POLÊMICA

Ordem do TJ obrigando PM a usar câmera divide opiniões

Coronel Elias Miler, da Defenda-PM, enfatiza que Estado deveria investir na blindagem das viaturas

Alenita Ramirez/ [email protected]
24/09/2023 às 11:06.
Atualizado em 24/09/2023 às 11:06
O uso do dispositivo começou em 2021 de forma gradativa para tentar conter eventuais desvios de conduta e abusos de autoridade (Kamá Ribeiro)

O uso do dispositivo começou em 2021 de forma gradativa para tentar conter eventuais desvios de conduta e abusos de autoridade (Kamá Ribeiro)

A obrigatoriedade de incorporar câmeras portáteis nos uniformes e viaturas da Polícia Militar (PM) de São Paulo, uma determinação estipulada pelo Tribunal de Justiça (TJ-SP) até o final deste ano, tem suscitado opiniões divergentes. Enquanto alguns especialistas, policiais e juristas a consideram necessária para salvaguardar a segurança tanto dos agentes policiais quanto da sociedade, o presidente do Conselho Deliberativo da Associação de Oficiais (DefendaPM), coronel Elias Miler da Silva, e outros policiais entrevistados na matéria acreditam que o poder judiciário deveria enfatizar que os estados devem investir mais na blindagem das viaturas e em outros incentivos visando a proteção dos agentes.

No dia 14 deste mês, a Justiça paulista emitiu uma liminar que determina que todos os policiais militares sejam equipados com câmeras corporais e que esses dispositivos não podem ser desligados em nenhuma circunstância. Além disso, as câmeras devem também ser instaladas nas viaturas. A liminar também estabelece que os policiais só podem usar algemas para imobilizar suspeitos. O prazo para que essas determinações sejam cumpridas é de 90 dias, sob pena de multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento. De acordo com o TJSP, esse prazo começa a contar a partir da notificação das partes envolvidas. A decisão inclui a intimação através do Portal Eletrônico, que já foi realizada de acordo com o tribunal, e também a intimação pessoal do governador e do comandante-geral da PM, processo que está em andamento, sem especificação de data.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), 52% do quadro funcional da PM já contam com a câmera nos uniformes. O número de policiais no estado não foi informado por medida de segurança.

O uso do dispositivo começou em junho de 2021de forma gradativa para tentar conter eventuais desvios de conduta, abusos de autoridade e violência policial. Os equipamentos ou COP's (Câmeras Operacionais Portáteis) contam com sistema de gravação e transmissão das imagens em tempo real, de forma automática e interrupta, sem que o agente precise acioná-los.

De acordo com a SSP a PM paulista já conta com 10.125 bodycams que estão em uso em todos os batalhões de policiamento da Capital e Grande São Paulo, além de alguns batalhões do interior, incluindo Santos, Guarujá, Campinas, Sumaré e São José dos Campos.

Segundo a Pasta, as câmeras facilitam a tomada de decisão e dão mais transparência e legitimidade às ações dos agentes, além de fortalecer a prova, melhorar a segurança e a qualidade de ensino pela modalidade de estudo de caso. "Após planejamento estratégico foi possível a redistribuição de aproximadamente 400 equipamentos para serem usados no 1º e 2º Batalhões de Trânsito da Capital. Ou seja, com uma medida de eficiência, a atual gestão colocou mais policiais com câmeras nas ruas sem afetar qualquer Batalhão que já dispõe do sistema", frisou a SSP, sem informar se já foi notificada da liminar e se recorrerá. "Paralelamente, estão em andamento estudos de viabilidade para a expansão do programa Olho Vivo para outras regiões do estado, que incluem a análise das condições da infraestrutura da rede móvel, fundamental para o funcionamento do equipamento", emendou em nota.

Em Campinas, até março deste ano, os equipamentos já eram usados no 1º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) e 8º Batalhão de Policiamento Militar do Interior (BPMI). Não foi informado se foi ampliado para o 35º e 47º BPMI.

O especialista em Segurança Pública e coronel reserva da PM, Marci Elber Maciel Rezende da Silva é favorável o uso de câmeras corporais pela corporação, mas não na forma que ela é usada hoje. De acordo com Marci, em algumas situações o equipamento tira a privacidade do agente e também de uma fonte, neste caso um morador que queira fazer uma denúncia.

No caso do agente, um dos pontos da discussão é que a bodycam tem que estar ligada mesmo quando o policial vai ao banheiro, por exemplo, ou fazer as refeições o que acaba constrangedo o profissional.

Outro ponto é em relação às denúncias anônimas feitas por moradores de comunidades, que não se sente à vontade de relatar alguma situação ao policial em patrulhamento, que está com a câmara, já que o defensor de um suspeito pode requisitar as imagens à Justiça e ver quem foi o denunciante.

"Há uma discussão que vai longe sobre isso. A explicação da Justiça não é muito técnica, mas creio que a determinação vem com base nas pressões de órgãos de direitos humanos e partidos adversários do governo e elas vêm claramente com objetivo ideológico", comentou Marci. "E fica a pergunta: Por que também não para a Polícia Civil, pelo menos nas operações?", emendou.

Para o advogado criminalista e presidente da Comissão de Direito Processual Penal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campinas, Salvador Scarpelli Neto, a implementação das câmeras corporais pela PM foi benéfica não apenas para os agentes policiais, mas como também para a sociedade, uma vez que o equipamento possibilita o controle da atuação dos agentes policiais ilegais e que atuam de forma abusiva, e ao mesmo tempo protege os agentes policiais de ações criminosas cometidas pela sociedade, além de servir como documento probatório em inquéritos. "Algumas reportagens demonstraram que a letalidade policial diminuiu com o uso de câmeras", frisou.

Para o jurista, as câmeras corporais também são instrumento de prova, porque ela capta o que de fato ocorreu. Por exemplo, se um policial faz um flagrante e leva o suspeito para a delegacia sem cometer qualquer ato de agressão ou abuso de autoridade, mas posteriormente a defesa da pessoa fornece outra versão no processo, as imagens gravadas serão a prova real do evento. "Com as câmeras, teremos a certeza absoluta do que aconteceu. Porque elas vão captar em áudio-vídeo aquilo que se deu naquele dia. Ou seja, vai dar para saber se de fato aquela pessoa estava praticando tráfico ou não, por exemplo. Se aquela pessoa confessou para o policial ou não a prática do crime", comentou Scarpelli Neto.

Para o presidente da Defenda-PM, a determinação de um prazo imediato gera despesas que estão fora do orçamento para o ano vigente do governo e tendo em vista a independência dos poderes, não pode nenhum poder criar despesas para o outro. "O Poder Executivo é quem cria a dotação orçamentária e vejo que essa decisão está sendo de cunho ideológico e infelizmente, absurda. A minha luta há muito tempo é que todas as viaturas das polícias do Brasil, seja PM, Polícia Civil, é que elas sejam blindadas e específicas e a gente nunca consegue passar no Congresso, e os policiais morrem com tiro de fuzil que transpassa o vidro, porque não tem blindagem. São pais e famílias que morrem. E o Judiciário nunca determinou que o governo, que o Poder Executivo, que faça a blindagem de todas as viaturas", disse.

"Eu também acho que deve ter câmeras. Não sou contra, mas querer obrigar o executivo passando por cima da questão orçamentária e da própria independência de poder, isso é um absurdo do ponto de vista jurídico", enfatizou o coronel Miler.

Sobre os métodos de contenção de suspeitos, a PM informou por nota que as abordagens seguem os protocolos pautados pela instituição e pela legislação vigente. "Em todas as ocorrências em que são constatadas desconformidades, os fatos são apurados rigorosamente por meio de Inquérito Policial Militar", enfatizou.

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