UM NOVO CRIME

O curioso caso do stalker que perseguia idosas há 12 anos

Suspeito foi identificado e preso pela DHPP após três denúncias; crime foi tipificado em 2021

Alenita Ramirez/ alenita.ramirez@rac.com.br
05/11/2023 às 18:20.
Atualizado em 05/11/2023 às 18:20

Algumas vítimas, apavoradas com a insistência, chegavam a deixar o telefone fora do gancho; outras optavam por pagar para evitar perseguição (Kamá Ribeiro)

Enquanto buscava alguma novidade na Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) de Campinas, deparei-me com uma pessoa que jamais imaginei que se tornaria parte das minhas narrativas policiais. Sob qualquer suspeita, ela ocupava um assento na sala de espera que dá acesso às salas do escrivão e do delegado titular da DHPP, Rui Pegolo. Naquele dia, a imponente porta de madeira preta, que separa a recepção das salas iniciais de investigação e dos demais setores, incluindo as oitivas de presos, permanecia fechada, devido ao intenso movimento que também afetava a Delegacia de Investigações Gerais (DIG), já que ambas especializadas compartilham o mesmo prédio.

Assim que atravessei a porta preta, deparei-me com a figura em questão: um corpo franzino e de estatura reduzida, pernas cruzadas à maneira de uma jovem modelo, expressão calma e aguçada. Um boné ocultava grande parte de seus cabelos, e seu olhar e gestos transmitiam uma inofensividade aparente. No entanto, percebi que suas mãos repousavam sobre o colo, e após observar por um tempo, notei a presença de algemas. Ao lado esquerdo, sobre o banco, encontrava-se uma bolsa feminina.

Sinceramente, não imaginava que essa pessoa pudesse ser um suspeito perigoso. Perigoso não pela aparência, mas pela habilidade nas palavras, pela persistência e pela persuasão.

Uma investigadora experiente, delicada e muito respeitada na DHPP estava em conversa com essa figura, que solicitava a remoção das algemas. Lembro-me de a investigadora indagar se o pedido se devia à necessidade de utilizar o banheiro. No entanto, a resposta foi negativa; a pessoa estava incomodada com as algemas.

O escrivão passou por mim e o segui até sua sala, informando que estava em busca do delegado. Ele, que também é veterano na DHPP, sussurrou discretamente, apenas para meus ouvidos, que o delegado estava envolvido em um caso bastante intrigante, relacionado a um stalker.

Stalker? Como assim? Aquilo me despertou curiosidade. O escrivão antecipou que se tratava de um crime "novo", muito interessante, e pediu que eu aguardasse para que o delegado pudesse fornecer os detalhes. Regressei à antessala, escolhendo uma mesa com uma cadeira situada ao pé da escada que conduzia ao andar superior. Fiquei de frente para a pessoa. Uma investigadora que eu não conhecia apareceu para vigiála. Sentou-se diante de mim. Apresentei-me e pedi que avisasse o Dr. Rui sobre minha presença.

Com presteza, a investigadora dirigiu-se à porta da sala do delegado e me anunciou. Em questão de instantes, fui chamado por ele. Apesar do dia movimentado, o delegado explicou rapidamente o caso do stalker. "Hoje prendemos um suspeito pelo artigo 147-A. É um crime de ameaça, mas sem o uso de violência. Ele perseguia senhoras com mais de 80 anos", revelou Pegolo.

Odair José Pereira da Silva, de 50 anos, conhecido como Daya, utilizava sua habilidade persuasiva para invadir a mente das vítimas e coagi-las a pagar para que ele as deixasse em paz. Segundo Pegolo, há 12 anos, Silva iniciou uma série de perseguições e ameaças a idosas. Munido de uma lista telefônica amarela, que catalogava os números de telefones fixos e que era amplamente utilizada até o final dos anos 1990, ele ligava para cada número. Usando uma caneta, marcava os números inexistentes ou os que eram desligados pelos interlocutores.

A primeira vítima foi uma idosa de um condomínio na região do distrito de Sousas. O golpe consistia na comercialização de comida congelada a preços abusivos para idosas que viviam sozinhas e não tinham mais interesse em cozinhar. Uma vez confirmada a venda, o golpista dirigia-se até uma padaria, adquiria os alimentos e os enviava por meio de um motoboy.

Contudo, a interação não cessava por aí. Horas depois, o suspeito, conhecido como Daya, ligava para a "cliente" para saber sua opinião sobre a refeição e se pretendia continuar comprando. Na maioria das vezes, as vítimas expressavam insatisfação e recusavam novas compras, mas Daya insistia. Chegava a enviar novos pedidos no dia seguinte, mesmo diante da recusa da cliente. Se a negativa persistisse, ele ligava repetidamente, inclusive durante a madrugada. Os policiais descobriram que ele mantinha uma lista com mais de mil números de telefone separados, utilizando seu celular para realizar os contatos e as perseguições.

Algumas vítimas, apavoradas com a insistência, chegavam a deixar o telefone fora do gancho. Outras optavam por pagar para evitar novos envios. A situação atingiu níveis alarmantes quando, em um caso específico, Daya chegou a ligar 30 vezes em menos de uma hora, apenas para irritar a idosa e extorqui-la, conforme relatado pelo delegado Pegolo.

Ao longo dos 12 anos, os policiais constataram que ele fez mais de 30 vítimas, mas apenas três delas, uma de 85 anos, uma de 75 e uma de 65 anos, decidiram denunciar o caso à Justiça. As perseguições também se estendiam a moradoras de cidades vizinhas a Campinas. Para chegar até Daya, os policiais realizaram um minucioso trabalho de inteligência. Em julho deste ano, ele foi identificado e indiciado conforme o artigo 147-A. Por ser um crime de menor potencial, ele respondia ao processo em liberdade, com a condição de não entrar mais em contato com as vítimas. No entanto, Daya quebrou essa medida cautelar, resultando na determinação de sua prisão preventiva, cumprida em 27 de outubro.

Ao ser interrogado, Daya justificou suas incessantes ligações, alegando que as pessoas eram rudes com ele. O delegado Pegolo alertou sobre a importância de denunciar casos de perseguição, perturbação à liberdade ou invasão de privacidade, pois tais comportamentos configuram crime, passível de pena de reclusão de seis meses a dois anos, podendo ser aumentada se cometido contra idosos.

Daya, que morava sozinho e alugava uma casa no Jardim Santa Lúcia, sobrevivia por meio de golpes e trabalhos de faxina. Após o primeiro indiciamento, quando seu celular e lista telefônica foram apreendidos, ele adquiriu um novo aparelho para continuar a comunicação com as vítimas.

CASO PAOLLA

O caso Paolla Oliveira remonta a março do ano passado, quando a renomada atriz denunciou um português de 22 anos por perseguição (stalking). Luís Mário Monteiro Piçarra, residente em Portugal, estabelecia contato com a atriz através das redes sociais, e em uma das mensagens enviadas a Paolla, mencionou seus planos de vir para o Brasil. Piçarra foi detido pela Polícia Civil carioca um ano após a sanção da lei que tipificou o crime, promulgada pelo então presidente Jair Bolsonaro.

Além de ameaçar a atriz, o português também dirigiu ameaças ao namorado dela, o cantor Diogo Nogueira. Ao chegar ao Brasil, invadiu o condomínio onde a atriz reside, alegando a necessidade de recuperar um celular de sua propriedade que estaria com Paolla. Na porta da casa da vítima, localizada na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, ele manifestou comportamento agressivo, proferindo frases desconexas e algumas incompreensíveis, além de proferir palavras ofensivas, xingar o músico e ameaçar o casal de morte, alegando possuir uma arma com porte, como afirmou em suas redes sociais.

Paolla relatou na ocasião que vinha sendo perseguida pelo suspeito por cerca de três meses, através de mensagens em sua conta no Instagram. Nos textos, ele chegou a marcar páginas de órgãos oficiais, como a Polícia Civil, Polícia Federal e Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). No depoimento, a atriz mencionou que um ano antes, ele havia feito uma declaração de amor nas redes sociais e afirmado que viria ao Brasil para encontrála.

Embora a tipificação do crime seja de 2021, o termo "stalker" é utilizado pelo cinema há mais de duas décadas. Filmes como "Retratos de uma Obsessão", "A Mão que Balança o Berço", "A Estranha Obsessão", "Copycat", "Notas sobre um Escândalo", "O Invasor", "O Silêncio dos Inocentes", entre outros, têm abordado essa temática ao longo dos anos.

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