TRISTE REALIDADE

O trabalho árduo da Polícia na busca de pessoas desaparecidas

Ausência de um sistema unificado de RG e a carência de informações fornecidas pelos familiares contribuem para a morosidade nas investigações

Alenita Ramirez/ [email protected]
22/10/2023 às 12:25.
Atualizado em 22/10/2023 às 12:25
No dia 23 de maio deste ano, Dona Dalva, de 75 anos, saiu cedinho para a sua caminhada matinal e quando voltou para casa não encontrou mais o seu marido, Mauro Megenário Júnior, também com 75 anos, que saiu sem documentos e dinheiro e até agora encontra-se desaparecido (Alessandro Torres)

No dia 23 de maio deste ano, Dona Dalva, de 75 anos, saiu cedinho para a sua caminhada matinal e quando voltou para casa não encontrou mais o seu marido, Mauro Megenário Júnior, também com 75 anos, que saiu sem documentos e dinheiro e até agora encontra-se desaparecido (Alessandro Torres)

Embora os casos de desaparecimentos e localizações sejam oficialmente registrados em boletins de ocorrência e investigados por meio de procedimentos específicos, o Brasil ainda carece de um sistema unificado para o Registro Geral (RG). Essa lacuna dificulta sobremaneira o trabalho das autoridades policiais na busca e identificação de pessoas desaparecidas. Além disso, a falta de uniformidade no sistema utilizado pela polícia e a escassez de informações fornecidas por familiares, ou coletadas pelos próprios agentes, contribuem para a morosidade nas investigações.

Em Campinas, entre janeiro e setembro deste ano, foram formalizadas 418 queixas relacionadas a desaparecimentos, conforme registros da Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP). Contudo, destas, apenas 197 permanecem como casos ativos de pessoas desaparecidas. Os policiais suspeitam que apenas três em cada dez das pessoas listadas como desaparecidas estão, de fato, ainda em situação de desaparecimento. De acordo com os agentes, a maioria desse grupo já deve ter retornado para casa após um período, mas, lamentavelmente, devido a obstáculos burocráticos, permanecem erroneamente catalogados como "desaparecidos". Muitos desses indivíduos, ao retornarem, acabam por esquecer de comunicar sua volta, o que dificulta o processo de baixa nos boletins de ocorrência.

Conforme relato dos policiais, 75% dos casos de desaparecimento na cidade são resultado de decisões voluntárias, indicando que as pessoas optam por se afastar momentaneamente de casa, seja por desilusões amorosas, enfrentamento de depressão ou mesmo devido a questões relacionadas à dependência química. O delegado titular da Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), Rui Pegolo, destaca que a principal dificuldade no processo de localização dessas pessoas reside na escassez de informações. Por vezes, as famílias fornecem dados limitados ou omitem informações por motivos de constrangimento, prejudicando substancialmente as investigações.

Segundo o delegado, meio por cento dos casos em que o desaparecimento é genuíno estão relacionados a homicídios, e muitas vezes os corpos não são encontrados, especialmente quando o crime organizado está envolvido. Isso ocorre porque os mandantes determinam a ocultação dos corpos em locais de difícil acesso. "Ao recebermos o boletim de ocorrência, iniciamos o PID (Procedimento de Investigação de Desaparecidos). Nesse processo, entrevistamos familiares, solicitamos a quebra do sigilo bancário e telefônico para verificar se a pessoa está mantendo atividades sociais. Utilizamos mecanismos de pesquisa em fontes abertas, mas a colaboração da família é crucial", explicou o delegado.

Não há um prazo legal definido para registrar o desaparecimento de uma pessoa. Se a vítima tem rotinas regulares, é de boa índole (independentemente do sexo ou idade), se é mulher, adolescente ou criança, os familiares devem contatar imediatamente a polícia ao perceberem algo incomum. A comunicação pode ser feita em uma delegacia da Polícia Civil ou pelos telefones de emergência da Polícia Militar (PM) ou Guarda Municipal (GM), fornecendo todas as informações pertinentes. "Para que o policial faça um BO completo é necessário que se trace um perfil do desaparecido, com as características físicas, de vestimenta, se tem vícios ou não, horários de trabalho, estudo. Toda as informações que tiver é útil, pois elas serão inseridas em um banco de dados que serão usadas na investigação", orientou Pegolo.

No dia 23 de maio deste ano, Dona Dalva, de 75 anos, deixou seu esposo, Mauro Megenário Júnior, também com 75 anos, deitado no quarto do apartamento do casal, localizado na Rua Doutor Quirino, no centro de Campinas, enquanto ela saía para sua caminhada matinal. Na volta, passaria pela padaria para pegar pães. No entanto, ao retornar, não o encontrou.

Seu Mauro estava enfrentando uma fase depressiva, conforme relatado por Dona Dalva, apresentando leve esquecimento e tratando de um câncer na bexiga. Naquele dia, ele vestia uma calça de agasalho cinzachumbo e uma camiseta de pijama branca ou azul.

Dona Dalva empreendeu esforços na busca, visitando os lugares frequentados por seu esposo, mas sem sucesso. Seu Mauro, aposentado como bancário, saiu de casa sem documentos e dinheiro. "Fui à delegacia, registrei um boletim de ocorrência, percorri hospitais, abrigos, todos os lugares imagináveis, mas não o encontrei. Meu Deus, preciso de uma resposta. Não suporto mais essa angústia, essa dor da ausência", desabafou. "Essa falta de notícia dói mais que a morte", lamentou a idosa que compartilhava 55 anos de casamento com Mauro. O casal não tinha filhos.

MERCADÃO

Enquanto Dona Dalva busca pelo marido, o desempregado Francisco Guia Souza Nascimento, de 50 anos, empreende a busca por seu pai, o aposentado Antônio Meneses Arão, de 84 anos.

O idoso encontra-se desaparecido desde o dia 9 de agosto, quando partiu por volta das 8h30 da manhã, embarcando em um ônibus da linha 3.55 com destino ao Mercadão, local que frequentava para passeios e compras. Conhecidos da família confirmam que ele desembarcou no Terminal Mercado, mas desde então não foi mais avistado.

Segundo a família, o idoso apreciava almoçar no Bom Prato. Não apresentava problemas de saúde aparentes e residia sozinho. Separado da esposa, vivia em uma edícula nos fundos da casa da ex-mulher. "Já buscamos em todos os lugares e não o encontramos. Não sabemos mais o que pensar e o que fazer", relatou a nora dele, que optou por não se identificar.

Ambos os casos estão sendo acompanhados pela DHHP. Segundo a análise dos policiais, 76 dos desaparecimentos em Campinas envolvem pessoas com mais de 80 anos. Outros 69 casos referem-se a crianças e adolescentes com idades entre 11 e 15 anos, seguidos por 68 casos de adolescentes e jovens entre 16 e 20 anos, enquanto os demais estão distribuídos em faixas etárias variadas. Além disso, destaca-se que 80% dos desaparecidos retornam nas primeiras 48 horas.

De acordo com Pegolo, existem casos de desaparecimento que permanecem sem esclarecimento, sendo arquivados quando a polícia não consegue reunir indícios de morte violenta nem localizar a pessoa desaparecida. Quando o desaparecimento se estende por dois ou três anos, as famílias são orientadas a procurar a Vara Civil para iniciar um processo de decreto de morte presumida. "Se a pessoa tem herança ou questões relacionadas à sucessão hereditária, é necessária uma sentença de morte para possibilitar a administração da herança. No entanto, já ocorreu de a pessoa desaparecida reaparecer. Embora seja raro, acontece", ele relatou, mencionando um caso em que uma mulher foi encontrada em Jundiaí após seis meses, tendo enfrentado um problema psiquiátrico que resultou na perda de memória.

PROTOCOLO

No mês passado, em cumprimento a uma lei estadual de 2014 e uma lei federal de 2019, o governo do estado de São Paulo anunciou, por meio da Secretaria de Segurança Pública (SSP), a implementação do Sistema de Informações e Prevenção do Desaparecimento de Pessoas. Essa iniciativa busca agregar, além dos dados presentes nos boletins de ocorrência de desaparecimentos registrados pela Polícia Civil, informações provenientes de registros de saúde, cartórios, serviços públicos como Detran, e diversos outros bancos, colaborando assim na identificação de pessoas desaparecidas.

Segundo a Pasta, quando totalmente implementada, essa ferramenta proporcionará a primeira organização estruturada de ocorrências registradas em São Paulo, com a capacidade de realizar cruzamentos com outros sistemas de pesquisa para unificar, em um único local, todas as informações essenciais para a atuação dos órgãos públicos.

A plataforma centralizará as buscas em um banco de dados único, acessível a todos, promovendo o compartilhamento e a automática correlação de informações, facilitando os trabalhos de pesquisa. O sistema foi atualizado para refinar as buscas, utilizando 17 técnicas distintas para identificar uma pessoa desaparecida por meio do CPF, consolidando outras informações cruciais, como nome dos pais, endereços, etc., para formar uma base integrada.

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