Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) evidenciam a situação dramática enfrentada pelas mulheres, especialmente as mais vulneráveis
A advogada Thais Cremasco, fundadora do movimento Mulheres pela Justiça: "Embora os dados apontem que a cada oito minutos uma mulher é vítima de estupro no Brasil, essa triste realidade é ainda mais grave, dada a significativa subnotificação" (Alessandro Torres)
"Antes do dia 7 de março, eu era uma pessoa, mas depois desse dia, transformei-me em alguém completamente diferente." Essa síntese dramática emerge da experiência de uma mulher que foi vítima de estupro. Respeitando o pedido da vítima, o Correio Popular abstém-se de detalhar os acontecimentos específicos, mas o desabafo dela ecoa o silenciado grito compartilhado por inúmeras mulheres que contribuem para as alarmantes estatísticas em Campinas. Maria, um nome fictício usado para proteger a identidade da vítima que compartilhou sua história com a reportagem, revelou que desde o dia em que foi vítima de abuso, tornou-se dependente de várias medicações para simplesmente sobreviver. Ela expressou a dificuldade em se concentrar no trabalho e o temor constante de que seus filhos possam enfrentar o mesmo destino que ela. "Não consigo vislumbrar um futuro promissor. Desenvolvi um transtorno de estresse póstraumático grave, e acredito que as sequelas permanecerão para sempre", desabafou.
Conforme os dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), divulgados em 27 de outubro, observou-se um aumento de 53,3% nos casos em Campinas, comparando outubro deste ano com o mesmo período de 2022. Foram registradas 23 ocorrências neste ano, em contraste com as 15 do ano anterior. Dentre os casos deste ano, 18 envolvem vítimas vulneráveis. A advogada e fundadora do movimento "Mulheres pela Justiça", Thais Cremasco, destaca: "Embora os dados apontem que a cada oito minutos uma mulher é vítima de estupro no Brasil, essa triste realidade é ainda mais grave, dada a significativa subnotificação."
Segundo a SSP, o aumento dos casos nos últimos anos pode ser atribuído à conscientização das vítimas, que passaram a denunciar seus agressores, e a uma maior confiança no sistema de segurança. A Pasta destaca que os casos geralmente ocorrem em contextos privados, envolvendo agressores conhecidos. Para enfrentar esses crimes, São Paulo dispõe de 140 unidades territoriais da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), incluindo 11 com atendimento ininterrupto. Adicionalmente, a DDM online e 77 salas estrategicamente localizadas nos plantões policiais oferecem atendimento às vítimas por meio de videoconferência, proporcionando uma abordagem mais acessível.
No entanto, especialistas e delegadas aposentadas argumentam que a simples criação de unidades especializadas para atender mulheres após o ocorrido não é suficiente. Segundo elas, é crucial abordar a causa raiz do problema, que está na educação e formação moral de cada homem. Elas enfatizam a importância de instruir os homens desde a infância sobre o respeito e a proibição de forçar qualquer pessoa, especialmente mulheres, a qualquer coisa. Se essa instrução não foi proporcionada pelos pais, além da punição legal, os especialistas acreditam que é essencial realizar intervenções enquanto o agressor estiver recluso, visando evitar a reincidência.
De acordo com Thais Cremasco, não existem formas de defesa contra o estupro, pois esse crime violento transforma a vítima em refém da situação. Em outras palavras, a mulher não precisa realizar nenhuma ação específica; basta que um homem mal intencionado a perceba. A militante argumenta que não há hora, lugar ou vestimenta adequada que previna o estupro. Para ela, trata-se de uma violência enraizada na sociedade, que subjuga e busca humilhar as mulheres. O estupro é caracterizado como um crime de ódio e violência direcionado contra as mulheres, conforme destacado por Cremasco. "Independente das dicas de segurança, cuidados que a polícia fala, a mulher é muito vulnerável a esse tipo de violência. Vejo que a vítima tem poucas coisas que ela possa fazer para evitar esse tipo de barbárie", enfatizou.
Pelo menos 70% dos casos de estupro são direcionados a mulheres e meninas, com uma significativa parcela envolvendo meninas com até 14 anos. As denúncias nessa faixa etária geralmente partem das mães ou da escola, após a vítima compartilhar seus relatos com colegas ou funcionários. Thais Cremasco observa que as mulheres estão relutantes e temerosas ao fazer esse tipo de denúncia, possivelmente devido ao receio da impunidade.
Quando um criminoso é acusado de estupro, um dos exames utilizados para comprovação do crime é a coleta do sêmen. Contudo, Thais Cremasco aponta a falibilidade desse método, argumentando que o agressor muitas vezes pode usar material genético diferente do seu na vítima, na tentativa de evitar incriminação.
Cerca de 68% dos casos de estupro ocorrem dentro do ambiente doméstico, onde se espera que seja um refúgio seguro. O aspecto mais lamentável é que 61,4% das vítimas vulneráveis têm entre zero e 13 anos, sendo os agressores frequentemente pessoas conhecidas.
O termo "vítimas vulneráveis" abrange não apenas crianças, mas também indivíduos com alguma condição de saúde mental, mesmo que maiores de idade, quando não possuem discernimento. Outras situações incluem casos em que a vítima está embriagada ou sob efeito de drogas, tornandose incapaz de oferecer resistência.
A delegada da 1ª DDM de Campinas, Ana Carolina Bacchi, destaca a importância de os pais e a sociedade prestarem atenção aos sinais emocionais de filhas e filhos, incentivando a denúncia diante de mudanças comportamentais detectadas, muitas vezes, pela escola. "Sempre orientamos aos pais que prestem atenção no sentimento da filha ou filho. A escola nos ajuda muito, pois muitas vezes os professores percebem mudança de comportamento na vítima e avisam. É muito importante que todos os órgãos, os pais, família, a sociedade como um todo denuncie. A família precisa ser acompanhada pelo Conselho Tutelar para proteger o mais vulnerável", disse a delegada.
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