Mulher que trabalha como faxineira foi presa em flagrante e pode pegar até cinco anos de cana
O condutor da linha 385 foi alvo de ofensa racial por cumprir as normas que proíbem paradas fora do ponto (Alessandro Torres)
Uma mulher de 58 anos foi detida em flagrante por injúria racial após proferir ofensas a um motorista de ônibus de 44 anos, chamando-o de "macaco". O fato ocorreu na manhã de domingo (12), na região do bairro Nova Campinas, em Campinas. A mulher, que exerce a função de auxiliar de limpeza, foi detida pelo próprio motorista, com a colaboração de outros passageiros, após a Guarda Municipal (GM) ser acionada por testemunhas e encaminhála ao 1º Distrito Policial (DP).
O condutor, Flavio Faustino de Oliveira, relatou à polícia que este não foi o primeiro ataque racista que enfrentou. Em fevereiro deste ano, já havia sido xingado da mesma maneira após um desentendimento no trânsito em Mogi das Cruzes. O motorista trabalha nos finais de semana na linha 3.85 (Terminal Rodoviário/Shopping Iguatemi) da cooperativa Cotalcamp. Sua jornada começa pela manhã e se estende até a noite. Por volta das 8h30 da manhã, durante uma viagem no sentido bairro pela Avenida Doutor Moraes Salles, altura do Viaduto Laurão, uma passageira, aparentemente distraída, perdeu o ponto de parada e acionou a campainha. Ao ser informada de que não poderia parar na via, pois já havia passado do ponto, Oliveira prometeu parar no próximo ponto.
Ao descer do coletivo, testemunhas afirmam que a mulher reclamou e ofendeu o motorista com a palavra "macaco". Outros passageiros, indignados com o xingamento, apoiaram o motorista, desceram do ônibus e auxiliaram a detenção da agressora até a chegada da Guarda Municipal.
Uma equipe da GM que passava pelo local prontamente atendeu à ocorrência. O caso foi formalizado no plantão do 1º Distrito Policial, resultando na prisão em flagrante da passageira, que estava programada para passar por audiência de custódia na segunda-feira (13). Em caso de condenação, a acusada pode enfrentar uma pena de até cinco anos de prisão. Mesmo diante das evidências, ela negou o crime ao prestar depoimento à polícia.
Em uma entrevista a um veículo de imprensa local, Oliveira compartilhou que alguns passageiros exaltados manifestaram a intenção de agredi-la, mas ele interveio, pedindo calma e sugerindo que o caso fosse deixado para a polícia resolver. "A gente se sente muito triste porque sai de casa no domingo, deixa a família em casa. Poderia estar em casa com a família, mas estamos aqui para trabalhar, atender à população, e acabamos passando por esse tipo de situação. Para a gente que é de cor, a gente se sente bem para baixo, bem no chão", expressou.
Apesar da ausência de números concretos de denúncias, Adriana de Morais, advogada especializada em Direito e Relações Raciais e vice-presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campinas, observa um aumento na conscientização das pessoas em relação ao racismo. Ela destaca que as práticas ofensivas têm ganhado ampla repercussão midiática, incentivando testemunhas e vítimas a denunciar. Embora não haja dados específicos, percebese um crescimento nas denúncias, não nos casos, que já existiam, segundo a especialista.
Jacqueline Damazio, coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos na Prevenção e Combate ao Racismo e à Discriminação Religiosa, alerta para a subnotificação persistente desse tipo de crime. No período de janeiro a outubro deste ano, a entidade registrou 39 casos de racismo e cinco de discriminação religiosa, enquanto no ano anterior foram 32 casos de racismo e seis de discriminação religiosa. Ela ressalta que esses números refletem apenas os casos que chegam ao serviço da entidade, não abrangendo o cenário total do racismo na cidade. O caso do motorista, por exemplo, ainda não foi reportado à instituição.
Elisângela Nunes de Oliveira, especialista em relações raciais do Centro, destaca que as lutas dos movimentos negros, as políticas públicas contra o racismo e a disseminação de informações através da internet estão contribuindo para conscientizar mais pessoas. No entanto, ela ressalta que há muito a ser feito no sentido de promover a conscientização contra o racismo e a igualdade racial.
Segundo ela, a população em geral ainda enfrenta dificuldades em diferenciar ofensas raciais de tratamentos discriminatórios com base em raça/cor/ origem. No entanto, com a implementação da Lei Federal nº 14.532/2023, que equiparou a injúria racial ao crime de racismo, os procedimentos em ambos os casos agora são semelhantes.