PARCERIA

PF e Ibama combatem comércio ilegal de animais silvestres

Em dois anos, quase 600 animais mantidos em cativeiros foram recuperados em operações da Polícia Federal de Campinas

Alenita Ramirez/[email protected]
03/02/2025 às 17:09.
Atualizado em 03/02/2025 às 17:15
Buscando reprimir as ações ilegais, PF de Campinas realizou recentemente, em duas oportunidades, operação denominada “Arca de Noé” (Divulgação/Polícia Federal)

Buscando reprimir as ações ilegais, PF de Campinas realizou recentemente, em duas oportunidades, operação denominada “Arca de Noé” (Divulgação/Polícia Federal)

O comércio ilegal de animais não é apenas uma ameaça de extinção para as espécies e preservação da biodiversidade brasileira, é também uma prática criminosa que envolve cada vez mais pessoas em negociações clandestinas devido à alta lucratividade. De acordo com a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), a ação é considerada a terceira maior atividade ilícita do mundo, ficando atrás do tráfico de drogas e de armas. Para reprimir o crime de reprodução e comércio ilegal de animais, a Polícia Federal (PF) de Campinas, em ação conjunta com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), apreendeu nos últimos dois anos ao menos 596 animais que eram mantidos em cativeiros, sendo 73 deles aranhas-caranguejeiras que foram encontradas quando estavam sendo enviadas por remessa para a Europa. 

Entre os animais apreendidos constam cobras exóticas, lagartos, aranhas, tartarugas, entre outros. No final do mês passado, uma ação da PF e Ibama apreendeu 33 animais, entre os quais um escorpião-imperador, um lagarto-leopardo, dez aranhas caranguejeiras (nativas e exóticas), 18 serpentes e três lagartos cujas espécies ainda serão identificadas. Paralelo a isso, também foi apreendido centenas de barata cinerea (africana), usada na alimentação dos animais silvestres mantidos em cativeiro. 

Os bichos foram apreendidos em endereços em Campinas, na Vila Padre Anchieta, em Guarulhos, São Paulo, Sorocaba, Votorantim e Rio Claro, além de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. No endereço de Campinas, o investigado criava um lagarto-leopardo do Oriente Médio e dezenas de baratas africanas exóticas. Os animais eram mantidos de forma irregular e em situação insalubre no quarto. 

A maior apreensão realizada pela PF de Campinas até hoje aconteceu setembro do ano passado, quando foram encontrados cerca de 400 animais em um imóvel no Residencial Novo Mundo. De acordo com as autoridades, o suspeito alegou que cultivava a criação "por hobby", mas a PF constatou que o alvo tinha toda uma estrutura para fazer a reprodução, inclusive armazenar outros bichos para alimentar as espécies que ele criava. “Os crimes ambientais são extremamente nocivos à sociedade e vão além do simples conceito de enfrentamento para preservar”, disse Edson Geraldo de Souza, delegado-chefe da Polícia Federal em Campinas. 

COMÉRCIO ILEGAL

Para alimentar essa cadeia, por ano são retirados do ecossistema brasileiro 38 milhões de animais silvestres. A transação ilícita movimenta entre US$ 10 a US$ 20 bilhões por ano. As estimativas refletem não apenas o risco de extinção das espécies, mas também o aumento da exploração econômica e ambiental da fauna e flora brasileiras. 

De acordo com os especialistas que elaboraram o “Manual de combate ao tráfico de animais da fauna silvestre brasileira”, divulgado no final do ano passado pela Comissão de Meio Ambiente, do Conselho Nacional do Ministério Público, um dos fatores que explica o Brasil ser uma das principais rotas do tráfico é por ser considerado o país com a maior biodiversidade do mundo, com mais de 116 mil espécies de animais, representando 20% do número total de espécies, tornando-o um alvo direto das quadrilhas e organizações criminosas. “No exterior, o valor desses animais em relação à indústria cosmética e farmacêutica é muito alto. Se alguém leva algum desses animais para pesquisa e extrai algo deles, isso é patenteado e é vendido por milhões, bilhões de dólares e o Brasil vai acabar pagando por algo que na verdade nasceu aqui na nossa flora, na nossa fauna”, explicou o delegado-chefe. “A fauna e a flora são patrimônio brasileiro e do interesse da União”, emendou Souza.

Apesar de não ter ainda um valor fechado sobre o preço comercializado pelos traficantes de animais, o delegado da PF que integra o grupo de combate a crimes ambientais, em Campinas, Leonardo Marcheto Tortelli, afirmou que em uma das operações realizadas um animal era vendido entre R$ 50 mil a R$ 100 mil dependendo da espécie. 

Além da exportação ilegal de espécie nativa também há a importação e o processo inverso, que é quando ocorre a introdução, muitas das vezes, de espécies exóticas. Essa entrada e saída dos animais acontecem de várias formas, inclusive por meio de remessa, e os criminosos usam as redes sociais para fazer a negociação com os interessados, que contribuem para fomentar o crime ao adquirir as espécies sem autorização e sem conhecimento do que esses animais podem gerar para o ecossistema. 

A autorização seja ela para a criação e reprodução em cativeiro de espécies nativa e entrada de bichos exóticos oriundos de outros países é feita pelo Ibama, que é responsável pela proteção do meio ambiente e dos animais. Somada a essa função, o órgão federal é responsável também por fiscalizar e combater o tráfico de animais silvestres da fauna brasileira. 

DESEQUILÍBRIO 

De acordo com Edson Geraldo de Souza, a simples introdução de animais exóticos no bioma nacional promove um desequilíbrio na natureza, pois pode ocorrer a inserção de animais que não têm predadores. “Isso traz efeitos tão destrutivos quanto a ação humana direta indiscriminada, e convertendo, às vezes, a condição de um animal completamente inofensivo em seu habitat natural em praga em outro”, alertou. 

Um dos casos emblemáticos no Brasil quando se trata de introdução de animal “estranho” para a fauna brasileira aconteceu na década de 80, quando cooperativas do Paraná introduziram no estado os caracois-gigantes-africanos, com o intuito de comercializá-los como uma alternativa na culinária em substituição ao escargot. O animal foi importado ilegalmente do continente africano e causou um grande prejuízo ambiental em razão da perda de biodiversidade. Ele age no ambiente como uma espécie exótica invasora que compete com as espécies nativas por espaço e alimento. 

O caramujo, que não tem predador natural, tornou-se uma praga no país, gerando, inclusive problema para a saúde pública, já que ele transmite a meningite eosinofílica ou angiostrongilíase cerebral. O animal é capaz de liberar de 200 a 500 ovos de uma só vez. 

De acordo com dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), as espécies invasoras representam a segunda maior ameaça à biodiversidade em todo o planeta, perdendo apenas para os desmatamentos. 

Além do comércio e criação ilegal de animais, o que se observa também é que os bichos vivem em condições insalubres na maior parte dos casos de manutenção em cativeiro, muitas das vezes criados em pequenos espaços ou até mesmo em meio a outras espécies sem higiene adequada. “A criação ilegal, invariavelmente, é feita em condições inadequadas e que não observa regras mínimas de respeito à dignidade animal. Tudo isso deve ser considerado ao tratarmos da importância da repressão a crimes ambientais”, destacou o delegado chefe da PF. 

Uma ilustração dessa criação insalubre foi verificada na apreensão do lagarto-leopardo, que era mantido no quarto do investigado com outros animais. O agente do Ibama, Eloi Venturini, lembrou que os animais mantidos irregularmente em cativeiro causam risco tanto a quem faz a criação como para os que convivem com essa pessoa. “E se for porventura solto propositalmente ou acidentalmente na natureza, a efetiva invasão biológica causa competição com espécies locais, nativas, brasileiras”, concluiu Venturini.

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