado cada vez mais comum, proporcionando consequências que vão desde problemas financeiros até o desenvolvimento de vícios. “As pessoas estão ficando viciadas do mesmo jeito que se viciavam, antigamente, nos carteados, nos bingos tradicionais, jogo do bicho e máquinas caça-níquel. O jogo do tigrinho, hoje, é considerado um jogo de azar no Brasil. Não existe uma legislação que autorize a sua divulgação e exploração”, enfatizou o delegado da DIG, Luiz Fernando Dias de Oliveira. 

No final do ano passado, o presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva (PT), sancionou a "Lei das Bets", que pretende regulamentar os jogos de apostas em território nacional. Após a publicação da lei, o Ministério da Fazenda divulgou algumas normas a serem seguidas pelas empresas que promovem os jogos. A previsão é que a lei entre em vigor em 2025. Enquanto isso, os jogos continuam sendo ilegais no Brasil. “Diferente dos demais, o jogo do Tigrinho tem a sua plataforma principal de divulgação localizada fora do Brasil. O que acontece é que aqui nós temos os exploradores desse jogo, que fazem essa divulgação e são remunerados por isso”, explicou Oliveira. 

De acordo com o delegado da DIG, como a plataforma que divulga o Fortune Tiger não está sediada no Brasil, é muito fácil que menores de idade também se cadastrem para participar dos jogos, já que não é solicitado nenhum tipo de documentação que comprove a maioridade, além da mera declaração unilateral da pessoa de que ela tem 18 anos ou mais para poder acessar o jogo de azar.

Outra dificuldade existente é no rastreamento das empresas responsáveis pelos jogos, porém a Polícia Civil consegue chegar nas pessoas que divulgam e exploram o jogo de azar. “As plataformas como Instagram e Facebook se limitam a tomar providências apenas quando são instadas judicialmente, dizendo que determinada plataforma está servindo para a divulgação desse jogo. Então é muito comum que os menores que têm essas redes sociais tenham livre acesso ao jogo do Tigrinho e os que são divulgados da mesma forma”, destacou o delegado da DIG. 

As forças de segurança ainda não têm o perfil definido de quem aposta neste tipo de jogo, mas os policiais acreditam que os jogadores variam de homens a mulheres e de todas as faixas etárias. 

De acordo com especialistas da área de psicologia, o vício em jogos de azar é conhecido como ludomania, um distúrbio psicológico que faz com que a pessoa aposte compulsivamente. O quadro é considerado um transtorno do controle de impulsos (impulsividade). “A pessoa que acessa a plataforma joga em algumas poucas oportunidades e não se sabe se o jogo está manipulado ou não, de forma a fazer a pessoa ter alguns ganhos. A partir do momento que ela vislumbra a possibilidade de ter ganhos maiores, ela aposta cada vez mais e se endivida para continuar nesse ciclo de apostas. Na tentativa de recuperar o próprio prejuízo, muitas vezes ela se vicia.” 

Para o delegado, o vício em jogos de azar causa impactos na segurança pública, já que ele implica em outros crimes. Segundo ele, em muitos dos casos o “viciado” toma empréstimo regular para poder continuar no jogo ou até mesmo pratica algum ilícito para conseguir o recurso que permitirá apostar mais. Paralelamente a isso, a pessoa que divulga e explora o jogo de azar comete contravenção penal, pois para ela legitimar o patrimônio, muitas vezes, pode praticar o crime de lavagem de dinheiro. Ou seja, tenta transformar em legítimo um dinheiro que foi obtido de maneira ilegítima. “É aí que nós focamos as nossas investigações”, acrescentou Oliveira.

UNS SOFREM, OUTROS LUCRAM 

Em junho deste ano, a enfermeira Gabriely Sabino, de Piracicaba, ficou sete dias desaparecida após sair de casa sem informar para a família. A jovem foi parar em Campo Grande (MS) com medo da dívida que ela havia contraído com as apostas no “Tigrinho”. Segundo ela afirmou na época, as apostas aconteciam havia dois anos. A família não desconfiava do vício. “Quanto mais se coloca dinheiro, mais você quer ter retorno. Se perde, você quer repor. Quando você vê já virou uma bola de neve”, contou na ocasião. “Nós observamos os influenciadores jogando e ganhando, com uma vida melhor, e você quer também.” 

No último dia 29, a Polícia Civil de Itupeva fez uma operação contra um casal de influenciadores que possui 12 milhões de seguidores nas redes sociais. Segundo a polícia, os suspeitos ostentavam vida luxuosa nas redes sociais e divulgavam os jogos de azar e rifas ilegais nas postagens. Entre os bens exibidos, está uma Ferrari vermelha avaliada em R$ 7 milhões, além de uma luxuosa casa. 

Em Indaiatuba, um influenciador com milhões de seguidores também é alvo de investigação da Polícia Civil por divulgar jogos ilícitos nas redes sociais.

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